DITADURA

AI-5 faz 54 anos nesta terça; entenda por que data não deve ser comemorada

O decreto — que determinou o fechamento do Congresso e a perseguição a opositores — ocorre um dia após atos de vandalismo, em Brasília, contra a democracia

Francisco Artur
postado em 13/12/2022 18:22 / atualizado em 13/12/2022 18:23
Pessoas durante sessão da Câmara dos Deputados no dia 12 de dezembro de 1968, um dia antes do fechamento da Casa legislativa -  (crédito:  Arquivo CB/D.A Press)
Pessoas durante sessão da Câmara dos Deputados no dia 12 de dezembro de 1968, um dia antes do fechamento da Casa legislativa - (crédito: Arquivo CB/D.A Press)

Assinada no dia 13 de dezembro pelo então presidente da República Artur da Costa e Silva, o Ato Institucional número 5 completa 54 anos, nesta terça-feira (13/12). O decreto é considerado o mais radical da ditadura militar (1964/1985) porque foi por meio desta ordem que o estado brasileiro fechou o Congresso Nacional e as assembleias legislativas do estados, além de, entre outras medidas antidemocráticas, institucionalizar a censura.

O AI-5 também institucionalizou a tortura contra opositores do governo. Na definição do historiador e professor da Universidade de Brasília (UnB) José Otávio Guimarães, a instituição do AI-5 foi uma tentativa de a ditadura se efetivar, de maneira "mais violenta", como sistema de governo. Esse recrudescimento da ditadura também derrubou a validade do habeas-corpus no direito à defesa, por exemplo. 

À época, o regime militar já estava em vigor por quatro anos, mas não era unanimidade. Existiam questionamentos por parte de grupos sociais acerca daquele sistema. "Não apenas os estudantes estavam descontentes com a ditadura. Outras camadas sociais também. Essa é uma data para não ser comemorada", ressalta José. 

O acadêmico também lembra do episódio da invasão dos militares à UnB, em agosto de 1968, sob o pretexto de exercer mandados de prisão a estudantes da instituição. Na ocasião, professores, funcionários e alunos foram espancados por agentes da ditadura. "Tivemos a invasão do Campus da UnB que foi extremamente violente, com forças do exército que vieram até de outros estados", explica o professor, que coordenou, quatro anos atrás, a Comissão de Memória e Verdade da universidade.

Um caso marcante desta invasão dos militares à UnB é a prisão do líder estudantil e aluno de geologia da Universidade de Brasília Honestino Guimarães. Ele foi preso quatro vezes pela ditadura. Na última detenção, ocorrida no Rio de Janeiro por agentes do Centro de Informações da Marinha (Ceninar), em outubro de 1973, os militares afirmaram que Honestino Guimarães estava desaparecido. Ainda em 2022, 54 anos após seu "desaparecimento", a família do então estudante da UnB nunca encontrou seus restos mortais.

 

 Crédito: Arquivo/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF. Estudantes detidos são acompanhados por militares durante a invasão militar à Universidade de Brasília - UnB em 1968.       Caption
Crédito: Arquivo/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF. Estudantes detidos são acompanhados por militares durante a invasão militar à Universidade de Brasília - UnB em 1968. Caption (foto: Arquivo/CB/D.A Press)

Outras ações da ditadura

Durante a ditadura militar, o AI-5 foi até o dia 13 de outubro de 1978. Neste período, as forças militares criaram os sistemas de repressão intitulados Destacamento de Operações de Informação (DOI) e o Centro de Operações de Defesa Interna (CODI). Esses aparados foram utilizados pelo regime para perseguir, prender e matar opositores.

No jornalismo, por exemplo, o caso Vladmir Herzog é um dos mais conhecidos. Então editor da TV Cultura, Vlado — como era conhecido — foi preso, torturado e assassinado por agentes do DOI-CODI, que apresentaram a versão de que o jornalista havia se suicidado. 

Na música, artistas da tropicália, como Gilberto Gil e Caetano Veloso, foram presos e exilados em 1969. Ambos moraram na Inglaterra por três anos. 


