A desconfiança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com as forças de segurança, desde os ataques terroristas aos prédios dos Três Poderes em 8 de janeiro, se materializou na Polícia Federal (PF) e na Polícia Rodoviária Federal (PRF). Em edição extra do Diário Oficial da União, na noite de quarta-feira, o ministro chefe da Casa Civil, Rui Costa, dispensou 26 superintendentes estaduais da PRF e substituiu 18 chefias da PF.
O único superintendente regional da PRF mantido pelo governo foi o do Piauí, Paulo Fernandes Nunes Moreno, mas ele pediu exoneração do cargo na tarde de ontem.
A corporação rodoviária manteve uma forte relação de proximidade com o ex-presidente Jair Bolsonaro ao longo dos últimos quatro anos. No segundo turno das eleições, em outubro do ano passado, a PRF executou pelo menos 549 operações nas estradas que podem ter dificultado o acesso de eleitores às zonas de votação. A maioria das barreiras foi montada na região Nordeste, que concentra grande apoio a Lula. Sob o comando de Moreno, o Piauí foi exceção e não houve registros de fiscalização a ônibus e automóveis que transportavam eleitores.
Após o pleito, as rodovias do país foram tomadas por bloqueios de caminhoneiros, que protestavam contra a derrota de Bolsonaro nas urnas, sem que houvesse evidência de ação efetiva para impedir os atos — outro episódio que aumentou a desconfiança do atual chefe do Executivo com a PRF.
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Um dos superintendentes dispensados é Virgílio de Paula Tourinho, que chefiava a corporação na Bahia. Ele chegou a ser intimado pela Justiça Eleitoral para prestar explicações sobre a operação policial feita no segundo turno. Outro que perdeu o cargo foi Alexandre Carlos de Souza e Silva, do Rio de Janeiro, pelo mesmo motivo. Na ocasião, usuários das redes sociais divulgaram vídeos da operação na Ponte Rio-Niterói.
Ainda não foram apontados os substitutos, pois a progressão de cargos na PRF não é atrelada ao tempo de carreira ou outras condições. A escolha passa pelo diretor-geral, Antônio Fernando Souza Oliveira, nomeado no dia 2 em substituição a Silvinei Vasques, bolsonarista declarado.
Vasques foi alvo do Ministério Público Federal (MPF) por suspeita de favorecimento aos bolsonaristas que ocuparam as rodovias após o segundo turno. O órgão requereu o afastamento do policial rodoviário.
Na PF, entre os 18 que assumem cargos de chefia está Leandro Almada da Costa. Ele comandará a unidade do Rio de Janeiro, que estava no centro da acusação de tentativa de interferência de Bolsonaro na corporação, feita pelo agora senador eleito Sérgio Moro (União Brasil-PR). O novo diretor da PF foi o responsável pelo inquérito que apura tentativa de obstrução da investigação dos assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. A apuração levou ao policial militar Rodrigo Ferreira, o Ferreirinha, e à advogada Camila Nogueira. Ambos eram parte de uma organização criminosa que tentava atrapalhar os trabalhos de elucidação do crime. Leandro substitui Ivo Roberto Costa da Silva.
Em São Paulo, Rogério Giampaoli substitui Rodrigo Bartolamei, indicado por Bolsonaro. Na Paraíba, a escolhida foi Christiane Correa Machado, que comandou a Coordenação de Inquéritos Especiais (Cinq), voltada para casos que envolvem pessoas com foro especial nas cortes superiores. Ela foi uma das envolvidas na investigação das acusações de Moro contra Bolsonaro. No total, nove mulheres foram nomeadas diretoras-gerais da PF.
Lula já havia antecipado a troca no DF, após os estragos de 8 de janeiro. Flávio Dino, ministro da Justiça e Segurança Pública, minimizou as trocas, afirmando que a mudança geral já estava programada. No lugar de Victor Cesar Carvalho dos Santos, entrou Cézar Luiz Busto de Souza.
No caso da PF, a progressão da carreira é mais condicionada. Pela portaria de 2018, só eram promovidos a diretor-geral delegados da classe especial, com mais de 10 anos de serviço e que tivessem passagem de, pelo menos, um ano em cargo de direção e assessoramento superior — de DAS 101.3 para cima.
Dino reduziu os requisitos e, agora, o delegado precisa apenas ser da classe especial para concorrer à indicação para a diretoria à corregedoria do órgão.
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Punição
Segundo Leonardo Dickinson, integrante da Comissão de Direito Militar da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro (OAB-RJ), se ficar comprovada omissão ou conivência dos agentes da PF ou da PRF com atos antidemocráticos, eles podem ser responsabilizados criminalmente.
"Eles responderão na mesma proporção de eventuais causas criminais, porém, com incidência de causa de aumento, uma vez que se tratam de agentes de segurança pública e detêm uma função específica de agentes de garantia", explica. "Um agente garantidor tem como principal objetivo repelir ou prevenir a prática de crimes. Razão pela qual, quando o agente trai as suas funções naturais ou constitucionalmente previstas enquanto membro da segurança pública, ele responde em grau superior aos demais."
O especialista em direito penal e militar aponta que não há vedação legal específica para "partidarismos" nas forças de segurança, no entanto, aponta a necessidade de isenção desses atores durante o exercício da função.
"Não é razoável que se tenha tamanha confusão entre aquilo que esse agente acredita com a sua função profissional. Diante dessa avaliação, é preciso averiguar se existe algum tipo de previsão específica em regimentos internos, seja da Polícia Civil, seja da PRF ou da PF, em relação à responsabilização desses eventuais agentes que fazem confusão entre ideologia e função pública, que são coisas distintas", observa.
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