Nas Entrelinhas

Análise: O primeiro obstáculo de Lula é isolar a extrema-direita

Luiz Carlos Azedo
postado em 11/12/2022 03:30 / atualizado em 11/12/2022 07:49
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

É natural que todas as atenções estejam voltadas para a montagem do governo Lula e suas relações com o Congresso, mas é um equívoco tratar o presidente Jair Bolsonaro como cachorro morto, ainda que ande chorando em solenidades militares, em silêncio depressivo e com uma erisipela, um processo infeccioso da pele, que pode atingir a gordura do tecido celular, causado por uma bactéria que se propaga pelos vasos linfáticos, comum nos diabéticos, obesos e nos portadores de varizes.

Na sua primeira fala política após as eleições, na sexta-feira, Bolsonaro passou recibo da depressão, ao falar com apoiadores na saída do Palácio da Alvorada: "Estou há praticamente 40 dias calado. Dói, dói na alma. Sempre fui uma pessoa feliz no meio de vocês, mesmo arriscando a minha vida no meio do povo", disse, numa alusão à facada que levou em Juiz de Fora (MG) em 2018. Sua postura é de derrotado, Bolsonaro já não reage como aquele lutador de boxe nocauteado que se levanta querendo lutar. Mas é um erro avaliar que não tem condições de se manter como o líder de direita com ampla base popular. A pesquisa do Ipec divulgada na quinta-feira mostra isso.

No início de outubro, 35% consideravam a gestão Bolsonaro ótima ou boa. Depois, 38%, 37%, 36%, 37% e agora, 39%. Regular: 22%, 19%, 23%, 24% e 23% em duas rodadas. Quarenta e dois por cento avaliaram a administração Bolsonaro como ruim ou péssima. Depois, 41%, 39%, 40%, 40% e agora, 36%. Na primeira pesquisa de outubro, 40% aprovaram sua maneira de governar. Depois, 43%, 44%, 43%, 44% e agora, 46%. Cinquenta e cinco por cento desaprovavam a maneira como Bolsonaro conduz o país. Depois, 53%, 52%, 51%, 52% e agora, 50%.

A expectativa dos brasileiros em relação ao governo do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, segundo a mesma pesquisa, mostra que o novo governo tem margem de erro muito estreita. Dezoito por cento consideram que Lula fará um ótimo governo, 32% acham que o governo Lula será bom. Regular: 20%; ruim: 7%; péssimo: 18%; e 5% não souberam avaliar ou não responderam. Quarenta e cinco por cento responderam que este mandato será melhor que os governos anteriores de Lula; 22% afirmaram que será igual. Pior: 26%; não sabem ou não responderam: 6%.

Entretanto, a forma como Lula está montando o governo tem mais apoio hoje do que o que obteve na própria eleição. Cinquenta e oito por cento responderam que Lula está no caminho certo; 33%, no caminho errado; e 9% não sabem ou não responderam. O Ipec fez 2 mil entrevistas em 126 municípios entre os dias 1º e 5 de dezembro. A pesquisa não teve muita repercussão porque os principais atores políticos de centro e a elite econômica do país não querem mais marola em relação à posse de Lula.

Pelo contrário, as manifestações golpistas contra o resultado da eleição, que pedem intervenção militar, estão sendo esvaziadas e viraram um problema para os novos comandantes militares, que terão que pôr esse gênio de novo na garrafa. De certa forma, a agitação dentro e fora dos quartéis foi uma variável "dialética", digamos assim, para que Lula escolhesse como novo ministro da Defesa o político moderado José Múcio Monteiro, um legítimo representante da velha oligarquia pernambucana. Além disso, critério de escolha por antiguidade fez do general de Engenharia Júlio César Arruda — próximo a Bolsonaro, mas legalista —, o futuro comandante do Exército. Foi decisão acertada, pois distensiona as relações com os militares e abre caminho para a reconstrução de pontes entre as Forças Armadas e o presidente eleito.

Mais mulheres

Outra frente de distensão é a relação com o empresariado. A escolha de Fernando Haddad para o Ministério da Fazenda não agradou o mercado, que gostaria de ver no posto um economista com passagem pelo mundo financeiro. Essa escolha, porém, já estava precificada. A tripartição do atual Ministério da Economia em três pastas, com a recriação dos ministérios do Planejamento e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, permitirá um arranjo político com os setores produtivos, inclusive o agronegócio, e pode até zerar os descontentamentos com as grandes bancas.

As pesquisas mostram que isolar a extrema-direita e seu líder carismático, o "mito" Jair Bolsonaro, não será nada fácil. Passa também por uma disputa moral na sociedade, na qual a bandeira da democracia está nas mãos de Lula, mas a da ética na política continua com a extrema-direita. O que pode desequilibrar esse jogo é um bom governo. Lula precisa alterar a correlação de forças no mundo dos interesses; os da cultura e do trabalho estão firmes com o PT, desde o primeiro turno. A montagem de um governo com uma área meio empoderada, com Rui Costa na Casa Civil e Flávio Dino na Justiça, ex-governadores da Bahia e Maranhão, respectivamente, mostra que Lula pretende cuidar mais da política, auxiliado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, do que da gestão administrativa.

O sucesso do governo, porém, depende dos serviços efetivamente prestados à população. E das mulheres, que foram a força decisiva para a eleição de Lula. Sua presença na equipe ministerial não deve se restringir ao "lugar de fala" das pastas "identitárias". Por exemplo, a volta do embaixador na Croácia, Mauro Vieira, ao comando do Ministério das Relações Exteriores empurrou a fila para trás. Como chanceler, a embaixadora Maria Luiza Ribeiro Viotti, a diplomata brasileira de maior prestígio internacional, ex-chefe de gabinete do secretário-geral da ONU António Guterres e ex-presidente Conselho de Segurança da ONU, representaria as mulheres no centro do poder, sem embargo da crescente influência da primeira-dama Rosângela Lula da Silva, a Janja, nas decisões do presidente eleito, como a escolha da cantora biana Margareth Menezes para o Ministério da Cultura. 

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