O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva tem, a partir do próximo ano, escolhas cruciais para o campo jurídico. Além da responsabilidade de indicar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o petista escolherá o nome do próximo procurador-geral da República, chefe do Ministério Público Federal (MPF).
Augusto Aras, atual PGR, termina o mandato em setembro de 2023, mas desde já os integrantes do governo de transição articulam o seu sucessor. Tradicionalmente, o PT acata a lista tríplice elaborada pelos procuradores do órgão. Para o jurista e cientista político Enrique Carlos Natalino, desta vez, porém, Lula tende a abandonar o costume e escolher um nome próximo de seus aliados.
"Creio que Lula estará sob duas pressões: a de seu partido e a do órgão MPF para indicação de alguém que seja mais próximo, que não crie embaraços políticos e jurídicos para o governo e ao mesmo tempo, contemple os critérios técnicos e de respeitabilidade", destacou. "O presidente terá de ser muito bem assessorado na área jurídica", ressaltou Natalino.
O analista político Mellilo Dinis partilha do mesmo entendimento. "O MPF tem muitos desafios. Um deles é saber como será a definição do novo PGR. Na minha aposta, Lula não adotará a lista tríplice, que é tradição, mas não uma obrigação. Os nomes devem sair de um setor mais próximo dos temas coletivos e dos direitos humanos", apontou.
A elaboração da lista tríplice não é prevista na Constituição, mas é bem vista entre as entidades de classe. Depois de ser escolhido pelo chefe do Executivo, o indicado ao cargo também deve passar por uma sabatina no Senado Federal para receber o aval dos parlamentares, por meio da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Os procuradores dos governos do PT Claudio Lemos Fonteneles (2003-2005), Antonio Fernando Barros e Silva de Souza (2005-2009) e Roberto Gurgel (2009-2013) saíram da lista do MPF — promessa de campanha de Lula na época, de prestigiar a independência do órgão, em contraste com as indicações do governo de Fernando Henrique Cardoso, que só teve um procurador-geral da República: Geraldo Brindeiro. Indicado quatro vezes ao cargo, ele ficou oito anos à frente da PGR e chegou a ser chamado de "engavetador-geral da República".
Em 2013, Rodrigo Janot foi o escolhido da ex-presidente Dilma Rousseff e também veio de uma lista tríplice. Ele venceu eleição interna da Procuradoria para ser reconduzido à função em agosto de 2015. Sua sucessora, Raquel Dodge (2015-2019), foi nomeada pelo ex-presidente Michel Temer — que também seguiu a indicação dos procuradores do MPF.
No governo de Jair Bolsonaro, o PGR foi escolhido sem as sugestões da classe. A indicação foi a primeira desde 2003 a não escolher um dos nomes da lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), com os candidatos mais votados pela categoria.
Críticas
Segundo a Constituição, o chefe do Ministério Público Federal "representa os interesses da União e fiscaliza a execução e o cumprimento da lei em todos os processos sujeitos a seu exame". O cargo é, dentre as indicações privativas do presidente da República, um dos mais estratégicos. O ocupante fica autorizado a questionar a constitucionalidade de leis, pedir intervenção federal, entre outros encaminhamentos.
Lula tem dado sinais de que pretende indicar para a PGR alguém com perfil conciliador, a exemplo dos nomes recomendados para os ministérios até agora. A gestão de Augusto Aras foi marcada por críticas e até mesmo comparações a Geraldo Brindeiro.
"Augusto Aras não inova na forma de atuação da chefia do MP e, também, não esteve sem apoio. É importante lembrar como atuou a PGR durante todo o governo de Fernando Henrique, que sempre manteve Geraldo Brindeiro na PGR, chamado de 'engavetador-geral'", frisou o cientista político Rafael Rodrigues Viegas, doutor em administração pública e Governo pela Fundação Getulio Vargas (FGV).
Viegas também critica a elaboração de lista tríplice da classe. "A lista que foi seguida pelos governos petistas foi elaborada por uma associação privada (ANPR), que representa interesses corporativos dos procuradores. Uma forma de constranger o presidente da República a se curvar diante de uma poderosa burocracia, como é o MPF, que muitos estudos internacionais e nacionais mostram que sofre com déficit de accountability democrática", afirmou.
O especialista avalia que o acolhimento da lista se mostrou um erro. "Os excessos e abusos praticados por integrantes do MPF, como visto na Lava Jato, não foram coibidos e os responsáveis não foram punidos até hoje", concluiu.
"O costume, até então adotado, parecia democrático, já que poderia ser visto como uma liberdade concedida aos Procuradores de elegerem seu chefe. O nome apenas era simplesmente 'legitimado' pelo Presidente da República", observou o cientista político Uriã Fancelli.
"E isso teve um preço, que pode ser ilustrado com dois exemplos: a denúncia do Mensalão, que partiu de Antonio Fernando de Souza, quando se tornou PGR de Lula, que condenou petistas notórios como José Dirceu, e segundo, com Rodrigo Janot, o último PGR de Dilma, que fez denúncias contra a cúpula do PT na Lava Jato", completou Fancelli.
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