O Carnaval acabou na quarta-feira (22/02) e, com o fim das festividades, as atenções no mundo político e econômico voltam a se concentrar em Brasília.
A sensação de que o primeiro ano do novo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao menos na área econômica, só vai começar agora foi agravada pela crise causada pelos ataques às sedes dos Três Poderes no dia 8 de janeiro, que monopolizou as atenções do governo e do público por semanas.
Mas agora que o Carnaval acabou e a crise política gerada pelos ataques de janeiro já não recebe mais tanta atenção, quais serão os principais testes que o novo governo Lula terá de enfrentar agora que, segundo o senso comum, o ano "começou"?
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que os três principais testes de Lula nos próximos meses são: consolidação da base no Congresso Nacional; aprovação do novo marco fiscal; e aprovação da reforma tributária.
Para eles, passar nesses três "testes" é visto como fundamental para que o governo consiga atingir criar condições para acelerar as taxas de crescimento econômico do país.
Os relatórios mais recentes do Fundo Monetário Internacional (FMI) projetam que a economia brasileira vai crescer 1,2% em 2023 e 1,5% em 2024. Nos dois casos, os índices estão abaixo da média mundial (2,9% e 3,1%, respectivamente).
Consolidação da base no Congresso
O "início" do ano para o governo Lula vai colocar à prova a capacidade da atual de gestão de formar uma base de apoio sólida no Congresso Nacional.
Sem uma base razoavelmente estável no Parlamento, dificilmente o governo conseguirá aprovar as medidas que considera importantes.
Lula já enfrentou esse tipo de desafio antes, nos seus dois primeiros mandatos. Assim como outros presidentes, uma das saídas encontradas para manejar a formação da base foi oferecer espaço no governo para partidos em troca de apoio no Congresso.
Esse esquema, criticado por alguns analistas como "fisiologismo", ficou conhecido no universo acadêmico como "presidencialismo de coalizão".
A busca por apoio político no Parlamento também deu origem a escândalos como o mensalão e o petrolão, durante gestões petistas, e como o do chamado "orçamento secreto", durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
No atual mandato, Lula distribuiu 25 ministérios para nove partidos diferentes.
Entre eles estão legendas do chamado Centrão, grupo de partidos de centro-direita que, historicamente, se mantém próximos aos governos em troca de apoio político.
É o caso do União Brasil, que tem três ministérios (Integração e Desenvolvimento Regional, Turismo e Comunicações), MDB (Planejamento, Cidades e Transportes) e PSD (Agricultura, Pesca e Minas e Energia).
Para o professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marco Antônio Teixeira, o "início" do ano vai dar início ao teste da base de Lula.
"A base do governo ainda não está formada. Ela ainda não foi testada e a gente não sabe, efetivamente, qual será o seu tamanho", disse Teixeira.
Para Teixeira, a grande dúvida é sobre qual o tamanho do apoio que o União Brasil, formado pelos antigos Democratas e PSL, poderá entregar ao governo.
A dúvida se dá pelo fato de que muitos dos 59 deputados e nove senadores do partido se elegeram defendendo a candidatura de Bolsonaro, e não de Lula.
Para a professora de Ciência Política da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), Denilde Holzhacker, a atual legislatura, marcadamente mais conservadora e à direita, vai obrigar o governo a adotar uma estratégia diferente das utilizadas no passado.
"Em vez de contar com uma base estável, o governo terá que se acostumar a negociar com o Congresso a cada projeto que ele quiser aprovar. Não acho que o governo vai conseguir consolidar uma bancada em torno das pautas sem apresentar os projetos antes", avaliou.
Novo âncora fiscal
Para os especialistas, ter uma bancada consolidada é um meio para obtenção de objetivos. E entre os objetivos tidos como prioritários pelo governo, um deles é a aprovação de uma nova âncora fiscal.
Âncora fiscal é o termo usado por especialistas e políticos para designar quais serão as novas regras que o governo federal vai usar para equilibrar suas contas.
Entre 2017 e 2022, as contas eram regidas pelo chamado "teto de gastos". Nesse regime, as despesas do governo federal só poderiam crescer de acordo com o aumento da inflação.
