Encontros entre dois presidentes de grandes países costumam ser construções diplomáticas de semanas, meses. Com apenas 40 dias de governo, porém, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se encontrará com sua contraparte americana, Joe Biden, em uma reunião com clima de correria entre os integrantes dos dois governos.
O aperto de mãos desta sexta era esperado desde a vitória eleitoral de Lula, no fim de outubro. Os EUA viam no gesto um endosso importante a um líder democrático que enfrentava domesticamente pressões semelhantes às enfrentadas por Biden, empossado em 2021 após o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro e acusado de ser ilegítimo pelo seu antecessor, Donald Trump.
O Conselheiro de Segurança Nacional de Biden, Jake Sullivan, chegou a vir ao Brasil em dezembro para trazer o convite para a visita na Casa Branca, mas as circunstâncias da transição e o interesse de Lula de ir ao Egito para participar da Cúpula do Clima das Nações Unidas inviabilizaram a ida a Washington.
A visita, agora, tanto pela correria quanto pela falta de anúncios formais de acordos e cooperação bilateral, mantém ainda um ar de encontro pré-posse.
A única novidade, segundo fontes dos dois lados ouvidas pela BBC News Brasil, pode vir de um gesto unilateral dos americanos. Nesta quinta, o governo Biden acenou com a possibilidade de fazer aporte para o Fundo Amazônia - até hoje composto por recursos de Noruega e Alemanha e reativado por Lula nos primeiros dias de governo depois de ser suspenso na gestão Bolsonaro. "Não vou adiantar anúncios do presidente Biden, mas o combate às mudanças climáticas é máxima prioridade na relação", afirmou uma autoridade americana com conhecimento das negociações.
Agenda internacional 'frenética'
Na equipe de Lula, a agenda internacional do presidente tem sido chamada de "frenética" - desde a eleição ele já esteve no Egito, Argentina, Uruguai, EUA, recebeu a visita do chanceler alemão Olaf Scholz e tem viagem marcada à China no mês que vem. "O Brasil voltou. O mundo estava com saudade do Brasil", tem repetido Lula em agendas internacionais.
A ideia do presidente é não apenas angariar apoio político internacional como recolocar o Brasil em uma posição de liderança regional e global, capaz de sentar à mesa com líderes antagônicos como Biden e Xi Jinping.
Insere-se nesse contexto, a ideia de Lula de criar "um clube da paz" e tentar negociar uma saída para a Guerra na Ucrânia e um plano de liderar os outros 8 países Amazônicos, além do Brasil, em uma concertação para angariar fundos e preservar o bioma.
Do lado dos EUA, autoridades americanas dizem que o Brasil é visto como um "parceiro-chave" e que respeitam e apoiam a liderança não só regional mas mundial que Lula projeta. Autoridades americanas reconhecem que o posicionamento de Lula sobre a Guerra da Ucrânia diverge da perspectiva americana, veem com ceticismo as iniciativas de Lula de negociação para o fim da guerra mas dizem que os dois líderes concordam no mais importante: a busca pela paz.
Enquanto Biden vê a Guerra na Ucrânia como uma batalha entre as democracias ocidentais e o imperialismo russo e está disposto a doar até tanques ao país de Volodymyr Zelenski, Lula acaba de se recusar a enviar munições compradas pelo Brasil para a Ucrânia após um pedido feito pelo chanceler alemão Olaf Scholz, em visita recente a Brasília. E tem repetido o bordão de que "quando um não quer, dois não brigam", o que iguala a posição da Ucrânia, cujo território foi invadido, ao da Rússia, autora da agressão - uma interpretação recusada pelos americanos.
Conversa encurtada
Inicialmente prevista para durar até duas horas e meia e incluir almoço ou jantar, a conversa entre os dois líderes ocorrerá no meio da tarde desta sexta, 10/2, e deverá levar apenas uma hora, dividida entre uma troca mais privada entre os presidentes, seus chefes de diplomacias, o brasileiro Mauro Vieira e o americano Antony Blinken, e seus conselheiros presidenciais, Celso Amorim e Jake Sullivan, e um encontro ampliado, com os demais ministros.
Na delegação brasileira, estão os ministros Fernando Haddad (economia), Marina Silva (meio ambiente) e Anielle Franco (igualdade racial).
A primeira-dama brasileira, Rosângela Silva, a Janja, tomara um chá com a primeira-dama americana Jill Biden enquanto as autoridades brasileiras e americanas estiverem no salão oval.
Em clima de pré-campanha para a disputa presidencial de 2024, na manhã de sexta, Biden receberá governadores na Casa Branca no mesmo dia da visita do presidente brasileiro, o que achatou o tempo disponível do evento com Lula. O encontro ocorre ainda na mesma semana que o "Estado da União", o discurso anual do presidente americano ao Congresso. O evento tem enorme peso político nos EUA e dominou a atenção do Executivo por vários dias até a última quarta.
O fato de não ter havido tempo hábil para trabalhar em acordos e compromissos formais também levou o governo americano a descartar a coletiva de imprensa conjunta com Lula, no salão oval, como tradicionalmente acontece em visitas bilaterais. Até a publicação desta reportagem, a expectativa era de que, após a conversa, a equipe dos dois presidentes fizessem um comunicado conjunto no qual indicassem - por escrito - os assuntos tratados pelos líderes e as prioridades estabelecidas para a relação a partir dali.
Além disso, inicialmente o governo brasileiro cogitou uma visita de Lula ao Congresso dos EUA, palco dos ataques de trumpistas em 6 de janeiro. Como a visita ocorre numa sexta-feira e aos fins de semana os parlamentares retornam para seus Estados, a agenda acabou descartada pelo risco de ser esvaziada. Agora, o senador Bernie Sanders e uma delegação de deputados democratas deverá visitar Lula na Blair House, a casa que o governo americano reserva para visita de chefes de Estado.
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