O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu ontem, em carta à Unesco, a regulamentação das redes sociais para o combate à desinformação e para a proteção da democracia. O documento foi lido na conferência Internet for Trust, em Paris, que reúne representantes de vários países para discutir a criação de regras voltadas às plataformas digitais. É a primeira vez que a Unesco, braço da Organização das Nações Unidas (ONU) voltado à ciência e à educação, discute o tema em conferência.
Lula foi convidado a participar do evento pela diretora-geral da Unesco, Audrey Azoulay, mas não pôde comparecer. A comitiva brasileira contou com representantes do Executivo, como o secretário de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social (Secom), João Caldeira Brant; o procurador-geral da União, Marcelo Eugenio Feitosa Almeida; e a assessora especial do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Estela Aranha. Também estavam presentes o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), e o influenciador Felipe Neto.
Em sua carta, Lula defende que as plataformas digitais trouxeram benefícios sociais e econômicos para o mundo. "Esses benefícios, no entanto, estão distribuídos de maneira desproporcional entre as pessoas de diferentes níveis de renda, ampliando a desigualdade social", enfatiza. "O ambiente digital acarretou a concentração de mercado e de poder nas mãos de poucas empresas e países. Trouxe, também, riscos à democracia, riscos à convivência civilizada entre as pessoas, riscos à saúde pública", acrescentou.
O chefe do Executivo cita como exemplos a desinformação espalhada em torno da pandemia da covid-19, e os atos terroristas de 8 de janeiro em Brasília, motivados pelos ataques ao sistema eleitoral. "Ao fim do dia, a democracia brasileira venceu e saiu ainda mais forte. Mas nunca deixaremos de nos indignar com as cenas de barbárie daquele domingo", assinala o petista.
Ele argumenta que as normas para as redes sociais devem defender o direito individual à liberdade de expressão, mas também o direito coletivo a informações verdadeiras. Critica o fato de as empresas terem tanto controle sobre o que pode ou não ser veiculado.
"Não podemos permitir que a integridade de nossas democracias seja afetada pelas decisões de alguns poucos atores que hoje controlam as plataformas", frisa o presidente. "(A regulamentação) Deverá corrigir as distorções de um modelo de negócios que gera lucros explorando os dados pessoais dos usuários."
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"Consenso global"
A regulamentação das redes é uma das propostas defendidas pelo governo e está presente em projetos como o "Pacote da democracia", criado pelo Ministério da Justiça, e o Projeto de Lei (PL) das Fake News, que tramita na Câmara.
A conferência da Unesco é a primeira a tratar da desinformação e regulamentação para as plataformas. Está sendo realizada após pedido do secretário-geral da ONU, António Guterres, por medidas para combater a desinformação. Na avaliação de Audrey Azoulay, esse é um dos problemas "mais complexos e desafiadores do nosso tempo".
A carta de Lula foi lida pelo secretário João Brant na abertura da conferência. "Estamos enxergando os efeitos da desinformação, do discurso de ódio, dos ataques à democracia na sociedade brasileira", declarou. "A intenção do governo brasileiro é fazer esse debate costurando ações no Brasil, mas também essa articulação global. É um problema que o mundo todo sofre", afirmou.
O ministro Luís Roberto Barroso ressaltou, depois do encontro, que os países estão alinhados sobre o tema. "Acho que vai se formando um consenso global de que é preciso regulamentar as mídias. Quando surgiu a internet, havia uma certa ideia de que ela deveria ser aberta, livre, e não regulada. Uma visão um pouco libertária que, infelizmente, com o tempo, não confirmou sua possibilidade", disse, em entrevista à CNN.
Por sua vez, o influenciador Felipe Neto discursou no evento sobre sua atuação durante a campanha eleitoral. Ele usou as redes para combater a desinformação, especialmente em relação às urnas eletrônicas, e para apoiar a candidatura de Lula. "Toda vez que eu via uma mentira, usava as mesmas palavras-chave para ser recomendado entre os extremistas. Então, quando as pessoas assistissem aos vídeos dos extremistas, eu seria recomendado. Usei o mesmo público-alvo para tentar burlar esse sistema", explicou o youtuber, que tem cerca de 45 milhões de seguidores em sua conta no canal.
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