A ideia por trás do sistema era impedir que o governo aumentasse o tamanho da dívida pública do país.
O regime foi alvo de críticas de Lula enquanto era candidato à Presidência da República.
Seu argumento era de que o teto prejudicava a execução de políticas públicas e os investimentos do governo.
Atualmente, a proporção entre o tamanho da dívida pública e o produto interno bruto (PIB) do país é de 73,5%, segundo o Banco Central.
Dados do Banco Mundial de 2021, durante a pandemia de Covid19, apontam que o Brasil tinha a segunda maior dívida sobre o PIB da América do Sul, atrás apenas da Argentina.
No final do ano passado, o Congresso aprovou uma proposta de emenda constitucional (PEC) que determinou que o atual governo teria que apresentar uma nova proposta.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já deu indicações de que o governo deve enviar uma proposta de âncora fiscal até junho deste ano.
Para o ex-secretário de Fazenda de São Paulo e atual economista-chefe da corretora Warren Renascença, Felipe Salto, a aprovação da nova âncora fiscal deve ser prioridade do governo.
"A prioridade zero é aprovar um novo arcabouço fiscal. Não só pelo efeito, em si, de ter regras mínimas para o comportamento das contas públicas, mas também para virar a página do imbróglio fiscal e da novela do teto de gastos", disse Salto.
Para a diretora do Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Vilma da Conceição Pinto, a apresentação da nova âncora fiscal deverá ter impactos não apenas na saúde das contas públicas, mas na taxa de juros.
"Os modelos que o BC usa para definir a taxa Selic levam em consideração o cenário fiscal. Apresentar essa nova âncora vai sinalizar pro mercado como é que o governo vai gerir a sua dívida. Dependendo do que vier, isso pode contribuir para a redução da taxa de juros", explicou.
Para a professora de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV) Carla Beni, a aprovação de uma nova âncora fiscal também deverá ter impacto sobre o crescimento do PIB.
"Para destravar o PIB, precisamos falar da política monetária. Precisamos diminuir a taxa de juros da economia para diminuir o crédito ao tomador. Esse desafio da taxa de juros está atrelado com a aprovação da nova âncora fiscal", disse.
Reforma tributária
Outro teste para o governo Lula, de acordo com os especialistas, será a aprovação da reforma tributária. Ou pelo menos de parte dela, uma vez que o governo já indicou que deverá "fatiar" e enviar, no primeiro semestre, apenas alguns pontos considerados importantes.
O deputado federal e coordenador do grupo de trabalho sobre a reforma tributária na Câmara dos Deputados, Reginaldo Lopes (PT-MG), disse à BBC News Brasil que a medida seria o maior "legado" que o governo poderia deixar ao país.
"O maior legado, do ponto de vista de reforma estruturante, que esse governo e o Congresso podem deixar ao país é a reforma tributária. Estamos atrasados há mais de 50 anos. O último país a unificar impostos foi a Itália. Nosso sistema é complexo, judicializado e permite sonegação e impostos em cascata", disse o deputado.
Lopes afirmou que a previsão é que a primeira parte da reforma seja aprovada ainda neste primeiro semestre.
Essa primeira "fatia" da reforma deverá se concentrar na unificação de tributos federais, estaduais e municipais que incidem sobre o consumo.
"A proposta está bastante madura e acho que haverá alguma convergência dentro do Congresso para que a gente consiga aprová-la", afirmou o parlamentar.
A segunda etapa da reforma, a ser debatida na segunda metade do ano, incluiria mudanças na tributação de pessoas físicas, empresas, lucros e dividendos.
A estratégia de "fatiar" está sendo usada para evitar que a reforma como um todo trave no Congresso.
Para Carla Beni, da FGV, o "teste da reforma tributária" traz, dentro dele, um outro "teste".
"O que a gente precisa ficar atento é qual é a reforma tributária que o governo vai conseguir aprovar. Existe a reforma tributária necessária, que reduza desigualdades e deixe de onerar os mais pobres, e existe a reforma possível, que é aquela que o governo consegue aprovar com o apoio que tem", disse a professora.
"Tanto no caso da reforma tributária quanto no da âncora fiscal, o governo terá que ter um diálogo muito azeitado com o Parlamento", afirmou.