STF

Perfil combativo torna Alexandre de Moraes uma peça-chave no Supremo

Conhecido pelo perfil combativo às fake news, ao discurso de ódio e aos ataques às instituições, o ministro do Supremo Tribunal Federal se tornou peça central diante dos atos antidemocráticos ocorridos no país após o período eleitoral

Luana Patriolino
postado em 23/01/2023 06:01
Entre as ações tomadas por Moraes após os atos terroristas, estão o afastamento de Ibaneis do GDF e a prisão de Anderson Torres -  (crédito: Rosinei Coutinho/SCO/STF)
Entre as ações tomadas por Moraes após os atos terroristas, estão o afastamento de Ibaneis do GDF e a prisão de Anderson Torres - (crédito: Rosinei Coutinho/SCO/STF)

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), virou figura central no Brasil desde o início dos ataques do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) às instituições. Mesmo com a mudança de governo e com a aparente boa relação com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o nome do magistrado continua em destaque por conta da dura atuação para frear os atos antidemocráticos no país.

Moraes tem conduzido com mão de ferro os processos no STF e TSE. Desde o ano passado, ele garantiu que não toleraria crimes de ódio, disseminação de notícias falsas e ataques às instituições. Nos atos terroristas de 8 de janeiro — que tiveram como consequência a destruição das sedes dos Três Poderes —, o ministro deu resposta ainda mais dura aos extremistas e financiadores do vandalismo em Brasília.

A primeira ação foi afastar o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), e ordenar a investigação de todos os atores envolvidos no episódio. Anderson Torres, que respondia pela segurança pública da capital, foi preso e também está sendo apurada a conduta dele no dia da depredação dos prédios.

Na sexta-feira, o ministro concluiu a análise da situação dos detidos pelo envolvimento em atos de vandalismo em Brasília: 942 pessoas tiveram a prisão em flagrante convertida para preventiva. Outras 464 vão responder ao processo em liberdade.

Segundo Moraes, há evidências de que os citados cometeram os seguintes crimes: atos terroristas, inclusive preparatórios; associação criminosa; abolição violenta do Estado democrático de direito; golpe de Estado; ameaça; perseguição; e incitação ao crime.

Moraes afirmou que todos serão punidos e considerou haver provas suficientes da participação "efetiva" dos investigados em uma organização criminosa com o intuito de desestabilizar as instituições democráticas. Ele também apontou a necessidade de identificar os financiadores dos atos de vandalismo, como, por exemplo, pagamento de passagens e manutenção de radicais no Distrito Federal.

Peça fundamental

Na avaliação do cientista político André César, da Hold Assessoria Legislativa, Alexandre de Moraes é peça fundamental no restabelecimento da ordem e democracia do Brasil. O especialista destacou o perfil e histórico profissional do magistrado. "Se fosse outro ministro, seria outra abordagem. Dado ao perfil, história e experiência do ministro Alexandre de Moraes, como secretário de Segurança Pública de São Paulo, e o estilo duro dele, realmente ele 'caiu bem' neste momento", disse.

Para César, o país vive uma de suas maiores crises e o trabalho do ministro tem sido fundamental. "Já está muito difícil a nossa situação. Não estamos em uma crise institucional geral, mas estamos perto. Se não fosse a figura de Moraes, não sabemos como estaríamos hoje, o que o país estaria vivendo. Se não fossem as mãos de ferro dele em alguns momentos, não sei como estaria. Alguns especialistas e uma parcela da população dizem que ele exagera em suas decisões, mas às vezes, posicionamentos assim são necessários", observou.

O cientista político Leandro Gabiati destacou o protagonismo de Moraes nos últimos anos. "Esse assunto gera polêmica. Nenhum de nós queria estar nos sapatos de Alexandre de Moraes. Uma série de fatos que o levaram a ocupar dentro do poder Judiciário esse papel fundamental para preservar determinados preceitos democráticos", ressaltou.

Alvo de ataques

Alexandre de Moraes assumiu o comando da Justiça Eleitoral durante as eleições mais conturbadas desde a redemocratização do país. Ele é considerado, entre grupos bolsonaristas, como um inimigo, e teve como maior desafio garantir a lisura do sistema de votação.

Moraes substituiu o ministro Edson Fachin — que, em um mandato relâmpago de seis meses, adotou um perfil mais firme diante dos ataques do presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores. Comprometido com a segurança do processo eleitoral, ele declarou, à época, que não baixaria a guarda durante o pleito.

Visto como um magistrado técnico e, ao mesmo tempo, combativo, o magistrado, que também continuou na atuação ministro do STF, com destaque para a relatoria do inquérito das fake news — no qual o próprio Bolsonaro é investigado.

 

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FRASE

Se fosse outro ministro, seria outra abordagem. Dado ao perfil, história e experiência do ministro Alexandre de Moraes, como secretário de Segurança Pública de São Paulo, e o estilo duro dele, realmente ele 'caiu bem' neste momento”
André César, cientista político

Doutor em direito e professor

Nascido em São Paulo, Alexandre de Moraes é doutor em direito do estado pela Universidade de São Paulo (USP), onde ainda é professor associado. Também exerce o magistério na Universidade Presbiteriana Mackenzie, na Escola Superior do Ministério Público de São Paulo e na Escola Paulista da Magistratura, além de ser professor convidado em diversas escolas da magistratura, do Ministério Público, de procuradorias e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Atuou como ministro da Justiça durante o governo de Michel Temer. Enfrentou a crise das rebeliões em presídios que mataram ao menos 56 detentos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, no Amazonas, e outros 33 na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Roraima.

