As cenas de bolsonaristas invadindo as sedes dos três Poderes da República, em Brasília, no domingo (08/01) lembram de forma desconcertante o que aconteceu no Capitólio dos Estados Unidos em 6 de janeiro de 2021 — e há também conexões mais profundas entre os dois eventos.
"A coisa toda cheira mal", disse um convidado do podcast de Steve Bannon, principal estrategista do ex-presidente americano Donald Trump, um dia após o primeiro turno das eleições no Brasil em outubro do ano passado.
A corrida presidencial havia ido para o segundo turno, e o resultado final não estava nem perto de ser conhecido. Mas Bannon espalhou rumores infundados sobre fraude eleitoral, como vinha fazendo havia semanas.
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Em vários episódios do seu podcast e postagens de rede social, ele e seus convidados alimentaram as alegações de uma "eleição roubada" e forças sombrias.
Bannon promoveu ainda a hashtag #BrazilianSpring ("primavera brasileira", que seria uma referência à primavera árabe, onda de protestos contra ditaduras históricas em países no Oriente Médio e Norte da África) — e continuou a incitar a oposição mesmo depois que o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pareceu aceitar os resultados da eleição, que elegeu o petista Luiz Inácio Lula da Silva.
Bannon, ideólogo da nova direita radical populista, foi apenas um dos vários aliados importantes de Trump que adotaram a mesma estratégia usada para lançar dúvidas sobre os resultados das eleições presidenciais de 2020 nos Estados Unidos.
E, como aconteceu em Washington em 6 de janeiro de 2021, esses relatos falsos e rumores não comprovados ajudaram a exortar uma multidão que quebrou janelas e invadiu prédios do governo na tentativa de promover sua causa.
'Façam o que for necessário!'
Um dia antes da invasão do Capitólio, Bannon disse a seus ouvintes do podcast: "A coisa vai pegar fogo amanhã."
Ele foi condenado a quatro meses de prisão por se recusar a cumprir uma ordem para testemunhar perante um comitê do Congresso que investigou o ataque, mas está em liberdade enquanto aguarda recurso.
Assim como outros assessores proeminentes de Trump que espalharam rumores de fraude, Bannon não demonstrou consternação no domingo, mesmo quando surgiram imagens da destruição generalizada em Brasília.
"Lula roubou a eleição... os brasileiros sabem disso", ele escreveu repetidamente na rede social Gettr. E chamou as pessoas que invadiram os prédios de "lutadores pela liberdade".
Ali Alexander, um ativista que emergiu após a eleição de 2020 como um dos líderes do movimento pró-Trump "Stop the Steal" ("parem de roubar", em tradução livre) , insuflou a multidão, escrevendo: "Façam o que for necessário!", e alegando ter contatos no Brasil.
Os militantes apoiadores de Bolsonaro protestaram online sobre uma crise existencial e uma suposta "dominação comunista" — exatamente o mesmo tipo de retórica que conduziu os manifestantes em Washington há dois anos.
Lançar dúvidas sobre o sistema eleitoral
Uma reunião em novembro entre o ex-presidente e um dos filhos de Bolsonaro no resort de Trump na Flórida expôs os laços entre o ex-presidente e o movimento de Trump.
Durante essa viagem, Eduardo Bolsonaro também conversou com Bannon e Jason Miller, ex-assessor de Trump, de acordo com reportagens publicadas pelo jornal The Washington Post e outros meios de comunicação.
Assim como nos EUA em 2020, negacionistas eleitorais concentraram sua atenção nos mecanismos de votação. No Brasil, eles lançaram suspeitas sobre as urnas eletrônicas.
Um cartaz exibido pelos manifestantes no domingo declarava em português e inglês: "Queremos o código-fonte" — uma referência aos rumores de que as urnas eletrônicas foram de alguma forma programadas ou hackeadas para prejudicar Bolsonaro.
Várias contas brasileiras proeminentes do Twitter que espalharam rumores negacionistas sobre as eleições foram restabelecidas após Elon Musk comprar a plataforma, de acordo com uma análise feita pela BBC. As contas haviam sido banidas anteriormente.
O próprio Musk sugeriu que alguns dos próprios funcionários do Twitter no Brasil eram "fortemente tendenciosos politicamente" sem dar detalhes ou provas.
Alguns dos adversários de Trump nos EUA foram rápidos em culpar o ex-presidente e seus assessores por encorajar os distúrbios no Brasil.
Jamie Raskin, membro do Partido Democrata da Câmara dos Representantes e membro do comitê que investigou a invasão do Capitólio, chamou os manifestantes brasileiros de "fascistas que se espelharam nos desordeiros de Trump de 6 de janeiro" em um tuíte.
A BBC tentou entrar em contato com Bannon e Alexander para comentar o caso.
Com reportagem da equipe de desinformação da BBC.