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Decisão do STF sobre o orçamento secreto reduz o poder de Lira

Por maioria, Supremo declara que as RP9 são inconstitucionais. Voto decisivo foi do ministro Ricardo Lewandowski, que seguiu a relatora, Rosa Weber, pela ilegalidade do mecanismo. Para Centrão, Corte mostra alinhamento com Lula

Luana Patriolino
postado em 20/12/2022 03:55
 (crédito: Rosinei Coutinho/SCO/STF)
(crédito: Rosinei Coutinho/SCO/STF)

Na última sessão plenária do ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para derrubar um instrumento usado pelo Centrão para negociar com o governo federal. A execução das emendas de relator, o chamado orçamento secreto, foi declarada inconstitucional pelos ministros, ontem, em um placar apertado: 6 x 5.

O julgamento havia sido interrompido na semana passada com nove votos: cinco contra as emendas e quatro a favor. A discussão foi retomada com o voto do ministro Ricardo Lewandowski. Ele acompanhou a relatora da ação, ministra Rosa Weber, e formou maioria colegiada para derrubar a prática. O decano Gilmar Mendes foi o último a se posicionar e entendeu pela constitucionalidade da distribuição dos recursos.

No relatório que apresentou, na semana passada, Rosa Weber, presidente do STF, disse que o pagamento das RP9, nome técnico dos recursos, é "recoberto por um manto de névoas". Ela criticou a falta de transparência e os problemas no sistema do Congresso para acessar os dados dos recursos. "Não se sabe quem são os parlamentares, as quantias e não existem critérios objetivos para realização das despesas, tampouco observam regras de transparência. Nem mesmo o Congresso e o Ministério da Economia foram capazes de identificar, nesses autos, os ordenadores das despesas registradas sob o classificador RP9, ou os critérios, ou obras, serviços e bens ou objetivos vinculados ao planejamento orçamentário alcançados sobre esses recursos", enfatizou.

Além de Lewandowski, acompanharam a relatora Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Luiz Fux. Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli entenderam que a emenda de relator é constitucional, mas precisa de maior transparência e regras de proporcionalidade por partidos e necessidades dos estados e municípios. Já André Mendonça e Kassio Nunes Marques votaram pela liberação dos recursos.

Na semana passada, o Congresso tentou evitar que o STF decidisse pela inconstitucionalidade das RP9. Parlamentares aprovaram, a toque de caixa, um projeto de resolução que alterava as regras do orçamento secreto. No entanto, para a maioria dos ministros, as medidas ainda são insuficientes para garantir a legalidade da divisão dos recursos.

No ano passado, Weber suspendeu o orçamento secreto devido à falta de clareza quanto à destinação dos recursos. Depois, liberou as emendas e cobrou que os parlamentares garantissem mais transparência. As informações passaram a ser publicadas pela Comissão Mista de Orçamento, mas o sistema dificulta o acesso aos dados. A página também não mostra qual político está apadrinhando cada transferência de recursos.

O caso voltou às mãos do STF após os partidos Cidadania, PSB, PSol e PV protocolarem ações questionando a constitucionalidade das emendas. As legendas também apontaram que os recursos só podem ser usados como instrumento técnico pelo relator do Orçamento para ajustes no projeto da lei orçamentária.

PGR recua

Após a decisão do STF, o procurador-geral da República, Augusto Aras, mudou a posição do órgão sobre as emendas de relator. Ele pediu a palavra no julgamento para anunciar a adesão ao voto de Rosa Weber. "Parece-me relevante registrar que o Ministério Público Federal, na sessão de sustentação oral, acompanhou Vossa Excelência, alterando a sua posição inicial em sede de cognição incompleta, daí porque o procurador-geral, nesta assentada, requer a Vossa Excelência que conste em ata essa mudança de posicionamento", alegou Aras.

O novo posicionamento é bem diferente da fala da vice-PGR, Lindôra Araújo, da semana passada. No início do julgamento, ela defendeu a constitucionalidade do orçamento secreto e disse que o STF não deveria ser um "palco político". "O Supremo, neste momento, não é um palco político. Ele não deveria, como foi feito durante todas as sustentações, apenas uma crítica ao Congresso Nacional", afirmou, na ocasião.

Supremo reduz poder de Lira

O veredicto do Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou inconstitucional o orçamento secreto, foi visto por líderes do Centrão como uma ação coordenada entre a Corte e o futuro governo para favorecer o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e tirar a força do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

A constatação veio na esteira de uma liminar (decisão provisória) concedida anteontem à noite por Gilmar Mendes, menos de 24 horas antes do julgamento. O ministro do STF decidiu que o dinheiro necessário para bancar o Bolsa Família deve ficar fora do teto de gastos. Com isso, criou uma vacina contra o possível troco de Lira na direção de Lula quando a Câmara for votar, hoje, a PEC da Transição (leia reportagem na página 3).

Em conversas reservadas, ontem, Lira disse ter visto interferência de Lula no voto do ministro Ricardo Lewandowski, que formou maioria contra o orçamento secreto. À noite, o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi ao encontro de Lira para evitar a implosão da PEC.

"O recurso vai continuar no Orçamento e vai ser destinado pelos próprios parlamentares", disse Haddad. "Precisamos, neste momento, que o Congresso compreenda que aquilo que foi contratado com a sociedade tem de ser pago. Não me parece que na Câmara haja razões para (a votação) ser muito mais difícil do que no Senado", completou. Lira pretende agora abrigar o orçamento secreto nas emendas de comissão.

Próximo de Lula, Lewandowski era tido como fiel da balança no julgamento, que havia sido interrompido a seu pedido, na quinta-feira, quando o placar estava em cinco a quatro. Ontem, só ele e Gilmar Mendes ainda precisavam votar.

"Apesar dos esforços, o Congresso não conseguiu se adequar às exigências da Suprema Corte", disse Lewandowski, ao acompanhar o voto da relatora, ministra Rosa Weber. Na semana passada, a magistrada definiu o orçamento secreto como um dispositivo "à margem da legalidade". Além disso, ela cobrou os nomes dos parlamentares que enviaram quantias milionárias a redutos eleitorais e também dos beneficiados, além de critérios para a distribuição de recursos. O STF deu 90 dias para a publicação de dados relacionados a obras e compras feitas com o dinheiro, de 2020 até este ano.

O Centrão foi surpreendido com o desfecho do julgamento porque, na sexta-feira, Lewandowski havia dito, em reunião com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que as mudanças feitas pelo Congresso em um projeto de resolução para "disciplinar" a distribuição de emendas seriam consideradas na Corte.

Entenda o caso

O que é o orçamento secreto

É o nome dado às emendas parlamentares, cuja distribuição dos recursos cabe ao relator geral do Orçamento. Esse mecanismo, sem critérios de transparência, passou a ter a constitucionalidade questionada pela sociedade civil e pelo Judiciário.

Valor empenhado

No Orçamento de 2023, estão empenhados R$ 19,4 bilhões para esse mecanismo. A quem interessa O orçamento secreto virou instrumento de barganha política entre o Centrão e o Palácio do Planalto sob o governo de Jair Bolsonaro. É por meio da distribuição de emendas bilionárias, sem qualquer critério técnico, prioritário ou transparente, que o Planalto vinha negociando apoio no Congresso.

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