Chegou ao Supremo por indicação de Michel Temer, após a morte do ministro Teori Zavascki em acidente aéreo, em 2017. Na Corte, Alexandre de Moraes acumulou relatorias de processos importantes em curso no país. Além dos processos que investigam Bolsonaro, outras ações recentes também tiveram destaque, como a que condenou o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), por ataques às instituições e o julgamento da improbidade administrativa. (LP)

Relação de Lula com o STF

Lewandowski (segundo à esquerda) e Rosa Weber vão se aposentar e Lula indicará os substitutos -  (crédito: Carlos Moura/CB/D.A Press)
crédito: Carlos Moura/CB/D.A Press

Tentando deixar para trás um passado conturbado entre o Executivo e o Judiciário, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que vai restabelecer a harmonia no país. Além do desafio de recuperar a paz entre os Poderes, o petista deve indicar os novos nomes que estarão à frente dos tribunais superiores neste ano e, nos bastidores, a expectativa pela normalidade institucional.

Em uma das primeiras providências após as eleições de 2022, Lula se reuniu com os integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) e Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para acertar os ponteiros. As duas Cortes foram os principais alvos do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Ele acusava, sem provas, os ministros de atuarem para favorecer o PT.

Na avaliação do professor de estudos brasileiros da Universidade de Oklahoma (EUA) Fabio de Sá e Silva, Lula não vai adotar uma postura combativa diante do Judiciário. "Também é improvável que haja tensão entre esses dois Poderes em torno de pautas, em parte porque as primeiras medidas do governo Lula serão voltadas à reversão de políticas de Bolsonaro, muitas das quais o STF estava prestes a derrubar, como é o caso dos decretos que facilitaram o acesso a armas", acrescentou.

No STF, Lula poderá indicar dois ministros para substituir Rosa Weber e Ricardo Lewandowski — que vão se aposentar em 2023 devido à idade. Na gestão Bolsonaro, a indicação para a Corte foi espetacularizada. Antes de o ministro André Mendonça ser escolhido, o ex-presidente afirmou que indicaria um nome "terrivelmente evangélico".

"Nos ultimo tempos, vimos a Presidência da República supervalorizar e centralizar a indicação aos ministros da Suprema Corte. Então, o que deveria ser um ato de integração passou a ser, ainda mais, uma momento de disputa de forças. Além disso, a indicação passou a ser uma pauta eleitoral de alguns candidatos à Presidência. O que, em primeiro lugar, agravou o distanciamento entre os Poderes e trouxe uma politização pouco saudável da indicação", observou o advogado Giuseppe Cammilleri Falco.

À imprensa, Lula disse, reiterada vezes, que trabalharia pelo restabelecimento da harmonia entre as instituições. A prova de fogo veio uma semana após os ataques terroristas em Brasília — em que as sedes do do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e da Suprema Corte foram destruídas pelos apoiadores de Bolsonaro.

O advogado Cristiano Vilela, especialista em direito público, destacou a capacidade de diálogo de Lula como trunfo nesse período delicado. "O presidente eleito tem por característica manter um bom nível de diálogo e articulação com os representantes dos demais Poderes. A expectativa é a de que a relação entre o Executivo e o Judiciário retome à normalidade, independente de quem sejam os ministros da Corte", destacou.

"Lula terá ainda condição de indicar dois ou até três novos ministros. Nesse sentido , a expectativa é a de que sejam nomes com bom trânsito no Judiciário e no meio jurídico em geral é que, além disso, gozem da confiança do presidente", acrescentou Vilela.

Anos conturbados

O posicionamento de Lula difere do que Bolsonaro manteve nos últimos anos. Ele alimentou uma relação conflituosa com o Judiciário desde o início do mandato. Além de acusar o STF de agir com ativismo, no auge da campanha eleitoral também defendeu publicamente o aumento de ministros, de 11 para 16.

A última vez em que houve alteração no número de magistrados da Suprema Corte foi durante a ditadura militar, onde passou a ter 15 integrantes. Bolsonaro já indicou dois integrantes da Corte: Kassio Nunes Marques e André Mendonça, que costumavam votar com o governo passado e que, mesmo após o fim da gestão bolsonarista, continuaram alinhados.

No julgamento do STF que decidiu manter o afastamento do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), pela conduta no dia dos atos terroristas, Mendonças e Nunes Marques foram os únicos ministros a votarem contra a decisão monocrática de Alexandre de Moraes, que afastou o chefe do Executivo local do cargo.

Para o jurista e cientista político Enrique Carlos Natalino, Lula terá momentos de discordância com o Judiciário. No entanto, a diferença será no trato institucional. "Eu acredito que a relação entre Lula e os Poderes da República será pautada por uma relação mais republicana, mais respeitosa do que foi com o governo Bolsonaro", disse. (LP)

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