Nas eleições de 2022, as pesquisas eleitorais foram colocadas no foco das discussões políticas em diversos momentos. Diante de resultados das urnas que fugiam do diagnóstico divulgado pelos levantamentos ao longo da campanha, os responsáveis pelos levantamentos se viram no alvo de ataques de campanhas, eleitores e até mesmo de parlamentares que chegaram a propor medidas de criminalização para quem errasse os resultados. Terminada a disputa, o Estado de Minas conversou com diretores de institutos que avaliaram o saldo final do pleito, discutiram estratégias adotadas entre os turnos e como se preparar para os anos futuros.
Após o resultado do primeiro turno, o candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), reservou parte de sua primeira fala para criticar pesquisas eleitorais. “Acho que se desmoralizou de vez os institutos de pesquisa. O Datafolha estava dando 51 a 30 e pouco, a diferença foi quatro, isso tudo ajuda a levar voto para o outro lado e isso vai deixar de existir. Até porque acho que não vão continuar fazendo pesquisa, não é possível”, disse.
Datafolhae Ipec, dois dos mais tradicionais institutos, apontavam, na véspera da votação, Bolsonaro com uma intenção de voto de 34%. Nas urnas, ele teve 43,2% dos votos. Para o cientista político e CEO do Instituto AtlasIntel, Andrei Roman, as pesquisas do primeiro turno tiveram dificuldades em realizar um recorte de renda eficiente e também foram afetadas pelo chamado ‘voto envergonhado’.
“Houve uma super representação da população mais pobre, que ganha até dois salários mínimos. Muitas pesquisas não usaram dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Em alguns casos, esse público representava mais de 50% das amostras, enquanto ela é de cerca de 30%, 35%. Houve também casos de eleitores tímidos. A Futura fez uma pesquisa que cruzava intenção de voto com o sexo dos entrevistados e dos pesquisadores e mostra uma tendência maior de declaração de votos em Bolsonaro quando o entrevistado e o entrevistador eram homens”, explica Roman, que também aponta que houve uma mobilização maior para votos em Bolsonaro e abstenção de eleitores moderados que poderiam ter votado em Lula.
O desafio da abstenção
O cientista político e CEO da Quaest Pesquisa e Consultoria, Felipe Nunes, diz que uma pausa metodológica é necessária para refletir sobre as diferenças entre os resultados das pesquisas e a votação do candidato à reeleição presidencial e que a conclusão de que os institutos não são capazes de medir voto em Bolsonaro é errada. Ele destaca que a abstenção é um desafio para conseguir um levantamento preciso.
“Todos os institutos calculam suas amostras tendo como referência os 152 milhões de pessoas registradas e aptas a votar. A distribuição de entrevistas por região, sexo e faixa de idade, por exemplo, advém do total do eleitorado como divulgado oficialmente pelo TSE, não apenas dos 118 milhões que de fato foram votar no domingo. Basta entrar no site do TSE e conferir os planos amostrais que estão registrados lá. Todos os institutos, sem exceção, registram amostras para o universo de eleitores. Não interessa se a pesquisa é domiciliar, por ponto de fluxo, por telefone ou pela internet. Todo mundo usa o total de eleitores como referência”, explica.
IMAGEM
Nunes complementa dizendo que, pelo voto ser obrigatório, muitas pessoas respondem às pesquisas como se fossem votar, mas não comparecem no dia da eleição. “É como no caso do racismo, muito pesquisado no país. Ninguém diz que é racista em uma pesquisa de opinião porque sabe que seria mal julgado por quem está fazendo a entrevista. É o mesmo que acontece com a questão da abstenção. Quase ninguém em uma pesquisa admite que não vai votar. Os resultados obtidos na pesquisa continuam servindo para tentar estimar os resultados totais de votação em relação a um eleitorado, já sabendo que haverá um desvio em relação a quem nunca é entrevistado, porque não se interessa por política, e em relação a quem declara, mas não vota”.
