Jornal Correio Braziliense

CB.PODER | FLÁVIO DINO | MINISTRO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA

'Não há base legal para essa ocupação', diz Dino sobre acampamentos nos QGs

Para o titular de uma das principais pastas da Esplanada, os manifestantes nas portas dos quartéis estarão sujeitos à lei caso o diálogo para a desocupação fracasse. Sobre o empréstimo de servidores a outros órgãos, ele avalia que é preciso regulamentação

Na posse do vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin (Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), o senhor disse que vai resolver a ocupação dos quartéis com amor. Dá para tirar essas pessoas com amor?

Estamos fazendo um processo de diálogo, sob a condução do ministro José Múcio (Defesa), para mostrar que não há nenhuma razão para este tipo de manifestação, e que não há base legal para essa ocupação inusitada e inédita. É claro que, decorrendo estes primeiros dias de governo, a nossa expectativa é de que essa persuasão funcione. Que as pessoas se convençam que têm todo direito de não gostar do governo, mas elas não têm direito de descumprir a lei em nome de não gostar do governo. Caso não haja o cumprimento da lei, o presidente da República será demandado pelo ministro.

Se as pessoas não saírem, serão processadas ou retiradas à força?

Pode haver e deve haver as duas coisas. De um lado, a coercitividade para retirar pessoas que estão ilegalmente ocupando espaço público, e, por outro, a investigação policial e eventual processo criminal. A pessoa ali está descumprindo a lei, pode receber sanções e, eventualmente, ser presa.

A gente só pode esperar alguma ação na semana que vem?

O ministro Múcio está esgotando o diálogo e concordo com ele nesse caminho. Ele vai consultar o presidente da República e, juntos, decidirão. O Ministério da Justiça estará à disposição para cumprir a orientação do presidente Lula.

Apesar dos acampamentos, o senhor acha que estamos em um período de paz?

Se você retroagir um mês, hoje nós estamos em condições bem melhores. Houve uma escalada de violência política, de ódio, que chegou até a algo inimaginável — de alguém tramar explodir uma bomba no aeroporto da capital do país. Ia matar centenas de pessoas, quiçá milhares, dependendo das repercussões que houvesse. Havia uma progressão de ódio e de engendramentos de crimes que levou a esta situação inimaginável. Ocorreu em 24 de dezembro e, antes, em 12 de dezembro, houve uma tentativa inédita na vida brasileira de invasão da sede nacional da Polícia Federal — para, de lá, arrancar uma pessoa presa por ordem judicial. Isso é terrorismo. Enfrentamos isso em dezembro. Quando olhamos para esse início de janeiro, sim, melhorou muito.

Dá para relaxar?

Jamais. Creio que é uma hora muito grave para a democracia no mundo, não só no Brasil. Há situações desafiadoras nos Estados Unidos e em outros países que têm hoje dificuldades institucionais — países vizinhos ao nosso, inclusive. Na Europa Ocidental, também. Os democratas sinceros, os verdadeiros patriotas, não podem ter uma atitude de normalização. Portanto, é difícil relaxar, mas é preciso ter serenidade, ponderação.

Como é que o senhor pretende federalizar o caso Marielle Franco?

Que é difícil, é. A pergunta a ser feita é se é necessário. Temos um crime gravíssimo, de índole política, que não foi adequadamente elucidado. Não só este, há outros tantos. Há o caso do (jornalista) Dom Phillips e do (indigenista) Bruno Pereira... Estamos diante dessa circunstância de que um importante estado federado enfrentou uma situação absolutamente hedionda de uma vereadora, no exercício do seu mandato, ser assassinada no meio da rua e é preciso uma resposta cabal. É um esforço necessário. A família (de Marielle) merece e a sociedade do Rio de Janeiro, o Brasil e o mundo merecem, porque é um crime de repercussão, inclusive, fora do país. Temos três caminhos possíveis: o primeiro, que estamos buscando neste momento, é o da cooperação com as autoridades do Rio. É isso que estamos fazendo: diálogo para a cooperação policial entre as polícias estaduais e as federais, no caso a Polícia Federal e a Polícia Judiciária da União. Se não houver isso, tem outros dois caminhos técnicos: um é o chamado incidente de deslocamento de competência, que depende de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ou a federalização policial determinada pelo ministro da Justiça. Temos plano A, B, C e D. Só não há um plano, que é o plano O, de omissão. Esse não existe.

O senhor também avisou aos ministros do Supremo (Tribunal Federal) que eles podem contar com o Ministério da Justiça para elucidação de ameaças que receberam nos últimos anos. Como isso vai ser feito?

