O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus principais ministros se reúnem, hoje, no Palácio do Planalto, com o Fórum de Governadores para retomar o diálogo institucional entre o Executivo federal e os gestores estaduais, praticamente interditado nos quatro anos da administração de Jair Bolsonaro (PL).
Lula havia pedido aos governadores uma lista de três obras prioritárias de cada unidade da Federação e mais três dos respectivos consórcios regionais. Mas os gestores decidiram que, além das demandas por investimentos, vão levar ao Planalto um pedido de ajuda para solucionar o problema da perda de arrecadação de estados e municípios com a desoneração de impostos sobre gasolina, energia elétrica e telecomunicações, decorrente de medidas aprovadas no governo anterior para angariar votos à reeleição de Bolsonaro.
A urgência por uma saída para a crise fiscal foi unanimidade entre os 27 governadores que participaram, ontem, da reunião preparatória para o encontro desta manhã com Lula. O debate sobre o tema tomou mais de dois terços do tempo da reunião e revelou uma preocupação política. Se, por um lado, os governadores trabalham para que as alíquotas dos tributos voltem aos patamares originais, por outro, ninguém quer assumir, diante do eleitorado, que os preços de combustíveis, luz e serviços de telefonia vão aumentar. Por isso, decidiram que a carta a ser entregue a Lula terá como mote principal a retomada das discussões sobre um novo pacto federativo, que inclua o debate da reforma tributária como prioridade.
"Estamos sangrando, é uma hemorragia todos os meses", disse o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), aos colegas, segundo fontes que participaram do encontro preparatório. "Existe um ponto de preocupação comum, que é o restabelecimento dos caixas dos estados. Só em São Paulo, a perda chega a R$ 11 bilhões por ano" disse o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (REP). Helder Barbalho (MDB), do Pará, apontou perda de mais de R$ 1 bilhão neste ano e, nos estados da Amazônia Legal, R$ 5,5 bilhões.
A Lei Complementar 194 definiu teto de 18% para produtos essenciais e excluiu tarifas de uso dos sistemas de transmissão e de distribuição de energia elétrica da composição do ICMS, uma "erosão de, aproximadamente, 50% da base de cálculo do imposto", de acordo com relatório do Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda, Finanças, Economia ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Consefaz). Já a Lei 192 desonerou os combustíveis fósseis de impostos federais e alterou a base de cálculo do ICMS. "Se fez populismo fiscal com chapéu alheio", queixou-se Barbalho sobre a política de desonerações do governo anterior.
Das duas alternativas discutidas pelos governadores para superar o problema, houve uma quase unanimidade — a exceção foi o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL) — de buscar o apoio do Executivo federal para que a desoneração seja decidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que já recebeu ações que questionam a constitucionalidade das duas leis complementares. Como decisão do Supremo não se discute — se cumpre —, os governadores não arcariam com o ônus político de determinar aumento de impostos caso as leis sejam declaradas inconstitucionais. "Temos que fazer um esforço grande junto ao Supremo, o desgaste é menor, nenhum político quer passar essa conta para a população", argumentou o governador do Maranhão, Carlos Brandão (PSB).
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Adequação
Um momento de descontração, revelado ao Correio, foi quando o governador do Piauí, Rafael Fonteles, disse "seja via Supremo, seja por onde for", quando foi interrompido por um colega: "Só via Supremo, pelo amor de Deus". Mas essa alternativa também foi questionada. "Eles (os ministros da Corte) estão preparados para uma decisão sobre esse tema e toda a sensibilidade que ele gera?", indagou o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (UB).
A outra saída seria a derrubada das desonerações pelo Congresso, um processo demorado e com custos políticos bem mais elevados, porque deputados e senadores reagiriam mal à missão de aumentar impostos que impactam a população.
Única voz discordante, Cláudio Castro argumentou que não é mais possível recompor os impostos ao nível anterior e que é preciso se adequar à nova realidade fiscal. "Todos aqui se elegeram com o discurso da redução de impostos, não há ambiente político para voltar à situação que era antes", justificou.
A reunião preparatória do Fórum dos Governadores foi comandada pela interina do Distrito Federal, Celina Leão (PP), que substitui Ibaneis Rocha (MDB), afastado do poder por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF. Ela já havia falado em nome dos colegas no encontro que os gestores tiveram com Lula no dia seguinte à destruição das sedes dos Três Poderes. Naquela ocasião, todos os governadores caminharam ao lado do presidente do Palácio do Planalto até o Supremo, em um gesto de solidariedade à Corte, cujo palácio foi o mais depredado pela ação dos golpistas em 8 de janeiro.
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A "saia justa" de Tarcísio
No Fórum de Governadores, ontem, em Brasília, o gestor de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), ex-ministro de Jair Bolsonaro (PL), enfatizou que o estado perderá R$ 44 bilhões, nos seus quatro anos de mandato, com a desoneração do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).
Sem a possibilidade de defender as medidas populistas de Bolsonaro na sua tentativa frustrada de reeleição à Presidência da República, o governador do estado mais rico do país apontou que nenhuma obra iniciada pelo Executivo federal no ente federado compensa o impacto fiscal que a desoneração terá nas finanças da sua administração.
Tarcísio de Freitas ressaltou a necessidade de apresentar ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) o tamanho do problema. "É importante que o presidente Lula e o ministro Haddad (Fernando Haddad, da Fazenda) percebam a gravidade da situação", disse o governador aos colegas.
Ele também enfatizou a insuficiência de recursos para a saúde, que, como indicou, impacta de forma expressiva nas operações das Santas Casas e das demais estruturas do setor. Para o governador, é fundamental tirar da gasolina a condição de produto essencial, o que permitirá aos estados a recomposição das alíquotas do ICMS.
Apesar de elogiar a iniciativa do governo Lula em conversar com os governadores, Tarcísio de Freitas demonstrou desconforto quando os colegas criticaram a postura conflituosa e a falta de diálogo do governo Bolsonaro. "O parâmetro foi a falta de diálogo", frisou um dos gestores estaduais, enquanto ex-ministro ficava em silêncio.
Como governador, ele fez coro aos colegas quanto às preocupações sobre o desequilíbrio fiscal, mas não apresentou nenhum diagnóstico sobre a origem do problema.
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