O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, assinou, ontem, uma portaria que pode impedir que seu antecessor no cargo, Anderson Torres, permaneça no cargo de secretário de Segurança Pública do Distrito Federal — nomeado na última segunda-feira, depois da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A portaria veda a "cessão ou a manutenção da cessão de servidores vinculados ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) que estejam respondendo a processo administrativo disciplinar, inquérito policial, ação penal ou por improbidade administrativa, em razão de fatos relacionados ao exercício de qualquer função pública, no âmbito da União ou dos entes federados".
Com a medida, cabe ao governo do Distrito Federal (GDF) justificar, em 15 dias, o interesse e a necessidade em manter Torres como secretário de Segurança. A partir daí, o ministério avaliará a existência, ou não, de processos vinculados a Torres. Caso existam, ele deverá voltar ao cargo de delegado da Polícia Federal.
Em nota, o MJSP frisou que a portaria "é um acerto administrativo, com critérios gerais, uma vez que muitos servidores encontram-se cedidos. Não se trata de situação individual de qualquer servidor". Entre os servidores da pasta, a determinação assinada por Flávio Dino serve para organizar uma situação para a qual não havia qualquer critério ou registro. Negam, ainda, acusações de que trata-se de uma "revanche contra Torres".
"Têm muitos servidores cedidos e a gente está querendo organizar a casa, fazer uma análise e saber se pode contar com essas pessoas em uma eventual necessidade", explicou ao Correio um servidor, que preferiu manter-se no anonimato.
Outro funcionário do MJSP salientou que a medida assinada por Dino segue privilegiando indicações para os postos de comando — mesmo sem expertise para alguns deles —, mas cria requisitos para tal. "A gente não vê como desarrazoado um critério que se utiliza de responsabilização criminal, inquérito, procedimento administrativo disciplinar, porque isso pode dificultar até as investigações. A pessoa fica protegida, ganha foro. Não vemos como um revanchismo. O que a gente critica é essa não absorção do discurso do próprio presidente da República que fala que vai buscar os invisíveis, vai dar acesso para todos, democraticamente, ocuparem os cargos para os quais têm competência. Acho que isso que faltou nesta portaria", lamentou um policial federal.
Torres, que é delegado de carreira e foi um dos mais próximos colaboradores de Jair Bolsonaro, responde a investigações. Uma delas, no Supremo Tribunal Federal (STF), é referente à participação na live em que o ex-presidente, em julho de 2021, atacou a segurança e confiabilidade das urnas eletrônicas e divulgou várias mentiras sobre o sistema eleitoral. Outro processo na qual Torres está relacionado se refere ao vazamento de um inquérito sigiloso, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), usado por Bolsonaro em uma reunião com embaixadores estrangeiros também para atacar o processo eleitoral.
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Desconfianças
A gestão de Torres foi marcada por polêmicas e várias acusações por suposta leniência com possíveis crimes cometidos por apoiadores do ex-presidente. Uma delas foi o episódio do ex-deputado Roberto Jefferson, que recebeu com tiros de fuzil e granadas policiais federais quer foram cumprir um mandado de prisão.
Por determinação de Bolsonaro, Torres enviado para acompanhar o ataque de Jefferson, ocorrido no município de Comendador Levi Gasparian (RJ). O ex-ministro, porém, teria ido apenas até Juiz de Fora (MG) por causa de um recuo do ex-presidente e, à época, sua conduta foi considerada omissa diante da gravidade do caso.
A atuação de Torres no bloqueio realizado pela Polícia Rodoviária Federal, em municípios nordestinos, no dia do segundo turno das eleições, também chamou a atenção. Somente depois que o diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, foi intimado a se explicar ao ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), é que os bloqueios foram suspensos.
Novo momento em que a atuação de Torres foi vista com desconfiança ocorreu no dia seguinte ao resultado das eleições, quando caminhoneiros inconformados com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva bloquearam ilegalmente as estradas. Mais uma vez o então ministro foi criticado por suposta tolerância com os atos.
Mas foi em 12 de dezembro, quando vândalos bolsonaristas tentaram invadir, em Brasília, a sede da PF para soltar o indígena José Acácio Serere Xavante — cujo fracasso gerou uma onda de depredações —, que a ação do então ministro foi mais criticada. Ele jantava em um restaurante da capital e ali permaneceu enquanto o vandalismo tomava a área central da cidade.
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