Depois dos atos terroristas de 8 de janeiro, a sociedade brasileira não apenas reforçou seu apreço pela democracia, mas mostrou que não concorda com o golpismo e a destruição promovida pelos bolsonaristas. A avaliação é do desembargador federal Antonio Souza Prudente, também diretor da Escola Superior da Magistratura Federal. Em entrevista ao CB.Poder — uma iniciativa do Correio Braziliense e da TV Brasília —, ele observou que a maturidade do brasileiro mostra às franjas radicais do bolsonarismo que o princípio do Estado de Direito não está encapsulado nas sedes dos Três Poderes, mas está dentro de boa parte dos cidadãos. O magistrado ainda elogiou a postura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de ter ido pessoalmente às terras ianomâmis para constatar a violência cometida contra a etnia. A seguir, os principais pontos da entrevista.
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Nessa crise que a gente viveu nesse começo de ano, o Judiciário está dando uma resposta à altura em defesa da democracia?
Sim, porque essa resposta do Judiciário não depende só dele. Um exemplo: a grave questão dos ianomâmis, que teve por parte do STF (Supremo Tribunal Federal) um exaustivo trabalho para definir a demarcação das terras indígenas. Foram abandonados por um governo, que deu as costas a esse povo, que precisava de assistência.
A decisão do presidente Lula de ir à terra ianomâmi foi importante?
Sem dúvida. Ele não só assume as altas responsabilidades governamentais, mas é um presidente humano, que sente a dor e a tragédia dessas pessoas chamadas descapacitadas, que precisam da proteção do Estado de forma célere e imediata. Não é como aconteceu no passado, quando houve a tragédia de Mariana e a então presidenta (Dilma Rousseff) sobrevoou a área. Não é para sobrevoar, tem que realmente ir lá e verificar o que está acontecendo. Lula tem essa sensibilidade.
Sobre o 8 de janeiro. Foi uma dor para o senhor ver a destruição?
Esse episódio agrediu a cada cidadão brasileiro que tem consciência de que amamos a paz, base fundamental de um Estado Democrático como a Constituição determina. Foi chocante. Como membro titular do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TRE-DF), já havia feito alguns pronunciamentos no sentido de que seria inconcebível a manutenção daqueles acampamentos ao redor do QG do Exército. Como disse o ministro Flávio Dino, aquilo, realmente, era uma incubadora de revoltosos inconformados, portadores daquilo que considero uma doença mental, chamada bolsonarismo, no qual os valores fundamentais do Estado de Direito são desprezados. Essa invasão não tem nenhuma justificativa, até porque a destruição de obras de arte, dos edifícios e dos Poderes da República jamais vai atingir a alma do povo e de todos os que prezam pela democracia. A democracia não está ali no prédio, está no coração de cada um de nós.
Esse episódio uniu ainda mais aqueles que defendem a democracia, não?
Exatamente. Mas quero parabenizar a todos nós, brasileiros. Temos que parabenizar o belíssimo trabalho do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes. Um constitucionalista, cônsul das suas atividades. As medidas que tem adotado realmente se constituem no baluarte desse Estado Democrático de Direito.
O senhor acha que a postura do ministro tem sido importante para resolver a questão?
Uma das virtudes do juiz é a coragem e isso não se aprende nos livros. Isso se aprende no dia a dia, no exercício da jurisdição. O juiz tem que ter essa postura do ministro Alexandre de não só pronunciar a sua decisão, mas se engajar no cumprimento da decisão. Isso se chama no direito de eficácia plena das decisões judiciais. Temos Três Poderes da República e esse poder vem de onde? Do povo, diz a Constituição. As eleições do Brasil não deixaram nenhuma marca — limpas, que não deixam a mínima margem para qualquer censura. Tanto que vários candidatos do governo anterior foram eleitos por essas urnas. É preciso que nós, magistrados, nos unamos nessa luta pela democracia e não deixar margem para que essa virose mental e psíquica, que se chama bolsonarismo, possa tomar conta do país.
Não tem sido fácil ser ministro do STF. Eles têm sido atacados constantemente.
Por isso que eu acho que, realmente, a coisa é doentia. Porque não se justifica não aceitar este resultado democrático das urnas, atacar os membros do Judiciário sem nenhum fundamento. Falar em quatro linhas (da Constituição)? Isso não existe.
Pouco antes da eleição, o então vice-presidente do TRE-DF, desembargador Sebastião Coelho, se manifestou defendendo o então Presidente Bolsonaro. O senhor se sentiu incomodado?
Extremamente. Um tribunal como o nosso tem juízes independentes, mas respeita o posicionamento das Cortes superiores. Posso não concordar com uma decisão judicial, mas isso não justifica uma postura de incitamento ao crime, mormente na função do colega, que era corregedor da justiça do TRE-DF. Totalmente reprovável essa postura. Acredito que somente a decisão do ministro Alexandre de cobrar as responsabilidades de quem pretenda agredir os poderes públicos e o Estado Democrático de Direito é que faz com que este nosso colega se aposentasse.
*Estagiário sob a supervisão de Fabio Grecchi
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