Lisboa — Embalado pela passagem vitoriosa na 27ª Conferência Internacional do Clima das Nações Unidas (COP27), no Egito, onde foi a estrela principal, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva desembarca nesta sexta-feira (18/11), em Portugal com a missão de retomar as relações com o país europeu. Nos últimos quatro anos, houve um distanciamento enorme entre as duas nações, com o presidente Jair Bolsonaro não economizando nas desfeitas ao presidente português, Marcelo Rebelo de Souza. Nas duas últimas vezes em que ele esteve no Brasil, teve um almoço com o atual ocupante do Palácio do Planalto cancelado e, nas cerimônias do Sete de Setembro, foi trocado por um empresário apoiador do governo, imagem que rodou o mundo e causou aversão no Palácio de Belém.
Toda a viagem de Lula a Portugal — ele retorna para o Brasil no sábado — está sendo conduzida pelo governo português. A meta é dar ao líder brasileiro tratamento de chefe de Estado, mesmo que ele ainda não tendo tomado posse. Tanto o presidente português quanto o primeiro-ministro, António Costa, têm reiterado a satisfação de receber o petista. Ambos dizem estar com saudades do Brasil e de Lula. Além da reaproximação política entre as duas nações, Lula deve focar parte das conversas com os anfitriões no forte crescimento da comunidade brasileira em território luso. Oficialmente, há cerca de 250 mil cidadãos do Brasil com registro. Mas se acredita que esse número passe de 400 mil com os ilegais.
Há uma euforia enorme entre brasileiros, que veem Portugal como um eldorado. Mas a realidade da economia portuguesa tem levado muitos à frustração. Depois de décadas, o país europeu voltou a conviver com inflação — a taxa anualizada está acima de 9% —, os juros apontam para cima, a pobreza cresceu — 4,5 milhões de cidadãos vivem com menos que um salário mínimo por mês (705 euros, ou R$ 3,8 mil) —, os preços dos aluguéis estão impraticáveis, não há renda suficiente para se comprar uma moradia e muitos especialistas não descartam uma recessão no próximo ano. Nesse quadro que tem semelhanças com o Brasil, disparou o número de conterrâneos do petista pedindo ajuda para voltar para casa.
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Brasileiras sofrem
As brasileiras são as principais vítimas desse contexto desfavorável. Representam 53% de todos os cidadãos do Brasil que têm procurado a Organização Internacional para as Migrações (OIM) pedindo socorro para retornar de Portugal. Muitas não conseguiram emprego para se sustentarem ou se submeteram a condições sub-humana para ter o que comer. Parte desse drama tem a ver com a xenofobia. As mulheres do Brasil, muitas vezes, ainda são vistas como “putas, vagabundas, ladras de maridos”. Atos preconceituosos, que incluem o racismo, já levaram o presidente português a pedir desculpas públicas às vítimas.
Lula deve pedir mais atenção à comunidade brasileira, que tende a aumentar diante das mudanças na lei de imigração. O governo português criou um visto temporário de trabalho para cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). A licença permite que se permaneça em terras lusitanas por até 180 dias para a procura de trabalho. Na empolgação, desde o início de novembro, quase 10 mil brasileiros já cumpriram a primeira etapa do processo. Mas nada garante que todos terão sucesso e o risco de caírem na informalidade é grande. Vale lembra que, quando assumiu o primeiro mandato, em 2003, Lula convenceu as autoridades portuguesas a regularizar a situação de muitos brasileiros no país. “Sou muito grata a ele. Se estou legal em Portugal hoje, devo a ele”, diz Maria dos Santos, 46 anos.
Para Portugal, interessa muito a migração de trabalhadores, mas é evidente que a preferência é por mão de obra qualificada. Há vagas em muitas áreas, em especial, para tecnologia da informação. Os líderes portugueses também anseiam por mais investimentos brasileiros em território luso. A percepção é de que o capital brasileiro ainda resiste em apostar do outro lado do Atlântico. No Brasil, como ressalta o embaixador brasileiro em Portugal, Raimundo Carrero, os investimentos portugueses estão concentrados no setor de energia, sobretudo, de petróleo. A Galp tem US$ 6 bilhões em estoque de ativos no país e a EDP, mais de US$ 2 bilhões.
Oportunidades
Na opinião da economista Sandra Utsumi, diretora executiva do Banco Haitong, são muitas as oportunidades de negócios entre Brasil e Portugal. Ela ressalta que é crescente o interesse de instituições financeiras brasileiras em se instalar em terras lusitanas. Os bancos BTG Pactual e Itaú Unibanco já estão atuando por lá, assim como a XP investimentos. E o Banco Master está assumindo o controle do BNI Europa. A tendência é de que o comércio exterior entre as duas nações também tenha um incremento, como ressalta o ministro de Negócios Estrangeiros de Portugal, João Gomes Cravinho, que aposta tudo na retomada do acordo entre o Mercosul e a União Europeia, congelado neste último ano da gestão Bolsonaro.
Para a professora Luísa Godinho, mestre e doutora pela Universidade de Genebra, Suíça, os problemas econômicos enfrentados por Portugal e Brasil em nada devem atrapalhar as relações entre eles. Ela diz que situação semelhante se vê em outros países ocidentais, impactados, entre outros pontos, pela guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Segundo a professora Carla Guapo, da Universidade de Lisboa, os desafios na economia de Brasil e Portugal são resultados de um mundo globalizado. No entender dela, está nas mãos das instituições de cada país enfrentar os entraves e superá-los. Portugal tem a vantagem do suporte da União Europeia e de ter uma estrutura social diferente da brasileira.
Entre representantes do governo português, a ordem é centrar as conversas com Lula — que também se encontrará com cerca de 200 representantes de movimentos sociais — em uma agenda positiva, que resulte em ganhos para Brasil e Portugal. Isso passa, inclusive, pela questão ambiental, da qual Lula tratou no Egito. O ministro de Negócios Estrangeiros crê que há muitas convergências entre os dois países, especialmente no que se refere a energias renováveis. Há, ainda, muito interesse em saber qual rumo seguirá a política econômica do presidente eleito. As dúvidas em relação ao que está por vir têm provocado solavancos no Brasil, com alta do dólar e queda da Bolsa de Valores. Por mais admiração que os líderes portugueses tenham pelo brasileiro, há a preocupação que a responsabilidade fiscal prevaleça no país, para que a economia deslanche e o capital português seja bem remunerado.
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