Transfobia na Câmara

Salabert diz que Nikolas usou plenário para atacar a política como um todo

Deputada federal Duda Salabert (PDT-MG) defende que Congresso deve ser usado para debate da "grande política"

Raphael Felice
postado em 09/03/2023 18:09 / atualizado em 09/03/2023 18:10
 (crédito: DOUGLAS MAGNO / AFP)
(crédito: DOUGLAS MAGNO / AFP)

Em entrevista ao Correio nesta quinta-feira (9/3), a deputada federal Duda Salabert (PDT-MG) criticou o ataque transfóbico promovido ontem pelo deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), no Dia Internacional da Mulher. Nikolas discursou em plenário com um discurso de ataque à comunidade trans. O deputado, que se intitulou como “Nicole” com intenção de ridicularizar pessoas transgênero, negou que tenha sido transfóbico. No Twitter, ele disse que estar apenas "defendendo um direito das mulheres".

Segundo Duda, Nikolas usou a data criada para debater a desigualdade de gênero para atacar mulheres trans e travestis. A deputada frisou ainda que parlamento deve ser usado para debater soluções para a crise política, ambiental e econômica, que são áreas em que o Brasil vem enfrentando problemas.

“O Congresso tem que ser espaço para debate da grande política e deve ser usado para superar as crises, política, ambiental, econômica. O debate no Dia Internacional da Mulher deveria ser aprofundado para falar da desigualdade de gênero, que afeta diversas mulheres na esfera social. Ele preferiu usar a tribuna para ridicularizar as mulheres trans e travestis. Transfobia é crime inafiançável. Ele fez um discurso criminoso e, além de criminoso, um discurso irresponsável, porque em nada contribui para o avanço e superação da crise do Brasil.

O Gabinete Compartilhado do Congresso Nacional, do qual Salabert faz parte, entrou com uma representação no Conselho de Ética da Câmara e com uma denúncia crime no Supremo Tribunal Federal contra o deputado Nikolas Ferreira, do PL de Minas Gerais, pelo crime de transfobia. Partidos como PDT, PSB, PSol, Rede e PT também já se mobilizaram na apresentação de representações no Conselho.

A deputada federal, uma mulher trans, é alvo de ataques de Nikolas desde que ambos eram vereadores em Belo Horizonte. Duda disse ao Correio que irá se reunir com os ministros Alexandre Padilha, Sílvio Almeida e Flávio Dino para tratar do assunto e afirmou que vai pedir para o governo se posicionar pelo fim do discurso de ódio e também da polarização política. A congressista afirmou também querer ter uma reunião com presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

“Eu provoquei conversa com o governo Lula, porque eu entendo que a fala de ontem não agrediu somente as travestis e transsexuais, mas todos os parlamentares e a política brasileira. Gostaríamos de uma posição do governo Lula com relação a essa fala. Um dos pilares do governo ao se eleger foi a defesa da democracia. Não existe democracia onde há discurso de ódio, preconceito e transfobia”, disse.

"Somos muito mais que uma pauta identitária"

Duda Salabert também pediu o maior protagonismo de pessoas trans para pautas além das identitárias — como racismo, transgênero, LGBTQIA+. Segundo a deputada há uma série de assuntos em que ela está engajada, mas há um cenário de “transfobia estrutural” na política, na mídia e na sociedade.

“Há uma visão reducionista da nossa prática política. Muitos parlamentares acham que vou discutir apenas pautas trans, mas fui eleita para discutir revogação da lei Kandir, vou discutir por exemplo um outro modelo de segurança pública, um plano nacional de ação climática... que são as pautas principais do nosso mandato, claro. Não desmerecendo a pauta identitária, mas somos muito mais que uma pauta identitária”, afirmou.

Salabert destacou que a presença de pessoas trans em um debate mais amplo sobre temas estruturantes irá contribuir para o combate à violência e ao preconceito transfóbico, que acontece com frequência desde o ambiente escolar.

“Ter pessoas trans no debate político nacional, discutindo temas estruturantes como a lei Kandir, a reforma tributária, uma legislação moderna ambiental, por exemplo, isso implica outro contorno à nossa identidade, traz uma acepção positiva à nossa vivência e acaba combatendo, por consequência, o estigma construído negativamente as identidades trans na américa latina”, disse.

“O que houve no Brasil e na América Latina historicamente foi um apagamento das identidades e reivindicações de travestis e transsexuais. Devido à estrutura de ódio, 90% das travestis do Brasil estão na prostituição e 91% da população trans em Belo Horizonte (MG) não concluíram o ensino médio, também devido à estrutura de violência até mesmo no ambiente escolar”, concluiu.

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