Jornal Correio Braziliense

Entrevista

'Há diálogo com o governo, mas ainda falta clareza', diz Eduardo Leite

Presidente do PSDB avalia início de Lula, destaca a necessidade de recomposição das receitas dos estados e aposta que o seu partido irá resistir se definir a agenda

Reeleito governador do Rio Grande do Sul em outubro do ano passado, seis meses depois de renunciar ao cargo, Eduardo Leite (PSDB) assumiu, na última quinta-feira, a presidência nacional da sigla tucana, depois do ex-deputado pernambucano Bruno Araújo deixar o cargo de forma antecipada. De olho no Palácio do Planalto, o político assume o protagonismo do partido em um momento de reconstrução, no qual o PSDB conta com apenas três governadores, três senadores e 13 deputados federais. Em entrevista ao jornal Estado de Minas, dos Diários Associados, Leite também criticou a polarização política no país e fez questão de ressaltar as suas diferenças tanto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quanto com o ex-chefe do Executivo Jair Bolsonaro (PL). "Somos diferentes dos dois. Não preciso ser medido na régua estreita que, na verdade, até os aproxima em algumas questões", declarou o governador.

O que ficou de mais importante da reunião entre Lula e os governadores?

O mais importante ponto da reunião feita com o presidente foi o fato de os estados apresentarem, como prioridade, a recomposição de suas receitas, duramente impactada no ano passado por medidas equivocadas, lideradas pelo governo federal e pelo Congresso, com a perda de arrecadação dos estados no ICMS. (Houve) Uma forçada redução de impostos provocada no ano passado. O governo federal fechou 2022 com arrecadação 9% maior, enquanto no Rio Grande do Sul a arrecadação caiu 11%. Tivemos essa perda, principalmente, por uma redução forçada de impostos, em decisão tomada a nível federal, impactando os entes subnacionais. Não é um dinheiro do governador ou do governo, mas da educação e da saúde, que co-financia programas federais. A tabela do Sistema Único de Saúde (SUS) não é reajustada há mais de 15 — talvez 20 anos. Recursos para a merenda escolar também vinham sem reajustes ao longo dos últimos anos. O programa Minha Casa, Minha Vida ou Casa Verde e Amarela, chame como quiser, é insuficiente para pagar todo o custo da construção das habitações. Os estados complementam recursos. Temos subfinanciamento nos programas federais de um lado e, do outro, estados perdendo arrecadação. É claro que isso compromete a capacidade de entregar os resultados à população. Frisamos o quão importante é termos a recomposição dessas receitas.

Poderia citar um acerto e um erro dos primeiros 30 dias do governo Lula?

É difícil fazer essa classificação. O erro é não ter, ainda, essa clareza de agenda econômica, o que gera certa insegurança, uma incerteza. Há uma preocupação. Lá atrás, o Partido dos Trabalhadores protagonizou, especialmente no final do segundo mandato de Lula e no mandato de Dilma (Rousseff), uma política econômica que gerou desequilíbrio fiscal profundo ao país. O deficit nas contas chegou a mais de R$ 150 bilhões no governo Dilma por gastos desenfreados e pouco compromisso com equilíbrio fiscal, gerando descrédito ao país. No momento em que o mundo crescia fortemente, o Brasil amargou a pior recessão de sua história. O governo do PT, com o presidente Lula, começa sob essa preocupação. Afinal: qual será a política econômica e a política fiscal deste governo? Quanto mais demora a apresentar respostas, mais gera incerteza e insegurança. Relações de negócios precisam envolver confiança. Qualquer empreendedor colocará seus recursos onde tiver segurança e confiança de cumprimento de contratos, das regras das atividades econômicas, gerando resultados a quem está investindo. Essa incerteza é ruim para o país, mas a gente dá, ainda, o benefício do tempo para que o governo encontre seu rumo e apresente seus caminhos.

E o acerto?

O acerto é a abertura ao diálogo. No governo passado, do presidente Bolsonaro, não houve uma reunião como a que houve na sexta-feira (27 de janeiro), entre governadores e o governo federal. Pelo contrário: não só não houve reunião, como o comportamento do ex-presidente era sempre belicoso, de ataque aos entes subnacionais e aos governadores, terceirizando, sempre, as responsabilidades os problemas do país. Tudo o que acontecia de ruim no Brasil era culpa de outra pessoa que não o próprio presidente. Em geral, a culpa era dos governadores, do Supremo Tribunal Federal e da imprensa, sempre atacando. Isso criava um clima muito ruim para o país. A abertura ao diálogo, trazer de volta à arena política as discussões, é um acerto. Espero, seja, a prática que possamos observar ao longo do mandato do presidente Lula, com quem não tenho convergências — especialmente na área econômica — mas por quem tenho respeito, especialmente pela legitimidade do voto popular, que o colocou para um terceiro mandato. Então, vamos buscar trabalhar conjuntamente, a serviço dos interesses dos brasileiros que vivem no Rio Grande do Sul.

