Pauta prioritária do governo e temática consensual entre o setor produtivo, a reforma tributária tem sido tratada com bastante otimismo pela equipe econômica, que considera a discussão amadurecida, mas as perspectivas podem ser mais complicadas do que parecem.
Em evento do grupo RenovaBR em Brasília, o secretário extraordinário do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, estimou aprovar a reformulação do sistema tributário brasileiro no Congresso Nacional em até seis meses.
Parlamentares e analistas veem com ceticismo o prazo estabelecido para a discussão, que está travada há quase 20 anos. O intervalo de tempo é considerado exíguo para um assunto tão complexo, tendo em vista que, desde 2004, pelo menos seis propostas de emenda à Constituição (PECs) e um projeto de lei estiveram na pauta do Congresso, sem avançar o suficiente.
Na última semana, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tomou o primeiro passo e formalizou a criação de grupo de trabalho que vai discutir a reforma, mas a análise deve começar na semana que vem.
Além disso, ainda não há clareza sobre qual será o texto nem o seu impacto. As duas propostas em discussão são a PEC 45 e a PEC 110. Segundo declarações recentes do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o texto deve se basear em ambas as propostas, às quais o governo poderá acrescentar ou retirar pontos.
Coordenado pelo deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), e com o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) como relator, o grupo de 12 integrantes discutirá a PEC 45, de 2019, que já está em tramitação na Casa, e terá 90 dias para concluir os trabalhos, prorrogáveis por igual período.
Uma data de votação só será definida a partir de um acordo que possibilite sua aprovação e, após a análise dos deputados, ainda será necessária a aprovação do Senado.
O debate da reforma vai começar pelos impostos sobre consumo. A proposta é unificar entre cinco e nove tributos e criar o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que funcionaria nos moldes do Imposto Sobre Valor Agregado (IVA), já existente em outros países e que não incide em cascata em cada passo da produção do item. Há, ainda, a previsão de um imposto seletivo, que é a taxação específica para determinados setores, o de cigarros e bebidas alcoólicas, por exemplo.
A expectativa é de que o texto passe pela Câmara ainda neste primeiro semestre. Mesmo confiante, o relator do grupo reconheceu que, mais do que prazos formais, o que definirá a data de votação será o nível de consenso entre parlamentares, setor produtivo e representantes dos entes federativos. "Quem determina prazo é a quantidade de votos para aprovar a matéria", reiterou Ribeiro.
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Utopia
Para Bianca Xavier, especialista em direito tributário e professora da Fundação Getulio Vargas (FGV), o otimismo do governo não corresponde à realidade. "Em uma visão com base empírica e conhecendo como funciona a tramitação, não acho possível e crível que essa aprovação aconteça no primeiro semestre", destacou a especialista.
Ela definiu as expectativas do governo como "utópicas". "A reforma está sendo discutida há tantos anos e não andou até agora por uma questão política. Os pilares são maravilhosos, todo mundo acha que tem de melhorar o ambiente de negócios, mas não há uma viabilidade, a curto prazo, de se alinhar expectativas", afirmou.
Por mais que haja consenso de aprovação, Bianca Xavier acredita que o caminho não será tão fácil. "A gente não tem um governo com maioria na legislatura que nos permita falar com otimismo que vai ser aprovado, há uma grande polarização em termos políticos, acordos precisarão ser feitos. Além disso, temos como obstáculo a repartição de receita tributária", acrescentou.
Um dos entraves previstos por analistas é a disputa entre estados, municípios e União por um aumento de arrecadação. Em um momento em que os entes federativos passam por uma situação delicada em função das perdas com a desoneração do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), a disputa por receitas pode se tornar um problema.
"O principal entrave é o federativo. Já havia previsto isso no ano passado, quando o então ministro Paulo Guedes (da Economia) dizia que os estados estavam em uma situação muito boa e que não precisavam de ajuda na arrecadação. Mas, na verdade, as medidas da lei complementar 194 dos combustíveis prejudicaram muito a situação dos estados", ressaltou o economista-chefe da Warren Rena, Felipe Salto, em entrevista ao Correio.
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Divergência
Ambas as propostas simplificam diversos tributos que hoje incidem sobre o consumo. A divergência está no número de impostos unificados e na forma como será feita a fusão. Bernard Appy, informou que a alíquota estimada para o IVA, que substituiria outros três impostos, unificando a tributação sobre o consumo, teria carga de 25%, sendo 9% para o governo federal, 14% para os estados e 2% para os municípios. Apesar da concordância entre políticos e empresários a respeito da necessidade de um imposto unificado, nenhum ente da federação quer ficar com uma fatia menor dos tributos.
Outra batalha será entre os setores de produção, que temem um aumento da carga tributária e defendem a adoção de alíquotas diferenciadas.
André Jakurski, gestor do fundo JGP e um dos fundadores do banco Pactual, considera que o governo pode estar errando em tratar a reforma tributária como prioridade quando, na sua visão, o novo arcabouço fiscal deveria ser o foco. "A reforma tributária não vai ter efeito fiscal, e não porque está se dando prioridade a isso. O medo é que a meta fiscal tenha válvula de escape e não tenha regra de crescimento de despesa. O governo deveria atacar primeiro esse problema e definir uma nova regra fiscal, deixando a PEC 110/45 para o ano que vem", avaliou.
Espera-se que a nova regra fiscal como forma de substituir o teto de gastos ajude também no início de um ciclo de afrouxamento monetário e redução dos juros, que seria bom para a economia, de acordo com o gestor.
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