A troca de governo de forma pacífica parece ser o menor dos obstáculos para o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de acordo com os palestrantes do seminário Desafios 2023 — o Brasil que queremos, realizado ontem, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, com mediação dos jornalistas Vicente Nunes e Denise Rothenburg. O cenário abordado por economistas, autoridades e integrantes da transição, nos quatro painéis temáticos — Responsabilidade fiscal e social, O crescimento passa pela infraestrutura, Educação: a sociedade quer ser ouvida, e A saúde como fonte de sustentabilidade da nação — e nas três apresentações especiais, é bastante desafiador para o novo governo.
Lula herdará do presidente Jair Bolsonaro (PL) uma economia que não decola e que voltará a crescer pouco — as projeções do mercado são de alta inferior a 1% no Produto Interno Bruto (PIB) de 2023 —, com o freio de mão puxado pelos juros básicos nos maiores patamares desde 2016, de 13,75% ao ano. Além disso, precisará lidar com um Orçamento que não tem espaço fiscal para todas as promessas de campanha.
Aliar a responsabilidade fiscal com a social não será uma tarefa fácil, de acordo com os palestrantes. Na avaliação deles, o caminho para melhorar as contas públicas, gerar emprego e elevar a qualidade de vida dos brasileiros será via crescimento econômico. E, para isso, há necessidade de atrair investimentos privados em infraestrutura, aprimorar a qualidade da educação para reduzir a desigualdade social e aumentar a produtividade, e olhar com mais atenção para a saúde pública.
A grande esperança dos participantes é de que a saúde e a educação sejam mesmo prioridade, e não apenas discurso eleitoreiro. Nesse sentido, o foco na educação básica também será fundamental para o país conseguir sair da armadilha da renda média baixa na qual está preso há décadas.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que tramita no Congresso para ampliar o limite do teto de gastos em R$ 168 bilhões — e, assim, ajudar o novo governo a cumprir algumas promessas —, é a cereja do bolo da destruição do arcabouço fiscal atual, que precisará ser revisto pelo novo governo. Uma âncora crível e que recupere a credibilidade das regras fiscais será fundamental, de acordo com os especialistas. E, como não basta aumentar gastos, Lula e sua equipe precisarão começar a apontar onde pretendem cortar despesas para abrir espaço fiscal para as novas despesas. Os palestrantes alertaram que, se o novo governo não convencer que vai ter zelo com o dinheiro, não conseguirá atrair investimento estrangeiro.
Na abertura do seminário, Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, foi categórico ao afirmar ter muita preocupação com o cenário macroeconômico atual, em que a política fiscal está na contramão da política monetária. Ele ainda fez um alerta diante de toda a expansão fiscal que está sendo programada e que pode fazer com que o deficit primário em 2023 fique perto de 2% do PIB. E, mesmo com a necessidade de um novo arcabouço fiscal, como já sinalizou o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o governo precisará fazer um ajuste fiscal, seja pelo lado da receita (aumento de imposto), seja pelo de gasto (corte de despesas). "Vamos ter que fazer algum ajuste. Não vamos nos iludir. Não existe mágica", frisou.
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Sem âncoras fiscais
Fraga chamou a atenção para a falta de regras fiscais que se sustentem e sejam cumpridas. Ele lembrou que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), de 2001, apesar de ter sido especialmente bem desenhada, "não sobreviveu". E o teto de gastos, introduzido em 2016, "não cumpre mais a sua missão". "Hoje, estamos em uma situação muito preocupante. As âncoras do lado fiscal se foram", lamentou. Na retomada do crescimento, o ex-presidente do BC apontou como prioridades os investimentos em infraestrutura e a abertura comercial. "O Brasil é uma economia fechada, que não tem servido para nada", afirmou.
A credibilidade será fundamental para que pequenos, médios e grandes empresários tenham confiança para investir no país, como bem lembrou o ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, na abertura do painel especial sobre o assunto.
Meirelles, que chefiou a equipe econômica responsável pela criação do teto de gastos, aprovado em 2016 e implementado desde 2017, defendeu que o novo arcabouço fiscal também continue focando a despesa, porque dívida e PIB, como ocorre em algumas propostas, fogem do controle do governo. O ex-ministro foi enfático ao criticar a falta de contrapartidas na PEC da Transição e defendeu um arcabouço fiscal centrado na despesa, como o teto de gastos que ele ajudou a construir.
O encerramento do evento foi feito pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), que, em seu breve discurso, pregou a pacificação do país (leia abaixo). A seguir, nas próximas páginas deste caderno, os destaques do seminário realizado pelo Correio em parceria com Interfarma, Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes), Brasal, Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) e Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI).
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