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Congresso faz manobra para salvar orçamento secreto

Parlamento aprova resolução para mudar regras das emendas do relator e torná-las mais transparentes. Objetivo de deputados e senadores é tentar assegurar a vitória no STF, que está prestes a encerrar julgamento sobre a constitucionalidade do mecanismo

Com o Supremo Tribunal Federal (STF) prestes a decidir o destino das emendas do relator, chamadas RP9, o Congresso aprovou, ontem, a toque de caixa, um projeto de resolução (PRN) que amplia a transparência do mecanismo, conhecido como orçamento secreto. O texto vai agora para a promulgação.

Na sessão do Congresso, o substitutivo do senador Marcelo Castro (MDB-PI) ao projeto de resolução recebeu 328 votos favoráveis de deputados, 64 contrários, e houve quatro abstenções. Entre os senadores, a matéria teve aval de 44 — 20 foram contra, e houve duas abstenções. Agora, os parlamentares aguardam o término do julgamento do STF sobre a constitucionalidade das emendas do relator. O placar está em 5 x 4 pela inconstitucionalidade das RP9 — a avaliação será retomada na Corte na segunda-feira, restando os votos dos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Caso o Supremo decida que as emendas são ilegais, o projeto de resolução perde sua validade, e os cerca de R$ 20 bilhões destinados às RP9 serão remanejados por Marcelo Castro, que também é relator-geral do Orçamento.

Conforme define o PRN, os critérios de divisão dos R$ 19,4 bilhões das emendas do relator serão os seguintes: as mesas diretoras de Câmara e Senado ficarão com 15% do valor total das emendas, sendo 7,5% para cada uma; a Comissão Mista de Orçamento (CMO) terá 5%; e os 80% restantes serão divididos proporcionalmente por partido, de acordo com suas bancadas (23,33% reservados para indicações dos senadores e 56,66%, para os deputados federais). Antes da aprovação do projeto, o relator-geral do Orçamento era responsável por definir para quem liberaria os recursos, observando apenas critérios políticos.

"Com essa resolução, estamos atendendo os princípios da administração pública: isonomia, equidade, impessoalidade, publicidade. Esses recursos serão distribuídos equitativamente, as bancadas partidárias na proporção do seu número de parlamentares. Tenho dado exemplo: se uma bancada tem 10 parlamentares, serão destinados para ela 10 X. A bancada que tem 100 parlamentares receberá 100 X", explicou Castro.

O senador argumentou que as mesmas características presentes no processo de execução das emendas individuais serão aplicadas nas RP9. Ele ainda enfatizou que o mecanismo é prerrogativa do Congresso. "Decisão do Supremo não se discute, cumpre-se. O que decidiu está decidido", disse, comentando uma possível decisão contrária às RP9. "Não sou jurista, mas entendo que temos a prerrogativa, o Congresso Nacional, de fazer as emendas do relator. Assim como temos as prerrogativas de fazer emendas individuais, emendas de bancada, emendas de comissão. Acho que estamos cumprindo os preceitos constitucionais da administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência."

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Insatisfeitos

A divisão, conforme previsto no projeto, não agradou a todos os congressistas. Muitos deles defenderam que o montante das RP9 fosse dividido igualmente entre todos os parlamentares. Deputados e senadores de esquerda e de direita defenderam a aprovação de um destaque do Partido Novo para fazer valer uma emenda do senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), que pedia a partilha sem distinção de cargos entre os 513 deputados e 81 senadores.

A deputada Adriana Ventura (Novo-SP) argumentou que o PRN melhora pontos das emendas, como a exclusão da figura do "usuário externo", mas não acaba com o formato de "balcão de negócios". "Esse PRN perpetua esse balcão de negócios. Melhorou um pouquinho? Beleza, estamos no caminho de dividir um pouquinho mais, mas ainda é um balcão de negócios, porque temos valores diferentes a deputados e senadores", frisou.

O líder do PSB, deputado Elias Vaz (GO), também orientou positivamente à aprovação do destaque de Alessandro Vieira, "porque ele corrige um problema gravíssimo a esse projeto, que é manter R$ 1,5 bilhão nas mãos dos presidentes do Senado e Câmara". "É um grande absurdo, portanto entendemos que a questão da distribuição ficou um critério claro para todos os parlamentares e me parece que corrige esse problema. Não existe argumento que me pareça justo que os presidentes de Câmara e Senado tenham esse valor absurdo", criticou.

Segundo Marcelo Castro, os percentuais destinados às presidências da Câmara e do Senado fortalecem a isonomia e a equidade, pois servirão para "corrigir distorções". Além disso, haverá liberação por solicitação de deputados e senadores às respectivas mesas diretoras.

PT vota a favor do texto

Partido do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, o PT votou a favor do projeto de resolução que altera o orçamento secreto, mas mantém o mecanismo. Somente três deputados da legenda divergiram da orientação da liderança e votaram contra: Vander Loubet (MS), Henrique Fontana (RS) e Maria do Rosário (RS). No Senado, Fabiano Contarato (ES) foi o único a rejeitar o projeto em plenário.

Na campanha eleitoral, Lula criticou o orçamento secreto, prometendo que acabaria com o instrumento. Ele chegou a dizer que as emendas do relator significariam uma usurpação de atribuições do Executivo.
Lula tem mudado o discurso e até evita polêmica a respeito do tema, no esforço de evitar prejuízos à PEC da Transição.

Apoiador de Lula, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) criticou o que chamou de “incoerência brutal” do PT. “Conheço a posição do presidente Lula, é uma posição totalmente contrária à constitucionalidade da RP9. Lamentavelmente, acabei de conhecer o encaminhamento do PT, totalmente incoerente com o que pensa o seu líder”, disparou, durante a sessão.

O deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) rebateu Calheiros. Disse que a posição do senador tem a ver com a animosidade entre ele e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). “Acho estranho que o senador Renan Calheiros venha aqui tentar dar lição ao meu partido, sendo que o partido dele encaminhou sim em todos os processos de votação. Espero que o Congresso não traga para esta Casa as brigas do estado de Alagoas. O Brasil é muito maior do que os interesses pessoais do senador Renan Calheiros”, frisou.

Avaliação no Supremo

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse que em seu voto sobre o orçamento secreto levará em conta a aprovação do Projeto de Resolução do Congresso Nacional (PRN), que amplia a transparência e os critérios de execução das emendas do relator (RP9).

Ao lado do presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o ministro citou um ofício enviado pelo senador ao STF a respeito das RP9. Na mensagem, Pacheco informava que o projeto de resolução contemplava as críticas levantadas pelo Supremo a respeito das emendas.

"Tive a oportunidade de dizer, no apagar das luzes da sessão de ontem (quinta-feira), que o ofício que o sr. presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, enviou ao Supremo Tribunal Federal e a todos os gabinetes que integram a Suprema Corte, inaugurou um salutar diálogo constitucional", frisou. "Com isso, paralisamos a nossa votação em homenagem ao Congresso Nacional, e agora temos uma resolução. Estou tomando conhecimento agora de seu conteúdo e, certamente, levaremos essa resolução em consideração no julgamento da segunda-feira", destacou.

Lewandowski ressaltou que se manifestou na sessão da Corte a respeito do projeto, dizendo que "muito daquilo que estava proposta na resolução, de certa maneira, atendia às preocupações que foram ventiladas pelos ministros ao longo do julgamento". "A resolução é um fato novo e, no direito, nos procedimentos judiciais, os fatos novos têm de ser considerados." O magistrado foi ao Senado entregar a Pacheco um anteprojeto sobre a nova Lei do Impeachment.