Às vésperas da eleição para o Tribunal de Contas da União (TCU), os indígenas que convivem com a situação de crise humanitária dos ianomâmis, em Roraima, têm denunciado a indicação do deputado federal Jhonatan de Jesus (Republicanos-RR), apadrinhado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), para o órgão. A preocupação dos indígenas é de que um nome envolvido na calamidade pública que se formou em torno do povo ianomâmi se vincule ao TCU, responsável por diversas investigações sobre a situação sanitária na Terra Indígena. Há uma pressão para que seja feita uma investigação antes da nomeação.
“Acho importante destacar esse fato, porque quando chegar ao TCU não tem volta. Não posso afirmar a relação [de Jonathan com os problemas de garimpo e desvio da saúde], mas é preocupante que não tenha uma investigação clara. Não se pode colocar uma pessoa que está dentro do cargo para investigar [questões que são de seu interesse]. Não é novidade que todos os deputados de Roraima são contra a questão indígena. Sou favorável que tenha uma investigação para ver se há ligação direta”, defende Ariene Susui, jornalista e jovem ativista do povo indígena Wapichana.
De acordo com a indígena, há um acompanhamento dos povos que habitam o estado sobre as decisões tomadas em relação às questões de saúde indígenas. No monitoramento, segundo Susui, os três últimos gestores do Distrito de Saúde Especial Indígena Yanomami (DSEI-Y) foram indicações da família de Jesus, que eram vinculadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Em 2019, assumiu o major do Exército Francisco Dias, a indicação foi direta do senador, líder do Republicanos, Mecias de Jesus (RR), pai de Jhonatan. Um ano depois a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) o exonerou com a justificativa de que “primava pela boa gestão e pelo diálogo permanente com o Controle Social da Saúde Indígena”.
Rômulo Pinheiro foi a indicação de Jhonatan logo depois e iniciou sua gestão em 2020. O ex-coordenador acumulou denúncias de desassistência dentro da Terra Indígena (TI), e é investigado pelo MPF. Na troca de gestores, outra indicação do senador, o ex-vereador do município de Mucajaí (RR) e filiado ao Republicanos, Ramsés Almeida, trabalhou até novembro de 2022. Foi denunciado por servidores por desvio de vacinas, que seriam para indígenas, em troca de ouro. Foi alvo de 10 mandados de busca e apreensão cumpridos pelo MPF e pela Polícia Federal (PF).
Em todas as nomeações — com mais intensidade na de Rômulo — os indígenas fizeram mobilizações com o pedido para que a troca de nomes fosse por alguma representação indígena, mas não foram escutados.
“Sempre fazia mobilização para a ocupação dos cargos, nunca teve uma resposta. A questão da saúde, especificamente, não teve um retorno porque sabíamos que estava na mão desses políticos. Os dois DSEI Leste e Yanomami foram sempre palco de acordos, de moedas de troca e um desses acordos foram as indicações políticas de pai e filho [Jhonatan e Mecias de Jesus]. A gente vê a questão dos votos sempre serem contrários aos indígenas e favoráveis ao garimpo. Não se declaram contra nitidamente, mas fazem isso sempre nesse processo dos bastidores”, relatou Susui.
A reportagem entrou em contato com a assessoria do deputado Jhonatan, mas a asssessoria respondeu que hoje seria "difícil por causa da posse" dos parlamentares no Congresso.
Esquema de desvio de recursos
A informação de que há nomes políticos, vinculados ao Congresso Nacional foi confirmada pelo Ministério Público Federal de Roraima (MPFRR), na Operação Yoasi, que começou a desmontar um esquema de desvio de recursos públicos federais ao DSEI-Y. A primeira etapa foi realizada em novembro do ano passado, mas ela segue em curso. Segundo o procurador Alisson Marugal, ainda haverá mais fases para descobrir os outros nomes envolvidos.
“A nomeação é feita por um político. Eu não quero aqui citar nomes, porque isso faz parte da investigação, mas, de fato, havia políticos que nomeavam esses coordenadores de saúde e que loteavam esses órgãos de saúde em cargos-chave, justamente para conseguir licitações e também a execução desses contratos milionários”, explicou Marugal em coletiva on-line a jornalistas.
De acordo com a autoridade, em três anos o DSEI-Y recebeu mais de R$ 200 milhões, o que representa uma excelente moeda de troca política para a região. “É importante que a gente entenda que isso tem origem em Brasília. Nós temos uma lista de apoio político no Governo Federal em relação ao Congresso Nacional. E a moeda de troca que se utiliza, isso ficou claro para mim na investigação, é justamente essa nomeação desses órgãos de saúde por indicação de políticos […] Roraima tem três senadores, deputados federais, então acaba que há essa troca política por parte do Governo Federal com o Congresso Nacional”, vinculou a autoridade.
Mineração
O senador Mecias de Jesus também é autor de um projeto de lei (PL) que defende a liberação do garimpo em terras indígenas. A iniciativa sugeria a autorização “de pesquisa e concessão de lavra garimpeira a terceiros em terras indígenas”. O garimpo seria feito em “zonas de garimpagem” estabelecidas pela Agência Nacional de Mineração.
Além disso, o texto mostra que o parlamentar já tinha conhecimento da situação dos Iânomami no documento assinado eletronicamente em 23 de maio de 2022. No texto, Mecias comenta sobre a crise do povo e cita a desnutrição dos indígenas na região. Mecias justifica que os indígenas também participavam do garimpo e tratou a prática como “natural”.
“Merece destaque o relatório da HAY (Hutukara Associação Yanomami) que descreve relatos de indígenas que deixaram de cultivar os próprios alimentos e passaram a trabalhar como carregadores para os garimpeiros em busca de dinheiro ou ouro, para comprar comida nas cantinas dos acampamentos de garimpo. A realidade do indígena não é essa mostrada nas telas de cinema, muitos passam fome e a desnutrição já é uma triste realidade. Cito como exemplo os ianomâmis. Não há como ignorar fatos. É preciso pensar uma política diferenciada para a região norte onde o garimpo que acontece em terras indígenas faz parte da realidade e da cultura da região e, muitas vezes, conta com a participação de indígenas”, diz trecho do PL. A reportagem tentou contato com o senador e a sua assessoria, mas não obteve retorno.
Vista grossa
Embora seja uma das bandeiras do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o PT não deve fazer esforço para barrar a nomeação de Jhonatan, pelo contrário. Segundo interlocutores, integrantes do partido se veem com as mãos atadas por conta da bênção de Arthur Lira ao deputado do Republicanos. A tendência, é inclusive de apoio da maior parte da bancada petista, para não prejudicar o bom entendimento com Lira no começo da legislatura.
Como Lira está com o caminho aberto para vencer a eleição à presidência da Câmara, ele fez franca campanha em prol de Jhonatan de Jesus. Segundo aliados do deputado roraimense, ele possui de 290 a 315 votos. O mínimo necessário para garantir a vaga no tribunal são 257 votos.
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