Oito anos após a assinatura do contrato com a Força Aérea Brasileira (FAB), a fabricante sueca Saab entrega, amanhã, na Base Aérea de Anápolis (GO), a 100km de Brasília, os primeiros caças F-39 Gripen, devidamente adaptados às necessidades da Aeronáutica e às regulamentações brasileiras. É a primeira leva de um total de 36 aeronaves, no maior contrato de exportação da história da Suécia, que soma cerca de R$ 20 bilhões. O contrato também prevê a transferência de tecnologia para o Brasil. Os aparelhos farão a função antes entregues aos Mirage 2000, de fabricação francesa e já aposentados.
O Correio conversou com o presidente e CEO da Saab, Micael Johansson sobre o projeto FX-2 — que viabilizou a aquisição dos caças em condições que permitem o acesso à tecnologia de ponta e ao desenvolvimento de sistemas nacionais. O executivo também falou da relação com a FAB e sobre a expectativa com a troca de governo no Brasil, a partir de 1º de janeiro de 2023.
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O que essa entrega significa para a Saab, após quase uma década do projeto Gripen?
Esse contrato foi lançado em uma época em que o Brasil decidiu participar também das atividades de desenvolvimento do programa, o que significa que nós pudemos prover uma troca de tecnologia ampla e trabalhar com o lado brasileiro do programa. A indústria brasileira se tornou parte da cadeia de produção, o que é excelente. É um programa muito bem sucedido, um marco importante. Significa que conseguimos certificar que as aeronaves estão aptas a voar e a serem operadas no ambiente brasileiro, o que é um grande processo para um projeto como esse. Estamos ansiosos para ver os pilotos da FAB nos caças a partir desta semana.
Com a guerra na Ucrânia, muito mudou em termos de tecnologia bélica. O programa de transferência de tecnologia entre a Saab e o Brasil acompanha essas mudanças? Como a parceria se adapta à nova realidade e às novas necessidades para proteger a soberania do país?
Muitas conclusões foram tiradas pela guerra na Ucrânia, como o que é necessário para manter a supremacia aérea. Fico muito contente por termos uma aeronave que é adaptável, no sentido de termos uma arquitetura que você pode dividir entre manter a segurança que se espera e o que você precisa para manter a soberania aérea. A configuração que conseguimos no Brasil, com o Centro de Projetos e Desenvolvimento do Gripen (GDDN, na sigla em inglês), pode modificar as aeronaves de acordo com o que precisar ser desenvolvido para lidar com novas ameaças, integrar novos armamentos e o que mais for necessário. Isso é perfeito para manter a soberania.
O que é o Centro de Projetos e Desenvolvimento do Gripen, em Gavião Peixoto (SP)?
É um estabelecimento onde temos uma força de trabalho competente para atividades de desenvolvimento e projeto. Eles estiveram envolvidos no projeto do Gripen e estarão, também, em todos os tipos de integração, de sensores que, no futuro, precisarem ser adaptados. Eles também têm a capacidade de avaliação, claro, dos diferentes tipos de funcionalidades e designs, porque têm simuladores. E fazem parte dos testes de voo com pilotos brasileiros, o que é extremamente importante. Isso foi um investimento por parte do Brasil e encorajo que o país mantenha esse polo funcionando o tempo todo. Seria importante para nós, mas também para o Brasil, para poder adaptar as aeronaves por muitos anos.
O Brasil tem quase 8 mil km de costa, uma fronteira seca de mais de 17 mil km, e a Aeronáutica é uma peça importante para a proteção do território. De que forma o Gripen ajuda nessa missão?
É um modelo de aeronave com sensores e capacidades para criar uma consciência situacional, saber o que está acontecendo tanto no ar, na terra e no mar. Mas também tem a possibilidade de agir contra hostilidades nas fronteiras. Diria que a combinação de um caça com o que vocês têm na aeronave E-99 (um avião-radar) é muito boa para o país. Um avião como o E-99 será, claro, para cobrir uma grande área, e os caças serão usados para se aproximar dos alvos potenciais e tomar as ações necessárias. A Suécia está indo pelo mesmo caminho, como muitos outros países. Os Gripen podem fazer as duas coisas, têm uma grande capacidade de vigilância e missões ar-terra. Tem a flexibilidade para cobrir todos os tipos de ameaças.
Em 1º de janeiro de 2023, retorna o presidente que iniciou o processo de licitação dos caças. O Gripen, inclusive, foi escolhido, à época, à revelia do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que preferia o Rafale francês. Como o senhor vê a mudança de governo no Brasil e que perspectivas se abrem?
Temos ótima relação com a Força Aérea Brasileira, que é fundamental — independentemente do governo — para manter esse projeto em andamento. Não vejo nenhuma grande mudança no novo governo. A continuidade que se mostrou durante esse tempo não me dá nenhuma indicação de que esse projeto não vá continuar da forma à qual nós nos comprometemos. Vamos continuar o relacionamento com a Força Aérea Brasileira e com a indústria brasileira.