O PSDB sofreu perdas na última eleição — não conseguiu manter o governo de São Paulo e viu a bancada federal diminuir. Mas conquistou governos importantes, como o de Pernambuco, e manteve o Palácio do Piratini. Como o senhor encara o desafio de assumir o partido e para onde vai o PSDB agora?

As eleições recentes foram de uma polarização intensa, que estreitou o caminho para o centro democrático, que persistiu e resistiu — e o PSDB resiste dentro desse cenário de polarização. Passado o processo eleitoral, com a bancada formada e os governos estaduais que temos, o que precisamos fazer é trabalhar para, dentro da configuração que tomou a política nacional, nos apresentarmos com força e vigor para sensibilizar e mobilizar parcelas e grupos da sociedade em torno da nossa agenda. E, para conseguir fazer isso, temos de ter essa agenda apresentada com clareza — inclusive, para nós mesmos.

Dentro do próprio partido é preciso que haja uma discussão que permita, a todos os membros do PSDB, entender a agenda que nos une. Isso ficou mal trabalhado ao longo de anos recentes diante da polarização. Talvez pelo partido ter antagonizado com o PT durante muito tempo, no momento em que o espaço de antagonismo ao PT passou a ser exercido por outra força política, notadamente pelo bolsonarismo, talvez alguns tucanos tenham ficado confusos diante desse cenário político alterado em relação ao que, historicamente, havia — e tenham se aproximado do Bolsonaro por conta do antagonismo ao PT que era exercido pelo PSDB.

Pode explicar melhor?

É importante fazermos essa discussão internamente, porque não considero que ser antagonista ao PT possa significar, de alguma forma, se aproximar do bolsonarismo e de suas características, pois somos, também, muito diferentes. Temos divergências programáticas e ideológicas com o PT, mas temos uma diferença profunda na forma como faz política o bolsonarismo — e em muitas das pautas que defende o bolsonarismo, especialmente nas que desrespeitam parcelas da sociedade e grupos importantes da coletividade. Não respeitam a diversidade e os temas ambientais, que são importantes para nós, por exemplo. O partido vai precisar promover essa discussão para dentro, para que haja uma clara compreensão, por todos os membros, sobre quais são as agendas que nos unem. Não significa que a gente tenha de concordar em absolutamente tudo — isso não temos nem dentro da família da gente; não vai ser dentro de um partido político que teremos convergência absoluta. Mas a espinha dorsal do que o PSDB defende precisa ficar clara para todos. A estratégia de comunicação dessa agenda que o partido tem precisa ser trabalhada de forma estratégica junto àqueles da sociedade que mais queremos mobilizar em torno da nossa agenda, para chegarmos com força nos próximos processos eleitorais, apresentando caminho de sensatez, equilíbrio, bom-senso e moderação, mas com firmeza de convicção em torno das agendas que queremos defender e ver prosperar no debate político para o Brasil.

O senhor disse que o PSDB tem diferenças tanto com o PT quanto com o bolsonarismo. Na atual conjuntura, é possível dizer com qual dos campos o partido tem mais diferenças?

Somos diferentes dos dois. Não preciso ser medido na régua estreita que, na verdade, até os aproxima em algumas questões. O PSDB olha para as questões sociais com preocupação. Em nossa visão, é papel, sim, do governo em um país com profundo abismo social, ser promotor da igualdade. E, consequentemente, exercer, de forma firme, o combate às desigualdades. Isso significa colocar o governo não apenas para dar igualdade de oportunidades à população com a educação, que precisa ser promotora da inclusão no mercado de trabalho, da capacidade crítica e da cidadania. Precisa ser o governo, também, um reparador das desigualdades. Isso significa ter políticas de transferência de renda, de assistência social e programas de habitação. Um olhar para as pessoas que já ficaram para trás e precisam ter a mão do governo estendida para trazê-las, com dignidade, ao exercício da cidadania plena. Olhamos para isso com atenção. Do outro lado, não podemos ter o desequilíbrio das contas. Precisamos ter combate firme e efetivo à criminalidade. Não tem de fazer uma opção entre ter um governo enxuto e que combata com força a criminalidade ou ter um governo sensível socialmente e que se abra à diversidade. Entendemos que, neste imenso país que temos, é importante trilhar esses caminhos conjuntamente. Precisamos combater a desigualdade e precisamos respeitar equilíbrio fiscal, modernizar a máquina pública com privatizações e reformas estruturantes, para que o governo seja capaz, justamente, de sustentar as políticas públicas de inclusão, que custam dinheiro e são impactantes no orçamento — e que precisam de orçamento adequado e equilibrado para serem sustentáveis no tempo.

 

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