Embora não estejam na mesma página quanto à constitucionalidade do indulto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro e considerem esse tipo de decreto uma prática essencial, juristas criticaram a especificidade do perdão e também a possibilidade de abarcar um evento de importante dimensão humanitária, como a do Massacre do Carandiru. "A gente tem, historicamente, nesse caso do Carandiru, um problema de falta de responsabilização estatal grave. É muito problemático. É um escárnio o que faz o presidente Bolsonaro", avaliou Luisa Ferreira, professora da FGV e pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre o Crime e a Pena.
Para Bianca Tavolari, professora de direito do Insper, o indulto "passa uma mensagem de que nós, enquanto sociedade, não responsabiliza agentes estatais por tortura e execução", argumentou.
"Na perspectiva de um sistema carcerário humano, que realmente consiga devolver pessoas melhores do que aquelas que foram porta adentro, a gente tem um episódio muito lamentável que teve e parece que vai ter seu destino selado sem que os responsáveis pelos excessos cometidos sejam de fato punidos ou absolvidos", acrescentou Rômulo Luis Veloso de Carvalho, professor de direito penal e defensor público do Estado de Minas.
Já Thiago Bottino, professor da FGV Rio, avaliou que esse tipo de decreto não deve ser "particularizado", pois assim o indulto perde seus efeitos esperados, de desafogar o sistema carcerário e também dar um bônus ao bom comportamento. "E, por um segundo ponto de vista, acho que você não deve indultar casos que não chegaram ainda ao início concreto da pena", ressaltou.
Luisa Ferreira lembrou que só recentemente, em novembro, os agentes foram efetivamente considerados condenados. E reforçou que, por mais que haja a extinção da pena com o indulto, isso não muda o fato de que o sistema de Justiça "entendeu definitivamente que houve o massacre e esses policiais militares cometeram o crime de homicídio qualificado".
Apesar de apontar serem atípicos indultos tão específicos, Bottino acredita que não cabe discussão judicial, pois o decreto é constitucional. "O presidente tem a prerrogativa de estabelecer essa regra, não é uma lei votada pelo Congresso. A única forma que o Judiciário poderia modificar é se identificasse um vício formal, mas o Judiciário não pode modificar a escolha do presidente", enfatizou.
Luisa Ferreira e Rômulo Carvalho, por outro lado, destacam que há possibilidade, por diferentes motivos, de o decreto ser questionado judicialmente, embora sejam reticentes em cravar se o decreto é ou não constitucional. Luisa acredita que a especificidade pode ser um ponto de questionamento e deve causar debate. "Tem uma discussão de que o indulto tem de ser coletivo, ou seja, ele não pode ser individualizado. Ele não é como a anistia ou a graça (concedida) ao Daniel Silveira", disse, em referência ao deputado indultado por Bolsonaro.
Por outro lado, Rômulo destacou que a convencionalidade do decreto pode ser questionada. "Quer dizer, esse decreto de indulto está em harmonia com as convenções internacionais que o Brasil se obrigou a cumprir?", indagou o defensor público.
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