Lisboa — As declarações, cheias de contradições, do senador Marcos do Val (Podemos-ES), que afirmou ter sido convidado pelo ex-deputado Daniel Silveira, preso desde quinta-feira (02/02), com o conhecimento de Jair Bolsonaro, para participar de um golpe de Estado ainda não são suficientes para levar o ex-presidente da República para a prisão. É o que acredita o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Eu não conheço nenhum detalhe de algum processo que esteja tramitando contra ele. O ex-presidente Bolsonaro é um cidadão brasileiro. Ele pode entrar e sair livremente do país”, afirmou o ministro durante participação no Lide Brazil Conference. Quanto à possível declaração de inelegibilidade de Bolsonaro, Lewandowski assinalou que esta é uma questão que ainda será analisada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Na avaliação do ministro, que se aposentará nos próximos meses, ao completar 75 anos, seu colega de Tribunal, Alexandre de Moraes, respondeu a todos os questionamentos sobre os planos golpistas narrados pelo senador. O objetivo de Silveira, que teria total apoio de Bolsonaro, seria gravar Moraes, usar suas falas de forma comprometedora, prendê-lo, impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e manter o ex-presidente no poder. Moraes classificou tal operação como “tabajara”, conduzida por aloprados.
“Acho que Alexandre respondeu (tudo), porque foi testemunha dos acontecimentos. Eu não estive presente, não posso responder por ele. Se o que foi relatado pelo senador é verdadeiro, e parece que é um fato muito grave, deve ser apurado e terá, se for verídico, consequências muito sérias”, enfatizou Lewandowski, que vê como “inadmissível” numa democracia tentar grampear um ministro do Supremo. Pelo que destacou Moraes, que também participou da conferência de forma remota, ele conversou rapidamente com Marcos do Val no Salão Branco do STF, mas o senador se recursou a dar depoimento formal sobre o que dizia.
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Tempos estranhos
Apesar de o Brasil viver “tempos estranhos”, agravados pelas declarações do senador, o ministro do STF disse avaliar a situação no país de forma muito positiva. “Penso que os atos terríveis, sérios, o episódio sombrio de 8 de janeiro, na verdade, unificaram o país. Depois da destruição da sede dos Três Poderes, Legislativo, Presidência da República e Supremo Tribunal Federal, o que nós vimos foi uma união dos brasileiros, uma união dos Poderes, uma união dos governadores em torno da democracia e da própria governabilidade”, enfatizou.
Ele destacou, ainda, ver com bons olhos a proposta que tramita no Congresso de regulamentação das redes sociais. “Penso que essa é uma necessidade urgente. Nós precisamos regulamentar as redes sociais, sobretudo, para que não sejam disseminadas, mensagens de ódio, de preconceito e também as fake news, que são extremamente perniciosas”, afirmou. “Mas estou convencido de que, embora seja importante que os distintos países ou Estados soberanos editem legislações nesse sentido, é preciso que haja uma regulamentação a nível internacional”, acrescentou.
Em relação ao Congresso que acabou de tomar posse, Lewandowski também disse ver com muito otimismo a maneira democrática como se desenrolaram as eleições dos presidentes do Senado quanto da Câmara dos Deputados. “Foram eleições absolutamente pacíficas. As pessoas discutiram, vários candidatos se apresentaram, mas os dois eleitos, tanto o presidente (Arthur) Lira quanto o presidente (Rodrigo) Pacheco, são muito experientes, estão preparados e têm um discurso de diálogo com os demais Poderes. Eu penso que as eleições dessas duas lideranças são mais um passo para a consolidação da nossa democracia, que foi seriamente ameaçada pelos últimos acontecimentos”, emendou.
Quanto à proposta do ex-presidente Michel Temer, que fez a abertura do seminário, de se adotar o sistema semipresidencialista no Brasil, seguindo o modelo vigente em Portugal, o ministro do Supremo divergiu. “Eu, pessoalmente, sou contra. Não quis me manifestar. Já escrevi a respeito disso. Penso que os latino-americanos, em geral, não se adaptaram ao parlamentarismo nem ao semipresidencialismo. O Brasil, em especial, rejeitou, por duas vezes, mediante plebiscito, o parlamentarismo. E penso que haveria muita dificuldade de se implantar o semipresidencialismo no lugar do Parlamento, do presidencialismo atual”, frisou.
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