Nós temos crimes de ação pública em que a polícia não só pode, como deve agir, independentemente de provocação da vítima, do ofendido. Esses casos estão em apuração. Ontem mesmo houve mais um, um ataque ao sistema do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e se criou um documento falso contra o ministro Alexandre de Moraes. Isso é um crime de ação pública. A questão foi de consignar que o Supremo não está jogado aos leões, como aconteceu em muitos momentos nesse período recente, em que altas autoridades se encarregavam de gerar ameaças ao Supremo — que, por si mesmas, representam uma ameaça institucional. Porque se você coage um juiz da Suprema Corte, coage a sociedade. Não podemos ter um Judiciário apavorado, como visto nesses últimos anos.

Os bolsonaristas reclamam de que não são respeitados na liberdade de expressão. Qual é essa linha para a liberdade de expressão?

Chega um ministro do Supremo em um restaurante. Ele pode ser aplaudido ou pode ser vaiado. Isso é liberdade de expressão, compatível com a democracia e com o direito de manifestação. Esse ministro pode ser ameaçado, achincalhado? Não. Porque quem diz se uma pessoa é ladrão, safado ou corrupto não sou eu, não é você. Quem diz é a Justiça. Então, isso constitui crime contra a honra, calúnia, difamação, injúria, dependendo da circunstância. Não faz parte do estatuto do agente público ser vítima passivamente de crimes. É esta fronteira que tem que ser novamente demarcada. A ideia de liberdade de expressão como vale-tudo, na verdade, é uma ideia que nega a liberdade de expressão. Porque significa esvaziar o direito da sua dignidade e, portanto, seu uso legítimo.

O senhor acha que precisa de alguma lei para restabelecer essa cerca que separa liberdade de expressão de vale-tudo?

Não. Isso está muito impregnado pela lógica das redes sociais, em que as pessoas tentam tirar das redes uma lógica odiosa e transportar para as ruas. Nas redes, as pessoas descarregam todas as suas frustrações pessoais e seus problemas psicológicos. Se você pega essa lógica errada nas redes e bota nas ruas, piora.

Foi editada uma portaria para impedir a cessão de policiais e de servidores do Ministério da Justiça que respondam a inquéritos. Isso atrapalha a volta de Anderson Torres (ex-ministro da Justiça e Segurança Pública) para a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal?

Não sei a situação dele. O que fiz foi editar uma portaria de caráter genérico, tratando sobre regras acerca de cessões deferidas antes e para novas cessões. Temos centenas de policiais cedidos para outras instituições e queremos saber onde esses servidores estão e o que estão fazendo. Cessão é uma possibilidade, não é imperativo — pode ceder ou não. Vai haver uma espécie de recadastramento dos cedidos e essas cessões poderão ser renovadas ou não. Novas cessões obedecerão a essa nova portaria. Se a pessoa responde a um inquérito, uma ação penal, uma ação de improbidade, um processo administrativo disciplinar ou tem alguma coisa em algum tribunal, no Ministério Público, enfim, não convém à Polícia Federal, à Polícia Rodoviária Federal ou a qualquer órgão do Ministério da Justiça ceder essa pessoa que está sendo investigada. Não sei a situação individual de A, B, C ou D, não me preocupo com isso. 

Como funcionará o Sistema Unificado de Segurança Pública, o SUSP, que até hoje não saiu do papel?

O artigo 144 da Constituição delimita quais são os órgãos que integram a segurança pública, delimita os papéis, mas precisamos trabalhar de modo cooperado. Esse é um objeto do SUSP, assim como nós temos na saúde. Vamos pegar esta lei, dar cumprimento a ela, para que em vários temas haja essa atuação conjunta. Governo federal, polícias federais, estaduais, até mesmo guardas municipais em certos casos. É essa busca de parceria que faremos.

O que o senhor diz do caso da ministra do Turismo, Daniela Carneiro, supostamente ter ligação a milicianos?

Nenhum político ou nenhuma política brasileira pode ser responsabilizada em razão de fotos com pessoas. Hoje, no mundo do celular, quando você vai a um evento, tira centenas de fotos, dependendo do evento. A única coisa que vi em relação à ministra são fotos. Não acho que uma pessoa deve ser condenada porque tirou foto com A, B ou C.

A questão das milícias é preocupante. Como será tratada?

A atitude do presidente Lula é muito clara, muito nítida, tanto que ele nomeou pessoas que são emblemáticas no combate a esta política. O que podemos fazer, e faremos, é cooperar com as forças estaduais para que as forças estaduais consigam ter maior eficácia na atuação. Não vamos passar por cima dos governadores ou das governadoras jamais. Isso incentiva motim, confusão, como foi feito no passado.

O que o senhor vê para este primeiro mês, além da revogação do decreto das armas?

Estamos discutindo a Amazônia, discutindo o programa para as zonas urbanas. Um foco importante é no 8 de março, que se aproxima, porque reduzir feminicídio é uma prioridade nacional.

*Estagiário sob a supervisão de Fabio Grecchi