A equipe do governo eleito tenta costurar com a base aliada do presidente Jair Bolsonaro (PL) um acordo para aprovar, o mais rapidamente possível, o texto da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Transição, cuja minuta foi entregue ao Congresso no último dia 16. Aquilo que, de início, parecia contar com a colaboração e boa vontade do Centrão, diante da urgência na tramitação, empacou.
A futura oposição ao governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) antecipou a ida para outro lado do balcão e já colocou os primeiros obstáculos. Na semana passada, os líderes na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), e no Senado, Carlos Portinho (PL-RJ), deixaram claro que a atual base do governo não dará todos os pontos da PEC de mão beijada ao PT.
Apesar do consenso para aprovação do Auxílio Brasil de R$ 600 — o Orçamento enviado pelo governo Bolsonaro prevê o pagamento de um benefício menor, de R$ 400 —, a equipe de Bolsonaro discorda da pretensão do governo eleito de colocar toda a verba para o benefício permanentemente fora do teto de gastos. Além disso, Barros disse durante a semana que a promessa do presidente eleito de colocar um bônus de R$ 150, no Bolsa Família, para cada criança de seis anos por família, é inviável.
Portinho, por sua vez, apontou que o Auxílio Brasil fora do teto permanentemente será "muito difícil". Fontes do atual governo afirmam que "não tem chance" de a gestão Lula conseguir apoio para aprovar a PEC nesses termos. A base bolsonarista argumenta que a PEC não pode se tornar "um cheque em branco" para o governo eleito, que atribui a formatação da proposta de emenda ao Orçamento enviado por Bolsonaro ao Congresso.
Carimbo
"É um dinheiro carimbado, não é um cheque em branco. Tem um destino, um propósito verdadeiro. O cheque em branco é mais uma alegoria para dizer que o governante sempre terá uma desculpa que vai dar para não cumprir o teto dos gastos. É mais da questão do princípio do que da quantia", explica o economista e analista político Másimo Della Justina.
Para o relator-geral do Orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI), colocar medidas fora do teto de gastos é necessário, "independentemente do vitorioso nas urnas". Ele classificou o texto remetido pelo governo de transição ao Congresso como "PEC da salvação". O parlamentar destacou, ainda, diversos pontos de defasagem que o Orçamento enviado pelo atual governo possui.
Na área da saúde, estão previstos cortes de R$ 3,3 bilhões. Programas como o Farmácia Popular, além de tratamentos para HIV e câncer, serão duramente impactados caso o Orçamento não sofra alterações. Na educação, a merenda escolar não é reajustada desde 2017 devido a um veto de Bolsonaro para corrigir tais recursos pela inflação. Também há um bloqueio de R$ 796,5 milhões para a compra de livros didáticos — cerca de 70 milhões de instrumentos de ensino para alunos e professores dos primeiros anos do ensino fundamental deixaram de ser comprados. Cerca de 12 milhões de estudantes correm o risco de iniciar as aulas em 2023 sem material didático.
Castro também faz diversas críticas ao Orçamento previsto para o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Segundo o senador, a autarquia não terá capacidade de manter as estradas com o orçamento previsto de R$ 6 bilhões. A peça orçamentária para 2023 prevê R$ 63 bilhões a menos nos gastos para despesas obrigatórias em comparação ao ano de 2016, quando o Congresso aprovou o teto de gastos no governo do presidente Michel Temer.
Negociação
Na avaliação do professor de ciência política Valdir Pucci, o governo deve conseguir colocar o Bolsa Família fora do teto de gastos, mas somente para o próximo ano. Mas ele vê espaço para negociação.
"Não será fácil. Entretanto, acredito que o governo transitório conseguirá, pelo menos, a aprovação de colocar o Bolsa Família fora do teto de gastos em 2023. Um período maior só virá com os novos parlamentares eleitos, no ano que vem, e com uma política econômica mais clara, ou seja, conseguirá para o próximo ano, mas deverá negociar mudanças mais profundas com o novo Congresso", analisou.
A tramitação da PEC começará no Senado. Castro estima que a votação na Casa ocorra dia 29. Além das divergências no Legislativo sobre o teor do texto, há pressão do mercado financeiro, que pode levar a um enxugamento ainda maior da proposta.
"Do ponto de vista econômico, os mercados, principalmente de ações, gostam de fazer dinheiro em cima de fatos políticos. Quando a bolsa reage, está especulando. Pega um fato político que não é novidade, mas aproveita isso para derrubar a bolsa para elevar o valor do dólar", explica Della Justina.
A expectativa é que a tramitação no Senado seja rápida. Na Câmara, deve ser apensada à PEC 24/2019, já sujeita à deliberação do Plenário, segundo Castro. A matéria deve ser aprovada até 16 de dezembro para ir à sanção presidencial.