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Itamaraty e CRE do Senado preparam retirada de nomes bolsonaristas das embaixadas

Itamaraty e Comissão de Relações Exteriores do Senado, presidida por Renan Calheiros, trabalham para afastar da linha de frente da diplomacia brasileira nomes ligados a Bolsonaro. Expurgo vai atingir cargos estratégicos nas organizações internacionais

Vinicius Doria
postado em 10/03/2023 03:55
 (crédito: Waldemir Barreto/Agência Senado)
(crédito: Waldemir Barreto/Agência Senado)

O Itamaraty e a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) do Senado começam a preparar o terreno para uma mudança geral nas embaixadas brasileiras e em cargos de organismos multilaterais, com o objetivo de afastar da linha de frente da diplomacia do país os nomes ligados ao governo de Jair Bolsonaro (PL). O expurgo promete ser grande e vai atingir algumas das embaixadas mais importantes do Brasil e cargos estratégicos nas organizações internacionais.

A guinada na política externa brasileira faz parte da estratégia adotada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva de confrontar o bolsonarismo em todas as frentes possíveis. Para isso, o governo conta com um aliado fiel, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), que assumiu, nesta semana, o comando da CRE.

O primeiro passo foi dado: o Palácio do Planalto retirou da comissão uma lista de 16 diplomatas indicados pelo governo anterior para assumir embaixadas que estão sem titular. Uma nova lista será encaminhada nas próximas semanas.

Conhecida como a comissão "dos punhos de renda", por adotar protocolos da diplomacia, como receber delegações estrangeiras e representar o Poder Legislativo em agendas internacionais, a CRE deverá ganhar um protagonismo inédito a partir deste ano. "A prioridade à frente da comissão, neste momento único da história, é a reconstrução, o resgate do papel que o Brasil sempre exerceu no cenário internacional", disse Renan Calheiros ao Correio.

Além das relações externas, em que a prioridade será a reinserção do país nas agendas globais, o novo presidente do colegiado pretende acompanhar de perto a atividade militar, cuja relação com os Três Poderes foi contaminada pela proximidade dos comandos das Forças Armadas com o projeto de poder de Bolsonaro. Os ataques golpistas de 8 de janeiro acenderam o sinal de alerta do novo governo.

O primeiro ato de Calheiros não poderia ser mais simbólico: ele vai pautar para apreciação da CRE o projeto da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 que tipifica os crimes contra a humanidade, como o genocídio. O parlamentar presidiu a investigação do Senado que apontou as responsabilidades do governo anterior na condução da crise sanitária que provocou quase 700 mil mortes no país.

Recolocar a pandemia na pauta política também faz parte da estratégia de desconstrução do bolsonarismo e de responsabilização do ex-presidente por erros de comando. Dessa forma, a comissão também relembrará a participação do general Eduardo Pazuello (eleito deputado federal pelo PL do Rio de Janeiro) na condução do Ministério da Saúde.

A política externa é uma seara promissora para marcar diferenças entre os dois governos. Quando vem acompanhada de um escândalo que envolve militares, ganha contornos ainda mais urgentes, que vão ser explorados pelos aliados de Lula na CRE. É o caso do escândalo das joias que o ex-presidente recebeu na Arábia Saudita. Calheiros quer que o tema também faça parte da agenda da comissão, que deve acompanhar as investigações sobre a participação de militares, como o ex-ministro de Minas e Energia almirante Bento Albuquerque e o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro no Palácio do Planalto tenente-coronel Mauro Cid. Até por obrigação regimental, as primeiras autoridades ouvidas na comissão serão os ministros das Relações Exteriores, embaixador Mauro Vieira, e da Defesa, José Múcio Monteiro.

A reinserção do Brasil nos principais fóruns multilaterais — em especial, a Organização Mundial de Comércio (OMC) — e a reativação dos blocos econômicos que perderam importância no governo anterior, como o Mercosul (que deverá retomar as discussões com a União Europeia para retirada de barreiras comerciais) e o Brics (acrônimo da união entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), vão competir, em importância, com a chamada diplomacia ambiental, que envolve os debates sobre aquecimento global e sustentabilidade em todo o mundo.

Artilharia pesada

Enquanto a diplomacia caminha pela trilha da chamada "soft power" (poder suave, em tradução livre), Calheiros prepara artilharia pesada contra o governo Bolsonaro, reforçando o discurso da gestão Lula de que o período anterior não representa a tradição brasileira nas relações externas.

A imagem do país foi severamente comprometida por uma série de episódios que serão lembrados pelo senador, como o comentário do ex-chanceler Ernesto Araújo, em 2020, de que, se a "nova política externa (do governo Bolsonaro) nos faz ser um pária internacional, que sejamos esse pária".

"O Brasil sempre foi respeitado pelos pressupostos de sua chancelaria, e isso, infelizmente, foi dilapidado no governo anterior, ao ponto de nos tornarmos pária mundial. Mas o Brasil voltou ao centro das atenções, e o mundo demonstrou que estava com saudades do Brasil", disse Calheiros.

Com Bolsonaro, o país se aproximou de governos pouco democráticos (como Hungria e Polônia) e ditaduras de fato, como a da Arábia Saudita — agora, pivô do caso das joias (leia reportagem na página 4). Também criou embaraços na relação com o maior parceiro comercial do país, a China, quando Bolsonaro declarou que não confiava "na vacina chinesa (contra covid-19)", e se alinhou de corpo e alma ao governo de Donald Trump nos Estados Unidos, a ponto de não criticar a invasão do Capitólio e fazer do Brasil o último membro do G-20 a reconhecer a vitória de Joe Biden nas urnas, 38 dias depois de o democrata ser declarado ganhador das eleições presidenciais.

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