Na última sessão plenária do ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para derrubar um instrumento usado pelo Centrão para negociar com o governo federal. A execução das emendas de relator, o chamado orçamento secreto, foi declarada inconstitucional pelos ministros, ontem, em um placar apertado: 6 x 5.
O julgamento havia sido interrompido na semana passada com nove votos: cinco contra as emendas e quatro a favor. A discussão foi retomada com o voto do ministro Ricardo Lewandowski. Ele acompanhou a relatora da ação, ministra Rosa Weber, e formou maioria colegiada para derrubar a prática. O decano Gilmar Mendes foi o último a se posicionar e entendeu pela constitucionalidade da distribuição dos recursos.
No relatório que apresentou, na semana passada, Rosa Weber, presidente do STF, disse que o pagamento das RP9, nome técnico dos recursos, é "recoberto por um manto de névoas". Ela criticou a falta de transparência e os problemas no sistema do Congresso para acessar os dados dos recursos. "Não se sabe quem são os parlamentares, as quantias e não existem critérios objetivos para realização das despesas, tampouco observam regras de transparência. Nem mesmo o Congresso e o Ministério da Economia foram capazes de identificar, nesses autos, os ordenadores das despesas registradas sob o classificador RP9, ou os critérios, ou obras, serviços e bens ou objetivos vinculados ao planejamento orçamentário alcançados sobre esses recursos", enfatizou.
Além de Lewandowski, acompanharam a relatora Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Luiz Fux. Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli entenderam que a emenda de relator é constitucional, mas precisa de maior transparência e regras de proporcionalidade por partidos e necessidades dos estados e municípios. Já André Mendonça e Kassio Nunes Marques votaram pela liberação dos recursos.
Na semana passada, o Congresso tentou evitar que o STF decidisse pela inconstitucionalidade das RP9. Parlamentares aprovaram, a toque de caixa, um projeto de resolução que alterava as regras do orçamento secreto. No entanto, para a maioria dos ministros, as medidas ainda são insuficientes para garantir a legalidade da divisão dos recursos.
No ano passado, Weber suspendeu o orçamento secreto devido à falta de clareza quanto à destinação dos recursos. Depois, liberou as emendas e cobrou que os parlamentares garantissem mais transparência. As informações passaram a ser publicadas pela Comissão Mista de Orçamento, mas o sistema dificulta o acesso aos dados. A página também não mostra qual político está apadrinhando cada transferência de recursos.
O caso voltou às mãos do STF após os partidos Cidadania, PSB, PSol e PV protocolarem ações questionando a constitucionalidade das emendas. As legendas também apontaram que os recursos só podem ser usados como instrumento técnico pelo relator do Orçamento para ajustes no projeto da lei orçamentária.
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PGR recua
Após a decisão do STF, o procurador-geral da República, Augusto Aras, mudou a posição do órgão sobre as emendas de relator. Ele pediu a palavra no julgamento para anunciar a adesão ao voto de Rosa Weber. "Parece-me relevante registrar que o Ministério Público Federal, na sessão de sustentação oral, acompanhou Vossa Excelência, alterando a sua posição inicial em sede de cognição incompleta, daí porque o procurador-geral, nesta assentada, requer a Vossa Excelência que conste em ata essa mudança de posicionamento", alegou Aras.
O novo posicionamento é bem diferente da fala da vice-PGR, Lindôra Araújo, da semana passada. No início do julgamento, ela defendeu a constitucionalidade do orçamento secreto e disse que o STF não deveria ser um "palco político". "O Supremo, neste momento, não é um palco político. Ele não deveria, como foi feito durante todas as sustentações, apenas uma crítica ao Congresso Nacional", afirmou, na ocasião.
Supremo reduz poder de Lira
O veredicto do Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou inconstitucional o orçamento secreto, foi visto por líderes do Centrão como uma ação coordenada entre a Corte e o futuro governo para favorecer o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e tirar a força do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
A constatação veio na esteira de uma liminar (decisão provisória) concedida anteontem à noite por Gilmar Mendes, menos de 24 horas antes do julgamento. O ministro do STF decidiu que o dinheiro necessário para bancar o Bolsa Família deve ficar fora do teto de gastos. Com isso, criou uma vacina contra o possível troco de Lira na direção de Lula quando a Câmara for votar, hoje, a PEC da Transição (leia reportagem na página 3).
Em conversas reservadas, ontem, Lira disse ter visto interferência de Lula no voto do ministro Ricardo Lewandowski, que formou maioria contra o orçamento secreto. À noite, o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi ao encontro de Lira para evitar a implosão da PEC.
"O recurso vai continuar no Orçamento e vai ser destinado pelos próprios parlamentares", disse Haddad. "Precisamos, neste momento, que o Congresso compreenda que aquilo que foi contratado com a sociedade tem de ser pago. Não me parece que na Câmara haja razões para (a votação) ser muito mais difícil do que no Senado", completou. Lira pretende agora abrigar o orçamento secreto nas emendas de comissão.
Próximo de Lula, Lewandowski era tido como fiel da balança no julgamento, que havia sido interrompido a seu pedido, na quinta-feira, quando o placar estava em cinco a quatro. Ontem, só ele e Gilmar Mendes ainda precisavam votar.
"Apesar dos esforços, o Congresso não conseguiu se adequar às exigências da Suprema Corte", disse Lewandowski, ao acompanhar o voto da relatora, ministra Rosa Weber. Na semana passada, a magistrada definiu o orçamento secreto como um dispositivo "à margem da legalidade". Além disso, ela cobrou os nomes dos parlamentares que enviaram quantias milionárias a redutos eleitorais e também dos beneficiados, além de critérios para a distribuição de recursos. O STF deu 90 dias para a publicação de dados relacionados a obras e compras feitas com o dinheiro, de 2020 até este ano.
O Centrão foi surpreendido com o desfecho do julgamento porque, na sexta-feira, Lewandowski havia dito, em reunião com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que as mudanças feitas pelo Congresso em um projeto de resolução para "disciplinar" a distribuição de emendas seriam consideradas na Corte.
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Entenda o caso
O que é o orçamento secreto
É o nome dado às emendas parlamentares, cuja distribuição dos recursos cabe ao relator geral do Orçamento. Esse mecanismo, sem critérios de transparência, passou a ter a constitucionalidade questionada pela sociedade civil e pelo Judiciário.
Valor empenhado
No Orçamento de 2023, estão empenhados R$ 19,4 bilhões para esse mecanismo. A quem interessa O orçamento secreto virou instrumento de barganha política entre o Centrão e o Palácio do Planalto sob o governo de Jair Bolsonaro. É por meio da distribuição de emendas bilionárias, sem qualquer critério técnico, prioritário ou transparente, que o Planalto vinha negociando apoio no Congresso.
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