Transições e aprendizados

Mesmo após 54 anos que separam o ano de 2022 com a assinatura do AI-5, o professor José Otávio reforça que a sociedade brasileira ainda repete concepções e métodos utilizados no período militar. "Temos de enfrentar a nossa cultura histórica e temos que responsabilizar e punir quem cometeu atos contra vida democrática", defende o acadêmico.

Sobre esse perdão a crimes cometidos durante a ditadura militar, o professor se mostra crítico à Lei de Anistia, que foi um conjunto de medidas tomadas em 1979, pelo estado brasileiro, para devolver direitos políticos a opositores do regime e perdoar crimes cometidos por militares. "A Anistia foi uma espécie do política do esquecimento, foi algo para colocar panos quentes no que aconteceu na ditadura porque, em nome de uma paz e da volta à democracia, a Lei da Anistia permitiu que não punissem os crimes dos militares contra a população civil", afirma. 

O fato de não ter ocorrido a punição aos militares envolvidos em crimes na ditadura corrobora a ideia de que líderes políticos endossem atrocidades cometidas pelo governo militar. "O governo (Jair) Bolsonaro, quando chegou ao poder, em 2018, reatou com pautas autoritárias, ele trouxe militares (para) cenas políticas e tentou boicotar o esquema da democracia liberal, que prevê pesos e contrapesos, já que ele boicotou o Congresso, com o Orçamento Secreto, e o TSE (Tribunal Superior Eleitoral)", pontua José Otávio. 

Ainda no campo das transições, o professor defende que o próximo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, promova iniciativas para que a população reflita sobre a participação dos militares tanto na ditadura, como no governo de Jair Bolsonaro. "Estamos fazendo, novamente, uma transição para a democracia, no governo Lula, que terá de resgatar valores fundamentais da democracia que estão sendo ameaçados pelo governo Bolsonaro". 

Historiador e professor da UnB José Otávio Guimarães
Historiador e professor da UnB José Otávio Guimarães (foto: Arquivo pessoal)

 

Manifestação golpista

José Otávio também comentou os atos golpistas de vandalismo que permearam a capital federal, na noite desta segunda-feira (12/12). Segundo ele, embora haja semelhanças nas bandeiras políticas, a diferença entre os protestos contra a democracia e a assinatura do AI-5 é que o evento ocorrido há mais de 50 anos foi algo institucionalizado. "Não há uma relação direta com o AI-5, mas é preciso reforçar que a pauta de ontem (segunda) vem sendo estimulada pelo presidente da República. É a pauta de que Lula, mesmo vencendo as eleições, não tem lastro para exercer o poder nos próximos quatro anos", conclui.

Assim como os militares da ditadura, os arruaceiros que vandalizaram a capital federal na segunda ainda não foram punidos pelo estado. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), no entanto, os vândalos serão identificados e presos.

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  •  12/12/1968. Crédito: Arquivo/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF. Pessoas durante sessão da Câmara dos Deputados que negou o pedido de licença para processar o deputado federal Márcio Moreira Alves, no Congresso Nacional.
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    12/12/1968. Crédito: Arquivo/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF. Pessoas durante sessão da Câmara dos Deputados que negou o pedido de licença para processar o deputado federal Márcio Moreira Alves, no Congresso Nacional. Caption Foto: Arquivo CB/D.A Press
  • Historiador e professor da UnB José Otávio Guimarães
    Historiador e professor da UnB José Otávio Guimarães Foto: Arquivo pessoal
  • Historiador e professor da UnB José Otávio Guimarães
    Historiador e professor da UnB José Otávio Guimarães Foto: Arquivo pessoal
  •  Crédito: Arquivo/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF. Estudantes detidos são acompanhados por militares durante a invasão militar à Universidade de Brasília - UnB em 1968.
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    Crédito: Arquivo/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF. Estudantes detidos são acompanhados por militares durante a invasão militar à Universidade de Brasília - UnB em 1968. Caption Foto: Arquivo/CB/D.A Press
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