A deputada federal eleita por Minas Gerais Duda Salabert (PDT), que recebeu a terceira maior votação do estado, com 208.296 votos, conversou com o podcast EM Entrevista sobre o primeiro mandato em Brasília, a partir de 1º de fevereiro de 2023, quando vai substituir a Câmara Municipal de Belo Horizonte pela Câmara dos Deputados. Junto com Erika Hilton (Psol-SP), Duda foi a primeira travesti eleita para a Casa e defendeu os direitos de pessoas trans, mas enfatizou que não se restringe apenas a essas causas.
“Apesar de eu ser uma pessoa trans e carregar a bandeira da identidade trans no próprio corpo, o nosso mandato não se limita à pauta da diversidade, ou seja, a temas ligados às questões identitárias e LGBT. Nós estamos discutindo política pública no campo da economia, no campo do meio ambiente, no campo da educação, até porque eu sou uma professora e reconheço a educação como engrenagem fundamental para transformar a sociedade”, declarou Duda.
Em 2020, ela foi eleita a vereadora mais bem votada da história de Belo Horizonte, com 37 mil votos, e também trabalhou para ser muito bem votada na disputa para a Câmara dos Deputados. “Não basta só eleger. Temos que ser bem votadas para chegar com capital político que nos dê possibilidade de pautar nossos projetos com maior chance de aprovação”, afirmou.
Antes de ser vereadora, Duda atuou por por 20 anos na educação, sendo 15 deles como professora de literatura no Colégio Bernoulli. A entrada na política ocorreu em 2016. “Decidi entrar na política depois do golpe contra a presidente Dilma Rousseff. Entendi que haveria a partir da cisão democrática um esvaziamento do campo democrático e seria necessário estar na política contra a classe trabalhadora que viria”, avaliou. Confira os principais trechos da entrevista, gravada em 29 de novembro.
A partir de fevereiro, a senhora vai trocar a Câmara Municipal pela Câmara dos Deputados. Quais as expectativas e os desafios?
Depois que assumimos como vereadora, o nosso mandato sempre teve um contorno muito maior que o municipal. Nós entendemos que fomos eleitas para ser uma vereadora de Belo Horizonte, no entanto, tanto os moradores da cidade como dos municípios ao redor, traziam demandas nacionais para que nós pudéssemos pautar. Sempre fomos um mandato de opinião, então acabou que fizemos todo o debate municipal, que é exigido, mas transbordamos também e projetamos essa política para a esfera nacional, que é o que a própria cidade pedia. Tanto que quando eu ventilei a possibilidade de me candidatar para deputada federal, tive um apoio muito grande dos meus eleitores aqui de BH porque eles já esperavam essa participação porque eu já executava a partir do primeiro dia em que fui eleita.
A senhora é uma das quatro deputadas trans eleitas em 2022 e vai ter ao seu lado na Câmara Erika Hilton. Qual a importância dessa representatividade nas casas legislativas?
A importância opera em vários fatores. O primeiro é o pedagógico, porque nossos corpos são corpos pedagógicos que tentam educar setores da sociedade sobre a importância de respeitar a diversidade, a pluralidade e as diferenças. Isso desemboca em aspecto fulcral da política de que a política tem que ser um espaço para o encontro das diferenças. Mostro a tese, você mostra a antítese e nós chegamos à síntese, que é a política pública de qualidade. Isso quer dizer que não existe democracia sem diversidade. Não existe democracia sem pluralidade. Então, a nossa participação na esfera política ou espaços políticos, além de ter a dimensão pedagógica, é um alargamento também da democracia porque corpos e identidades que foram historicamente apagadas e silenciadas do debate das políticas públicas começam a ocupar aquele espaço e construir políticas pensadas em outras perspectivas. Há que se lembrar que se nós estamos hoje na maior crise econômica, maior crise ambiental, social e política da história do país, isso se deve ao modelo de política que nos colocou neste abismo. Então, neste cenário de crise, urge a gente superar e eu penso que um dos ingredientes fundamentais da superação da crise é o respeito e o reconhecimento da diversidade.
Ainda dentro do campo da diversidade, quais projetos a senhora pretende levar para o Congresso Nacional?
Há dois pontos que têm centralidade na nossa leitura política. Primeiro, em relação à empregabilidade. É vergonhoso morar em um país em que 90% das travestis e transexuais estão na prostituição. Independentemente do seu ponto de vista político e ideológico, ninguém concorda com 90% de um grupo estar na prostituição. Então, há que se construir políticas de empregabilidade para esta comunidade. Além disso, nós somos um país que há 14 anos consecutivos lideramos o ranking de país que mais mata pessoas LGBT no planeta, o que mostra que a violência contra a nossa comunidade é gritante, histórica, e coloca o nosso país em um local que nunca deveria estar, que é de topo da violência. Nós vamos pensar em muitas políticas ligadas à segurança pública e também à empregabilidade. Isso traz a reboque o debate estruturante que há no país de um novo modelo de segurança pública, pautado na investigação, e, além disso, tirar o Brasil deste cenário em que nós estamos, de crise econômica, que está ligado ao desemprego também.
A senhora foi indicada para a equipe de transição do governo Lula, dentro do grupo técnico de direitos humanos. Como recebeu esse convite?
