Mesmo com a decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que abre caminho para que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva financie o Bolsa Família de R$ 600 com a abertura de crédito extraordinário por meio de medida provisória, o "plano A" do governo eleito para ampliar o Orçamento de 2023 continua a ser a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição. Isso porque a decisão do magistrado é insuficiente para acomodar outras promessas de campanha do petista.
A liminar do ministro do STF, que retira os recursos para turbinar o programa social do teto de gastos — regra que limita o crescimento das despesas à variação da inflação —, ocorre em meio à dificuldade do governo eleito de negociar a PEC na Câmara.
Nos bastidores, parlamentares do Centrão pressionam por cargos na Esplanada dos Ministérios em troca de apoio à proposta, acirrando a queda de braço entre Lula e o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). O governo eleito não tem ainda os 308 votos necessários para a aprovação da PEC.
O texto aprovado no Senado amplia o teto de gastos em R$ 145 bilhões para bancar o Bolsa Família e permite R$ 23 bilhões em despesas fora da regra fiscal para investimentos. A PEC, porém, permite ainda outras exceções ao teto, que elevam o impacto fiscal a R$ 193,7 bilhões, segundo cálculos do Tesouro Nacional.
A decisão de Gilmar permite que o futuro governo aumente o programa social de R$ 400 para R$ 600 fora do teto de gastos, mas não abre recursos para que Lula financie outras promessas de campanha, como o benefício extra de R$ 150 por criança de até seis anos e a recomposição de verbas para programas como o Farmácia Popular e o Minha Casa Minha Vida.
A decisão do governo eleito de manter a aposta da PEC foi confirmada pelos futuros ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e da Casa Civil, Rui Costa. "É muito importante dar conforto para as famílias de que não haverá nenhum tipo de prejuízo do programa mais exitoso criado pelo presidente Lula de transferência de renda. Mas vamos perseverar no caminho da institucionalidade e da boa política", disse Haddad. "Eu sempre jogo no plano A, que é o que dá robustez, indica um caminho."
Como a liminar de Gilmar dá segurança jurídica para o governo eleito abrir um crédito extraordinário para complementar o pagamento de R$ 600 — valor avaliado em R$ 52 bilhões —, se a PEC for aprovada da forma como passou pelo Senado, a medida provisória liberaria esse montante do Orçamento, que poderia, então, ser realocado.
Por causa disso, haverá pressão para "desidratar" o valor da proposta na Câmara ou para diminuir o prazo de validade da PEC — de dois para um ano. Dirigentes do Centrão só concordam em aprovar o valor solicitado pelo presidente eleito se o grupo ganhar ministérios e cargos e controlar as verbas liberadas pela proposta. Articuladores dizem que a cifra aprovada será proporcional às entregas do petista aos políticos.
"O despacho do ministro Gilmar Mendes resolve a emergência da PEC. Agora, não sei se há necessidade da PEC", afirmou o líder do governo Bolsonaro na Câmara, Ricardo Barros (PP-AL). "Vai depender do governo eleito, se quer esses recursos além do programa social e se quer articular para aprovar no Parlamento."
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Segurança
Na avaliação da procuradora Élida Graziane, a decisão de Gilmar Mendes é uma alternativa que resguarda o direito constitucional frente à imprevisibilidade de custeio no Orçamento do próximo ano, "haja vista a dotação orçamentária aquém do necessário em meio à transição de governo, bem como a urgência em manter a renda básica a que se refere o parágrafo único do artigo 6? da Constituição Federal, em face da severa insegurança alimentar de milhões de brasileiros". Ela destacou que o entendimento do magistrado "permite o custeio suficiente do direito à renda básica, em vez de termos alterações praticamente semestrais de fura-teto".
"A segurança jurídica de uma PEC para alterar o teto de forma mais ampla é inquestionável", explicou Graziane. "A opção pela PEC da Transição, nesse sentido, visa abrir um espaço fiscal maior do que apenas resguardar o custeio do Programa Bolsa Família, o que tende a permitir a correção de diversas insuficiências no PLOA-2023 (Projeto de Lei Orçamentária Anual) para as demais políticas públicas." A procuradora defender que o teto de despesas primárias seja revisto estruturalmente. "A fome de milhões de brasileiros não pode mais servir de barganha contingente na relação entre Executivo e Legislativo."
O cientista político Danilo Morais analisou a decisão como "controversa". "É no mínimo controverso o emprego dessa solução, do ponto de vista fiscal e jurídico, já que os gastos não parecem 'imprevisíveis', e evidência disso é que o Congresso vem revolvendo a matéria, com idas e vindas, do auxílio emergencial ao Auxílio Brasil, desde o início da pandemia", destacou.
Morais vê a PEC da Transição como uma medida mais adequada. Até porque, a MP não resolve outros gastos que Lula quer liberar. "Faltariam recursos essenciais para questões como o reajuste do salário mínimo acima da inflação, do funcionalismo, as demandas de obras de infraestrutura, o adicional ao Bolsa Família a ser pago por criança, entre outras despesas", listou Morais.
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Petistas falam em "fortalecimento"
O futuro ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), enfatizou, ontem, que o novo governo continua trabalhando pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, apesar da decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, que estabeleceu que os pagamentos do Bolsa Família não estão limitados pelo teto de gastos.
"A turma está negociando. O plano A, B e C é a aprovação da PEC", afirmou Costa, no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), onde funciona o governo de transição. "(A decisão de Gilmar) fortalece o plano A", completou.
O STF também concluiu o julgamento do orçamento secreto ontem, declarando o instrumento inconstitucional.
Questionado se as decisões do Supremo mudam a relação de forças entre o novo governo e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), Costa respondeu que "não se trata de medição de forças, mas de diálogo". "Vamos continuar dialogando", acrescentou.
Costa ainda repetiu que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve anunciar ainda nesta semana "a maioria" dos ministros que falta para completar o governo que toma posse em 1º de janeiro.
O deputado Paulo Pimenta (PT-RS) também festejou a decisão do magistrado do STF. "Acerta o ministro Gilmar Mendes em retirar os recursos para o Bolsa Família do teto de gastos. Garantir dignidade para quem mais precisa é a principal função do estado. Sem dúvida esta é uma grande conquista que garante com que Lula cumpra sua promessa de campanha", escreveu.
Já o deputado federal reeleito bolsonarista Carlos Jordy (PL-RJ) criticou a decisão de Gilmar Mendes. "STF tira do teto de gastos o Bolsa Família. Com isso, a PEC da Transição perde razão de existir. O Supremo fechou o Congresso Nacional", disparou. "Parabéns pela omissão Rodrigo Pacheco e Arthur Lira (presidentes do Senado e da Câmara, respectivamente). O espaço deixado pelo Legislativo, ao não agir e não se respeitar, foi ocupado pelo STF", emendou. (com Agência Estado)
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