Aprovada na Câmara no apagar das luzes do ano passado, a regulamentação do lobby no Brasil aguarda sua tramitação no Senado. O debate ganhou força durante a semana passada com o escândalo sobre a tentativa do governo de Jair Bolsonaro em trazer ao Brasil joias da Arábia Saudita avaliadas em R$ 16,5 milhões, além dos eventos patrocinados por empresas com causas bilionárias na Justiça oferecidos a juízes, com direito a hospedagem e tratamento de luxo aos magistrados.
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O Projeto de Lei (PL) 2.914/2022, aprovado pela Câmara como PL 1.202/2007, é o primeiro a chegar na Casa Alta que trata sobre a regulamentação da atividade do lobby, realizada no Brasil, atualmente, sem definição legal. A proposta de regulação foi bem-vinda para as entidades interessadas no trato com a administração pública, mas o texto aprovado contém pontos fortemente criticados.
Para especialistas e membros de entidades da sociedade civil, o projeto mantém um desequilíbrio de forças entre entes privados, como grandes empresas, e organizações sem fins lucrativos e movimentos sociais. O texto prevê, por exemplo, a mesma multa para quem violar as normas previstas na regulamentação, o que pode quebrar ONGs pequenas, mas ter pouco impacto para as corporações.
Os termos considerados vagos do PL também abrem margens para que agentes públicos levem representantes da sociedade civil, atuando como lobistas, a punições por discordâncias em temas sensíveis, como os que envolvem os direitos e as terras de povos indígenas. Segundo entidades, o texto foi aprovado com pressa e sem atender aos preceitos de participação da sociedade que baseiam o próprio texto.
"No último momento houve um apensamento de dois projetos, com esse velho expediente da urgência da votação que está sendo naturalizado, e que prejudica a maturação democrática dos debates em que a sociedade não é ouvida", explicou ao Correio o presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu. Ele defende que haja a regulamentação da atividade, em contraste a como o lobby é feito hoje, "nas sombras".
O texto aprovado na Câmara traz uma série de determinações sobre a atividade, como a necessidade de cadastro, medidas para a transparência ativa dos encontros entre agentes públicos e lobistas, e a proibição de presentes por empresas ou organizações interessadas em influenciar as tomadas de decisão dos órgãos públicos. São permitidos apenas "brindes, obra literária publicada ou hospitalidade", sendo a última definida como hospedagem, participação em eventos, transporte e alimentação.
Transparência
O projeto proíbe presentes de luxo como as joias recebidas por Bolsonaro, mas, para o assessor de advocacy do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) Mateus Fernandes, o verdadeiro problema são os benefícios do dia a dia para os agentes públicos, o que não está devidamente contemplado na proposta.
"Você vai de pouco em pouco oferecendo alguns benefícios, hospedagens, vantagens. Tudo o que entra na parte de brinde está regulamentado, mas e o que extrapola? Quem vai determinar o que pode ou não ser brinde é o próprio órgão", afirma Fernandes. Ele defende que o projeto precisa trazer medidas mais fortes de transparência ativa, divulgando não somente os encontros oficiais entre administradores públicos e lobistas, mas também os documentos que foram trocados.
Livianu, por sua vez, alerta que o projeto abre brecha para legalizar práticas de corrupção. Segundo ele, por mais que o texto vete presentes, as viagens e hospedagens em hotéis cinco estrelas, inclusive no exterior, podem ser consideradas também presentes de luxo, já que não há limitações claras na proposta para o que pode ser oferecido. "Estamos falando de um presente destinado a um agente público, um presente luxuoso, e o que esse projeto contém é uma autorização legal a isso. Vamos aproveitar esse episódio horrendo desses diamantes escondidos em uma mochila, com carteiradas, para quem sabe não trazer algo de positivo", frisa.
O procurador da Câmara Municipal do Rio de Janeiro Flávio Britto, que está abrindo um escritório em Brasília para atuar com advocacy, também aponta que o projeto precisa passar por ajustes no Senado Federal. Ele cita como exemplo a regulamentação chilena do lobby, que obriga maior transparência, incluindo a divulgação de documentos.
"É chegado um momento de a gente buscar uma transparência que realmente funcione, e não seja só para cumprir tabela. Buscando o que for possível para dar ferramentas à população para conferir essa atividade", argumenta. "Tem muita coisa que entra em um critério de discricionariedade O acesso público às informações não está satisfatório, não está regulado de que forma vai se dar esse acesso. O projeto determina que os dados sejam disponibilizados em 180 dias, mas como? Por quem? E os estados e municípios, não vão entrar?", complementa.
Ainda não há data para que o PL seja pautado no Senado, nem relator definido na Casa.
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