Em entrevista ao programa CB Poder, a ministra do Superior Tribunal Militar (STM) Maria Elizabeth Rocha falou dos desafios de ser a única mulher a ocupar uma cadeira na Corte. Na entrevista à jornalista Ana Maria Campos, ela também teceu comentários sobre as próximas indicações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Supremo Tribunal Federal (STF). Acompanhe os principais trechos:
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Como é trabalhar em um tribunal em que os demais ministros são homens?
É instigante. É um desafio muito grande, de romper barreiras, paradigmas. Talvez, o meu maior desafio seja abrir caminhos para as novas gerações de mulheres e meninas, porque lugar de mulher é onde ela quiser estar. Infelizmente, ainda vivemos numa sociedade patriarcal, onde as mulheres são relegadas a segundo plano, não conseguem caminhar e disputar os mesmos espaços de poder que os homens. Mas os direitos civis não são dados, são conquistados arduamente com muita luta. Eu procuro fazer o meu papel.
Em um plenário com tantos homens, a senhora sente algum tipo de preconceito, algum olhar machista?
Eu sinto de alguns, com certeza, mas o que eu sinto, sobretudo, é o olhar da diferença. Eu procuro fazer a diferença, não fui nomeada para o Tribunal como a única do meu gênero para me render ao mimetismo, pra me render à homogeneidade. Acho que a heterogeneidade, a alteridade, é importantíssima num tribunal de justiça.
A mulher precisa provar que é melhor?
Não tenha dúvida. A mulher sempre tem que provar mais do que o homem. Eu fui primeiro lugar no meu concurso para a AGU (Advocacia Geral da União), eu vim da advocacia pública, fui mestre com distinção na Universidade Católica Portuguesa onde eu fiz mestrado, sou doutora com louvor. Nós temos que nos empenhar muitíssimo mais do que os homens.
Apesar do seu currículo qualificado, a senhora acha que o presidente Lula a indicou (em seu primeiro mandato) por ser mulher?
Eu acho que sim, até porque vários dos seus assessores diziam isso ao presidente. Falavam que era importante ter uma mulher, a Justiça Militar da União é a Corte mais antiga do Brasil, tem quase 206 anos de existência e, até hoje, é um reduto de masculinidade, nunca teve uma mulher. São dez militares do último posto, todos generais de quatro estrelas. Então, só cabia uma indicação feminina no cargo de civil. E eu entrei na vaga dos advogados. Acredito que, realmente, meus amigos e os assessores sensibilizaram o presidente Lula da importância e da oportunidade (de me indicar). E fui indicada no Dia Internacional da Mulher. Então, foi simbólico.
A senhora já chegou à presidência. Como foi comandar tantos militares?
Na verdade, eu comandei entre aspas. Foram nove meses e parece que foi simbólico, o período de uma gestação. Eu substituí a vacância do presidente, que caiu na compulsória (aposentadoria obrigatória por idade), eu era vice, fui a substituta natural. Não fui eleita ainda como presidente, minha vez ainda não chegou, mas, nesses nove meses, eu tive a oportunidade de degravar todos os processos históricos, as sustentações orais gravadas em (fitas de) celuloide durante o Regime Militar e dos réus que tinham sido julgados sob a égide da Lei de Segurança Nacional. Eram fitas de rolo que estavam se perdendo e tinham sustentações orais de Heleno Cláudio Fragoso, Sobral Pinto, dos grandes advogados deste país que defenderam na tribuna do tribunal os presos políticos, a liberdade e a democracia.
Qual a sua expectativa em relação às próximas nomeações do presidente Lula para o Supremo Tribunal Federal?
Independentemente do gênero, o importante é um perfil garantista, alguém que realmente respeite os direitos individuais e que firme posições sólidas nesse sentido. É importante que direitos e garantias que estão fundamentados e clausurados como pétreos — que não podem ser objetos sequer de reforma constitucional — sejam preservados, concretizados, adensados, porque é o que a sociedade espera e o que a Carta Cidadã de 1988 se propôs.
Será alguém com um perfil crítico ao que aconteceu na Operação Lava-Jato?
Sem querer nomear atores, mas, por exemplo, a questão da prisão na segunda instância, sem o trânsito em julgado, me pareceu uma das maiores violações do direito constitucional que eu já presenciei durante a minha formação jurídica, que deve ter 35 anos. Realmente me espantou.
Mas, muitas vezes, os recursos se estendem e julgamentos nunca chegam ao fim.
Os julgamentos chegam ao fim. Às vezes, não chegam ao fim no tempo em que a sociedade espera, porque, efetivamente, a Justiça não trabalha — nem o Parlamento — em um tempo real. Não adianta encurtar prazos sob pena de conspurcar direitos individuais. Se, hoje, o cidadão pede que direitos e garantias fundamentais arduamente conquistados pela sociedade brasileira sejam conspurcados, amanhã pode chegar o dia em que ele necessitará do Poder Judiciário e que a mesma ausência de garantia que ele pregava para o vizinho do lado pode acontecer com ele.
*Estagiária sob a supervisão de Vinicius Doria
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