Lisboa — Depois de muitas polêmicas e ameaças de rebelião por parte de partidos da extrema-direita, o presidente da Assembleia da República, o socialista Augusto Santos Silva, tomou para si a responsabilidade de definir o dia e a hora em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursará no Parlamento português. Havia a possibilidade de a fala ocorrer em 25 de abril, durante a sessão solene de comemoração da Revolução dos Cravos, a independência lusa. Mas a forma atabalhoada como o assunto foi anunciado pelo ministro de Negócios Estrangeiros de Portugal, João Gomes Cravinho, provocou reações e críticas até de partidos aliados do governo. Nesta quarta-feira (1º/3), em reunião de líderes, ficou acertado que Lula irá ao Congresso, discursará, mas em sessão específica, provavelmente em 24 ou 25 de abril.
“Teremos enorme prazer em receber o presidente do Brasil, um país irmão, numa sessão solene de boas-vindas, na qual o presidente da Assembleia e o líder brasileiro vão interagi. A data e a hora serão definidas por mim”, disse Santos Silva. Presidente do PSD, o maior partido de oposição de Portugal, Luís Montenegro afirmou que foi muito importante ter se resguardado a sessão solene de 25 de abril. Ele assegurou que, definida a data do discurso de Lula, parlamentares da legenda se farão presentes. “Portugal não pode, de manheira nenhuma, ignorar a presença de um chefe de Estado”, acrescentou.
A tensão maior estava na extrema-direita. O presidente do Chega, André Ventura, ameaçou recorrer à violência verbal se Lula discursasse na sessão solene da Revolução dos Cravos. “Não sei o que faremos se insistirem na fala do presidente do Brasil no dia da independência, da nossa democracia, mas a reação será firme, será frontal. Nós não sairemos para deixar Lula da Silva entrar”, assinalou ele, ao ser questionado, na terça-feira (28/02), pelo Correio. O deputado admitiu, contudo, baixar o tom diante da decisão de o líder brasileiro falar em outro momento. Afirmou, ainda, que está mantida a manifestação nas ruas que ele está organizando com empresários e igrejas evangélicas contra a presenta do petista em território luso.
Brasil é um doce
Pouco antes da decisão da Assembleia da República para pacificar os ânimos, o presidente português, Marcelo Rebelo de Souza, fez questão de mostrar, publicamente, que o país não se renderá às ameaças de grupos de ultradireita. Ele aproveitou a inauguração da Feira Internacional de Turismo em Lisboa, uma das mais importantes do mundo, para desfilar de braços dados, estande por estande, com a ministra do Turismo do Brasil, Daniela Carneiro. Indagado sobre como andam as relações entre os dois países, disparou: “Com o Brasil, as relações são sempre doces. O Brasil é doce e Portugal é doce. E as relações políticas e diplomáticas são docíssimas, muito boas”.
O presidente português disse que foi ele quem convidou Lula para visitar Portugal. “Quem convida um chefe de Estado para visitar um país é outro chefe de Estado. Eu convidei o presidente brasileiro para visitar Portugal”, enfatizou. Ele ressaltou que Lula já havia estado em Portugal antes de tomar posse, em novembro, pouco depois dos resultados das eleições. “Agora, Portugal será o primeiro país da Europa a receber o presidente do Brasil já eleito. “Portanto, tal como hoje estamos recebendo a ministra do Turismo, haverá a visita do presidente do Brasil”, reforçou.
Entre um beijo e um abraço em quem passava por ele, uma mordida em um pedaço de queijo e um gole de vinho, Rebelo de Souza afirmou que os governos dos dois países ainda não fecharam a programação da visita de Lula a Portugal, quando será realizada uma reunião de cúpula, que não ocorre desde 2016. “Estamos trabalhando para a preparação de um programa que será muito variado. Vamos tratar de temas importantes para os dois países”, frisou. “Também vamos entregar, finalmente, o Prêmio Camões ao cantor Chico Buarque”, emendou. A honraria havia sido concedida ao artista brasileiro durante o governo de Jair Bolsonaro, que se recusou a fazer a entrega, provocando enorme constrangimento.
Democracia
Diante das críticas feitas a Lula, sobretudo pela oposição de extrema-direita, o líder português procurou minimizá-las. “Em democracia, há sempre quem goste e quem não goste. Faz parte da lógica democrática”, disse. Mas, no entender dele, há coisas que estão acima de questões meramente de partidos, de opiniões. “Estamos falando das relações entre pátrias, de Estados. Assim, quando se trata de relações entre Brasília e Portugal e entre Portugal e Brasília, os chefes de Estado brasileiro e português estão acima de tudo”, acrescentou.
Ele lembrou que esteve no Brasil quando o presidente era Bolsonaro, que o maltratou por duas vezes. “Houve momentos em que se especulou, durante a minha estada no Brasil, sobre as relações entre os dois países. E, no entanto, não ouviram da minha boca nenhuma palavra que não fosse sempre de consideração pelo Brasil e pelo povo brasileiro”, destacou. Ao lado dele, a ministra do Turismo disse que, a despeito das polêmicas, está muito otimista com a relação entre Brasil e Portugal. “Sob nova gestão, sob o comando do presidente Lula, o Brasil está de volta e tem muito a oferecer. Com certeza, essa união vai dar muitos frutos.”
Também presente na Feira de Turismo, a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra, ressaltou que o presidente Lula se intimidará com ameaças e gritarias de representantes da ultradireita. Para ela, a maioria dos cidadãos portugueses gosta do líder brasileiro e o respeita. “O que vemos são coisas da democracia. Essa postura de intolerância típica da extrema-direita, que cultua o nazismo e o fascismo, não tira o brilho, não representa o sentimento da maioria do povo português, muito pelo contrário”, emendou, lembrando que Lula venceu as eleições de Portugal com mais de 60% dos votos. “A volta de Lula ao poder significa uma vitória da defesa da democracia, que é o que nos une a Portugal e a Europa.”
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