Estamos saindo de uma pandemia e lidando com a guerra na Ucrânia. Isso trouxe um cenário desafiador, com problemas na distribuição de equipamentos, de tecnologia, na cadeia de suprimentos. Os preços de combustíveis e de peças que precisam ser fabricadas em outros locais do mundo também foram afetados. Como a Saab está se adaptando a esse novo cenário e se isso, de alguma forma, pode impactar a perspectiva de novos investimentos no futuro?
Muitas indústrias de defesa estão investindo bastante para gerir a capacidade necessária nas áreas ao Sul do planeta, para restabelecer os estoques em alguns países que doaram equipamentos para a Ucrânia. Em uma perspectiva geral, a situação atual é muito sobre capacidade. Ainda resta ver o quão rápido novas capacidades serão desenvolvidas e necessárias como consequência da guerra. Existem desafios de suprimento, por causa das tensões políticas entre o Ocidente e o Oriente, e problemas de transportes. Mas não vejo nenhum efeito imediato no contrato brasileiro ou nas entregas de aeronaves. Estamos preparados para assegurar os componentes e materiais necessários, por um tempo maior do que você esperaria normalmente nessa indústria. Precisamos (estar preparados) não somente por causa desses riscos, mas, também, porque não podemos comprar as coisas em quantidades baixas e com custo-benefício (desfavorável). Existem muitas coisas para serem geridas, mas vamos honrar os compromissos feitos com todos os nossos clientes.
O senhor teme a escalada da guerra, já que a Suécia é um ator importante naquela região?
É extremamente difícil prever o desenvolvimento dessa guerra e como ela vai acabar. Realmente espero que eles encontrem uma plataforma para discutir um cessar-fogo ou algum tipo de fechamento para esse conflito. Mas, nesse momento, como qualquer político ou qualquer pessoa, é muito difícil ver como isso vai se desenvolver. Claro que você poderia ter apreensão à escalada do conflito. Acho que, como a Rússia não está fazendo muito progresso, a escalada (da guerra) em outras áreas da Europa seria improvável. Os esforços estão dedicados apenas à Ucrânia, o que já é muito ruim. Cabe a países como Estados Unidos e os da Europa ajudar a Ucrânia a lidar com a situação e proteger sua democracia e liberdade. E, claro, indiretamente, nós também podemos ajudar esses países que podem ajudar a Ucrânia.
Como vê a possibilidade de o Brasil assumir um papel de maior destaque no cenário internacional, de acordo com a promessa do novo governo?
É um grande país e uma grande economia. Posso apenas ver benefícios de o Brasil ter boas relações e ser parte da comunidade internacional. Não tenho nenhuma outra visão e estou tentando, o tempo todo, promover a relação entre o Brasil e a Suécia. O Brasil é um país muito importante.
Como foi a relação com a FAB nos últimos quatro anos?
Tem sido excelente. Devo dizer que é fantástica. São discussões muito boas, pragmáticas e construtivas. Há transparência em relação aos outros programas desenvolvidos e, também, antecipação por parte deles. Muitos militares foram à Suécia para visitar nossas fábricas e conhecer a Força Aérea sueca. Não poderia desejar por algo melhor.
Como vê o papel do Brasil em relação à proteção do meio ambiente, à emergência climática e à defesa da democracia no mundo?
Como eu disse, o Brasil é uma economia muito grande. O que significa que é importante, para mim, que o Brasil esteja envolvido nos aspectos políticos acontecendo no mundo. A defesa das democracias, por exemplo — e o Brasil é uma grande democracia. Há, agora, uma certa tensão entre as democracias e as autocracias no mundo. Sou um grande defensor da democracia, então tenho muita certeza de que o Brasil pode ser uma grande voz nessa questão. Devemos ajudar quando se trata das mudanças climáticas. É um grande país e uma grande população.
O que espera desse relacionamento com o Brasil para os próximos anos. Novos projetos, novas oportunidades?
O Brasil é um dos mais importantes parceiros que temos. E, também, inclui o que eu disse sobre o polo que estamos criando para o Brasil, seja do ponto de vista da FAB, seja do ponto de vista industrial. Isso estará alimentando o desenvolvimento. No contexto latino-americano, o Brasil é polo onde quero fazer o máximo de trabalhos possíveis — e sermos bem sucedidos em vender os Gripen a outros países latino-americanos. Vou continuar a trabalhar para garantir o desenvolvimento contínuo das aeronaves contratadas, mas, também, adicionando novas, como as outras 26 pedidas recentemente. A indústria brasileira é parte da cadeia de produção global e, quando vendermos para outros países, se beneficia disso. Tem sido um projeto fantástico, excelente.