Fiquei muito feliz, porque para além de ser um convite é um reconhecimento do que nós já fazíamos aqui na nossa luta em Belo Horizonte, Minas Gerais e no país. Fui convidada para o grupo de direitos humanos, que abarca diversas questões, como a questão ambiental que a gente trabalha, e queremos discutir alguns pontos fundamentais, entre eles o sistema prisional no Brasil. Nós temos a terceira maior população prisional do mundo e, ao mesmo tempo, urge fazer uma reforma neste sistema, em que 40% das pessoas que compõem ele poderiam ter penas alternativas para o esvaziamento deste espaço e também pensar em uma ressocialização. Resumindo, nós temos um espaço que é caro, corrupto e em momento algum reeduca as pessoas para o espaço social.
A senhora é professora e ao longo dos últimos anos vimos muitos cortes na educação. Quais os desafios para reestruturar esta área?
O próximo ano vai ser um ano bastante complexo do ponto de vista fiscal, já que nós vamos trabalhar com um orçamento feito ainda na gestão Bolsonaro, que foi caracterizado por inúmeros cortes e o esfacelamento de políticas públicas e políticas educacionais. Para além disso, há uma preocupação de a gente superar esta cultura de perseguição a professores, que foi fossilizada nos últimos anos, e, inclusive, endossada pelo próprio governo de Jair Bolsonaro. Então, a gente reconhece que o que vai tornar o Brasil mais rico não é moer suas montanhas, nem transformar nossos biomas em pastos para a agropecuária. O que de fato vai fazer o Brasil crescer e se tornar soberano é ciência, tecnologia e inovação. Isso passa por um investimento robusto nas universidades públicas, entendendo o papel delas como engrenagem central para a soberania nacional. Mas isso não quer dizer que não vamos olhar para a questão básica da educação. Infelizmente, o Brasil ainda não superou o analfabetismo, que ainda é uma marca da população brasileira. Há números que mostram que cerca de 30% da população do nosso país carrega um grau de analfabetismo, então nós temos que pensar primeiro o básico. Fazer uma política de analfabetismo zero, mas junto com isso aporte financeiro maior nas universidades como elemento para o crescimento do país.
Depois de uma eleição tão polarizada, como a senhora imagina que será o trabalho na Câmara para aprovar projetos mais progressistas em uma Casa com tantos parlamentares conservadores?
Infelizmente, uma marca da política brasileira é o fisiologismo. Ou seja, parlamentares que colocam o interesse particular acima do interesse coletivo público. E grande parte dos deputados eleitos, infelizmente, são fisiológicos. Eles estão onde o poder está. Então, acredito que mesmo sendo uma bancada, que tem um verniz conservador, eles estarão onde o poder vai estar e devem seguir o rumo e a diretriz que o governo Lula vai pautar no Brasil. Aqui na Câmara Municipal, quando eu fui eleita, dizia-se que era a mais conservadora da história de BH. Dos 41, 30 são da chamada bancada da “Bíblia”. E mesmo assim nós conseguimos aprovar projetos importantes. O conservadorismo não foi um obstáculo para a aprovação das nossas políticas públicas estruturais, como, por exemplo, o projeto de dignidade menstrual, que vai distribuir gratuitamente absorventes para as pessoas que menstruam no município. Também conseguimos aprovar no campo do meio ambiente, dos direitos humanos e a maioria deles foram aprovados com a unanimidade do Parlamento. O que mostra que esse conservadorismo é um ponto negativo ao que se refere a temas ligados à comunidade LGBT, aí, sim, é um problema, aí, sim, é um empecilho, mas mesmo assim consegue construir política pública com o Executivo. Por exemplo, aqui em Belo Horizonte, inauguramos neste mês a primeira casa de acolhimento de pessoas LGBT em situação de rua. E nosso mandato atual diretamente na construção dessa casa. Então, mesmo temas que não têm espaço para aprovação no Congresso a gente pode construir junto com o Executivo. Existem outras ferramentas.
Como a senhora vê a questão do tombamento da Serra do Curral, que é alvo de projetos de mineração, e o setor como um todo em Minas?
Há que se discutir primeiro de que a Serra do Curral está em um processo de tombamento. E se está em um processo de tombamento, tombado está. Então, primeiro tem que se discutir o tombamento dela. Se não vai ser tombada, aí, sim, vamos discutir o avanço da mineração ali. Mas é criminoso discutir o avanço da atividade minerária no patrimônio que está em processo de tombamento em um contexto de emergência climática e crise hídrica. Reconhecendo que a Serra do Curral tem aquíferos fundamentais para a segurança hídrica não só de Belo Horizonte como da região metropolitana. Então, nosso objetivo é lutar em defesa da Serra do Curral e também das serras de Minas Gerais, propondo outro modelo econômico para superar a chamada “minério dependência” ou “minério imposição”. Se a mineração de fato trouxesse riqueza para Minas , nós seríamos o estado mais rico do Brasil. O próprio IBGE mostra que a mineração aumenta as desigualdades sociais e econômicas dos municípios porque depois que a mina seca e vai embora, deixa uma grande cratera, crise hídrica, desemprego e desigualdade social. Por isso vou levar para o Congresso a necessidade da criação de um fundo nacional de diversificação econômica para poder ajudar os municípios a superar a dependência da mineração para que possam diversificar a sua economia e distribuir essa riqueza entre os próprios moradores.