O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PL-AL), deve ser reeleito nesta quarta-feira (1/2) para mais dois anos no comando da Casa com amplo apoio de partidos que incluem desde a base do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) até a sigla do ex-presidente Jair Bolsonaro, o PL.
Inicialmente, o único candidato de oposição seria o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), que não conseguiu reunir apoios expressivos. Na véspera da eleição, também foi anunciada a candidatura do deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS).
É comum que os presidentes da Câmara e do Senado consigam se reeleger, o que é permitido por apenas mais um mandato de dois anos. A novidade no caso de Lira é a expectativa de uma vitória expressiva.
"A votação dele vai ser superior a 400 votos (dos 513 deputados), então vai ser uma votação acachapante", afirma o analista político Antônio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), que acompanha de perto os bastidores do Congresso.
Já no Senado, o atual presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) também caminha para conquistar um segundo mandato com apoio do atual governo, mas sem uma vantagem tão grande. O senador Rogério Marinho (PL-RN), ex-ministro de Bolsonaro, lançou sua candidatura com o apoio de aliados do ex-presidente na Casa, mas não parece ter força para evitar a vitória de Pacheco.
Lira chegou à presidência da Câmara em fevereiro de 2021 numa aliança com Bolsonaro que blindou o ex-presidente de dezenas de pedidos de impeachment. Em compensação, obteve grandes poderes ao administrar uma fatia importante do chamado Orçamento Secreto, como ficou conhecida a distribuição de emendas parlamentares com pouca transparência.
Dessa forma, Lira construiu uma grande aliança com deputados ao decidir quais valores do orçamento da União seriam disponibilizados para cada parlamentar gastar com obras e serviços públicos em seus redutos eleitorais.
O Orçamento Secreto acabou após decisão do Supremo Tribunal Federal, mas a gratidão dos deputados que conseguiram se reeleger beneficiados por esses recursos se mantém, analisa Queiroz.
Na sua visão, esse é um fator que explica o amplo apoio que Lira mantém na antiga base de Bolsonaro.
Por outro lado, nota o analista do Diap, o novo governo precisou rapidamente compor com o presidente da Câmara para garantir a aprovação ainda em dezembro da chamada PEC de Transição, uma emenda constitucional que liberou despesas acima do teto, possibilitando um valor mais alto para o benefício do programa Bolsa Família neste ano, além de mais investimentos em obras e outros programas sociais.
Com isso, já em novembro, Lula decidiu apoiar a reeleição de Lira.
"Houve toda uma circunstância que o favoreceu: o fato de ele ter administrado o Orçamento Secreto e do governo novo ter dependido dele (na PEC da Transição). Lula sabia que se apoiasse outro candidato contra ele, corria risco, era melhor compor", acrescenta Queiroz.
Pesou na decisão de Lula o trauma petista com a péssima relação do governo Dilma Rousseff com o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, crise que culminou no impeachment da presidente em 2016.
Na ocasião, o Palácio do Planalto apoiou o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) para disputar com o peemedebista, que acabou vencendo e assumindo uma postura de dura oposição ao governo.
Dessa vez, diante da certeza de que Lira iria se reeleger independentemente da vontade do seu governo, Lula e o PT resolveram que o melhor era construir logo uma boa relação com o presidente da Câmara.
"Precisamos governar agora. Não adianta a gente lançar um candidato contra um que já ganhou por uma marcação de posição", reconheceu à BBC News Brasil o deputado Carlos Zarattini (PT-SP) em novembro.
Para o deputado federal Fábio Trad (PSD-MS), além do desejo de Lula de evitar repetir a relação ruim de Dilma com o comando da Câmara, contribui para a aproximação de Lira com o governo sua ampla capacidade de diálogo.
"Ele conseguiu, ao longo da primeira gestão dele, mostrar que não faz distinção entre os deputados de vários partidos. Sempre procurou manter um canal muito estreito com lideranças da esquerda, até mesmo prevendo a possibilidade da vitória do Lula, que se confirmou", disse à reportagem.
Aliança busca 'pacificação nacional', diz petista
A deputada Maria do Rosário (PT-RS) disse à BBC News Brasil que três fatores contribuíram para selar a boa relação de Lula com Lira.
Primeiro, o fato de ele ter sido a primeira autoridade federal a reconhecer a vitória de Lula, logo após o anúncio do resultado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), reduzindo o espaço para contestações do resultado, como vinha sendo fomentado pelo discurso bolsonarista infundado de desconfiança em relação à urna eletrônica.
Em segundo, o fato de Lira ter cooperado para a aprovação da PEC da Transição. E o terceiro fator foi sua reação considerada firme aos ataques antidemocráticos de 8 de janeiro, quando apoiadores de Bolsonaro inconformados com a eleição de Lula invadiram e depredaram as sedes dos três Poderes.
"Do nosso ponto de vista, a eleição terminou e é muito importante entrarmos em um período de pacificação do Brasil, Isso não significa esquecer aquilo que de ruim foi feito no período anterior, muito menos a data do 8 de janeiro, onde os Poderes foram atacados e destruídos", disse a deputada.
"Mas hoje o apoio ao Lira está sintetizado em um programa em defesa das instituições e da democracia. Então, justamente para isolar os setores mais radicalizados e extremistas que atacaram o Parlamento, o Supremo Tribunal Federal e a Presidência da República, nós decidimos agora compor uma chapa comum com o presidente Lira", continuou.
Já o deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP), de oposição ao governo, acredita que a aliança tem interesses mais pragmáticos. Na sua visão, Lira sairá da reeleição fortalecido para cobrar mais cargos e verbas do governo federal para seus aliados.
Para ele, a força de Lira para a reeleição vem justamente de já dominar essas negociações no comando da Casa.
"O presidente da Câmara já tem a caneta na mão e tem melhor interlocução com o governo para conseguir mais cargos e verba", disse à reportagem.
Cargos em disputa
A disputa pelo comando da Câmara inclui também a negociação por outros cargos, como a composição da mesa diretora - que cuida dos trabalhos legislativos e administrativos da Casa - e a presidência das comissões, sendo a mais importante delas o comando da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJ), órgão que analisa se as propostas em tramitação na Casa estão de acordo com os princípios constitucionais.
As negociações ainda estão em curso, mas há expectativa de que a chapa de Lira tenha o deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP) como candidato à primeira vice-presidência, cargo que já ocupou, enquanto a segunda vice-presidência, cargo menos relevante, tende a ficar com o PL.
O deputado Luciano Bivar, presidente do União Brasil, deve ser o candidato a primeiro secretário da mesa diretora, cargo que ocupa no momento. Já a petista Maria do Rosário deve ocupar a 2ª Secretaria da Mesa Diretora, com a eleição da chapa.
Para Queiroz, o favoritismo de Lira está também em sua habilidade de negociar esses cargos com diferentes forças políticas, além de ser reconhecido como uma pessoa de palavra, que cumpre acordos.
O presidente da Câmara tenta, por exemplo, conciliar a demanda de diversos partidos pelo comando da CCJ. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, Lira propôs que a presidência dessa comissão seja revezada pelos partidos com maiores bancadas na Casa, de modo que cada uma ficaria com a função por um ano durante o governo Lula.
Os partidos que elegeram o maior número de deputados são PL (99) e PT (68). Depois vêm União Brasil (59), PP (47) e MDB (42).
No entanto, os partidos costumam formar blocos partidários e os maiores blocos ganham preferência na definição dos cargos da Câmara. Essa negociação costuma avançar até pouco antes da eleição. O prazo para registro dos blocos se encerra 13h e a votação para o comando da Casa está marcada para 16h30 desta quarta-feira.
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