Novo Governo

Lula em anúncio de ministros: Forças Armadas têm de ficar fora da política

Presidente eleito manda recado aos militares ao enfatizar que as três instituições não foram feitas para ter candidato. Ele confirma cinco ministros e avisa que, na terça-feira, anunciará os demais integrantes do primeiro escalão

No primeiro pacote de anúncio de ministros, ontem, na sede do governo de transição, no CCBB, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva priorizou não só as áreas consideradas estratégicas como nomes mais ligados ao PT. Até mesmo o novo ministro da Justiça, o senador eleito e ex-governador do Maranhão Flávio Dino, do PSB, é muito mais próximo do futuro chefe do Executivo do que o vice-presidente eleito e correligionário de partido Geraldo Alckmin.

Além de Dino, foram confirmados os novos ministros da Fazenda, Fernando Haddad; das Relações Exteriores, o embaixador do Brasil na Croácia, Mauro Vieira; da Casa Civil, o governador da Bahia Rui Costa; e da Defesa, o ex-deputado e ex-presidente do Tribunal de Contas da União, José Múcio Monteiro.

Apenas o embaixador não esteve presente na entrevista coletiva convocada para o anúncio dos primeiros nomes do novo gabinete. Ele está na Croácia e embarca amanhã para o Brasil. Tem reunião marcada com Lula na segunda-feira.

Ao comentar o papel de José Múcio Monteiro na Defesa, o presidente eleito deixou bem claro o que pensa sobre o envolvimento dos militares na política. "As Forças Armadas não foram feitas para fazer política, para fazer candidatos. Quem quiser ser candidato, que se aposente e se torne candidato", avisou Lula. A principal missão no novo ministro será "pacificar" a caserna (leia reportagem abaixo).

Entre os anunciados, Fernando Haddad e Rui Costa são quadros históricos do PT. Ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação, Haddad disputou e perdeu a eleição ao governo de São Paulo para o candidato do presidente Jair Bolsonaro, o ex-ministro da Infraestrutura Tarcísio Freitas. Costa cumpre o final do mandato como governador — preferiu não disputar cargos eletivos em outubro. Ele foi um dos principais coordenadores da campanha de Lula no Nordeste, garantindo a vitória do candidato petista na Bahia com mais de 70% dos votos. E ainda fez o sucessor, elegendo Jerônimo Rodrigues para o Palácio de Ondina.

Vieira e Monteiro foram ministros em governos petistas. O primeiro voltará ao posto de chanceler, cargo que ocupou no governo de Dilma Rousseff. O ex-presidente do TCU, por sua vez, foi ministro das Relações Institucionais no segundo mandato de Lula e é considerado um dos políticos mais habilidosos de Brasília. Antes de assumir o comando da Corte de Contas, José Múcio Monteiro foi deputado federal por cinco mandatos.

"Tomei a decisão porque preciso que algumas pessoas comecem a trabalhar para montar o governo e para criar condições para que a nossa estrutura, que começa no dia 1º, comece a funcionar", explicou o presidente eleito, ao justificar os motivos que o levaram a antecipar a divulgação de ministros, prevista para começar apenas depois da diplomação pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), marcada para segunda-feira. Lula informou que, no dia seguinte à diplomação, anunciará um novo pacote, com "pelo menos o dobro" de nomes.

Nessa segunda leva, Lula prometeu incluir mulheres e negros para compor o futuro gabinete. No anúncio de ontem, o futuro chefe do Executivo reconheceu que a primeira foto dele com novos ministros só teria homens brancos. "Vai chegar uma hora em que vocês vão ver aqui mais mulheres do que homens, vai chegar uma hora em que vocês vão ver a participação de muitos companheiros afrodescendentes", destacou, aos jornalistas que acompanharam a entrevista no auditório do CCBB.

Saiba Mais

"Fanfarronices"

Lula fez questão de marcar diferença entre o que pretende fazer quando assumir o cargo e o que encontrará como legado de Bolsonaro. Para ele, o atual governo tem "um corpo muito grande e uma cabeça pequena" e preferiu "fazer fanfarronice" e "pirotecnia".

"Quando a transição terminar, vamos tentar, na maior seriedade e com a maior sobriedade, apresentar para a sociedade brasileira o que nós encontramos como resultado do atual governo. Vamos mostrar sem precisar fazer um show de pirotecnia, nós não queremos isso", frisou. "(O governo Bolsonaro) é um governo com um corpo muito grande e a cabeça muito pequena, ou seja, é um governo que não preparou a administração deste país. Um governo que preferiu fazer fanfarronice e não conseguiu resolver os problemas que um governo precisa resolver."

O futuro chefe do Executivo também falou sobre a PEC da Transição, aprovada no Senado, que abre espaço fiscal para o pagamento do Auxílio Brasil (cujo nome voltará a ser Bolsa Família) de R$ 600 mais R$ 150 para cada criança com menos de 6 anos, além de assegurar recursos para investimentos. A proposta de emenda à Constituição será apreciada na semana que vem pela Câmara. Na avaliação de Lula, não haverá problemas para aprovar o texto em definitivo.

"Já ouvi boatos de que a PEC vai ter problema na Câmara dos Deputados. Eu não acredito. Farei quantas conversas forem necessárias para que ela seja aprovada na Câmara como foi aprovada no Senado", enfatizou Lula, reafirmando que a proposta em tramitação "não é uma PEC do governo Lula, do futuro governo". "É uma PEC do governo Bolsonaro, porque é para resolver o problema do Orçamento", acrescentou, se referindo à decisão do Congresso de incluir recursos para que o atual governo honre compromissos e programas que estão sendo afetados pela falta de dinheiro no Orçamento para fechar o ano, como o Farmácia Popular, as verbas para merenda escolar e o pagamento de bolsistas do CNPq e da Capes.

O julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da constitucionalidade do chamado orçamento secreto — emendas de relator sem autoria explícita, liberadas sem transparência — também foi abordado. Ele disse que esse assunto já "estava na Suprema Corte antes das eleições, antes de ser presidente e, se está na Suprema Corte, eles (os ministros) vão pautar". "Não tenho nenhum poder de interferência para decidir quando e como vão votar", destacou.

No entendimento de Lula, as emendas devem ser liberadas com transparência e precisam estar no contexto das políticas públicas e prioridades do novo governo. Para isso, ele vai continuar dialogando com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), com o objetivo de garantir que a PEC seja aprovada do jeito que saiu do Senado.

"A emenda do deputado pode ser muito importante se ela estiver acoplada ao Orçamento e às obras preferenciais do governo. E quem decide liberar a emenda é o Poder Executivo. Todo mundo sabe que penso isso. O presidente Lira sabe que penso isso. Se tiver qualquer problema, vamos conversar. Já conversei duas vezes com o Lira e com (o presidente do Senado, Rodrigo) Pacheco (PSD-MG). Se for preciso conversar 10 vezes, converso 10 vezes", sustentou.