A pressão no segundo turno
Pesquisa divulgada pela Quaest na véspera do segundo turno apontava Lula com 52% das intenções de voto contra 48% de Bolsonaro. Nas urnas, o cenário da vitória foi mais apertado, com vitória de 50,9% ante 49,1% do candidato à reeleição. Para Felipe Nunes, é preciso entender porque Lula aparece sistematicamente maior nos levantamentos.
“A única explicação plausível é a abstenção, hipótese que pôde ser testada após a publicação da primeira pesquisa Genial/Quaest para o segundo turno. Diferentemente do que vínhamos fazendo ao longo do primeiro turno, a pesquisa de segundo turno da Quaest foi propositadamente em busca de reproduzir o perfil do eleitorado que emergiu das urnas no dia 2 de outubro. Foi um trabalho mais difícil do que o normal, mas conseguimos encontrar os 36% que votaram em Lula no primeiro turno, os 32% que votaram em Bolsonaro, os 7% que votaram em outros nomes e os 24% que não foram votar ou votaram branco e nulo. Essa não é uma pesquisa usual, porque nos força a aumentar a busca pelo eleitor que geralmente não responde pesquisa, pelo mesmo motivo que não vai votar”, explica.
A partir do mapeamento, Nunes aponta que a maioria das abstenções se deu na faixa de eleitores de baixa renda, 28%, enquanto apenas 16% dos eleitores de renda mais alta não foram às urnas.
IMAGEM
Alguns episódios específicos foram apontados como fatores que alteraram o cenário eleitoral e podem ter influenciado na distância entre as pesquisas e o resultado das urnas. Para o CEO do Atlas, escândalos de compra de votos divulgados na última semana em reportagens como as veiculadas pelo programa Profissão Repórter, da Rede Globo, ainda precisam ser estudados.
“Tem alguns elementos bem estranhos em relação ao que aconteceu no segundo turno, não acho que a ação da PRF (Polícia Rodoviária Federal) impactou tanto, mas o que a gente está vendo é que existem evidências de compra de voto que é algo que a gente vai tentar entender melhor”, aponta Andrei Roman, que também cita as ações de trânsito ocorridas no domingo da votação.
Para o cientista político e diretor do Instituto Ranking Brasil, Antônio Ueno, os casos envolvendo nomes ligados ao bolsonarismo nas semanas derradeiras do segundo turno influenciaram no resultado final da votação. “Consideramos que dois fatores mudaram muito o cenário na reta final, o primeiro foi a resistência à prisão de Roberto Jefferson e consideramos também que Bolsonaro perdeu no mínimo 500 mil votos só no episódio da Carla Zambelli (que perseguiu um homem com arma em punho na véspera da eleição). Se não, a gente cravava”.
O Ranking Brasil chegou bem próximo do resultado final das urnas, indicando vitória de Lula por 50,5%, contra 49,5% de Bolsonaro. O Instituto do Mato Grosso do Sul começou a fazer pesquisas nacionais em 2018 e, neste pleito, fez apenas uma pesquisa para o segundo turno.
Metodologia das pesquisas eleitorais
O Instituto Paraná Pesquisas apontou vitória de Lula por 50,4% contra 49,6% de Bolsonaro. Para o diretor Murilo Hidalgo, o resultado próximo ao das urnas foi fruto da metodologia da pesquisa, que se manteve a mesma nos dois turnos. “A principal aposta foi o resultado colocado em campo. A gente não fez nenhuma ponderação com resultado de primeiro turno e resultados anteriores. A gente acreditou que os resultados coletados em campo foram fiéis. A gente manteve os mesmos métodos nos dois turnos. Fazemos nosso recorte levando em consideração apenas posição geográfica, sexo, faixa etária e escolaridade, porque pensamos que a renda é um aspecto muito sensível, as pessoas nem sempre respondem com rigor”, afirma.
Hidalgo trata também sobre a forma de coleta de amostragem e aposta em um modelo para as próximas pesquisas. “Quando alguém nos contrata, tem as opções de coleta em campo e via telefone. Cada método tem vantagens e desvantagens. No futuro a gente pretende implantar uma linha híbrida. Pega uma cidade que tem um PIB alto, como Curitiba, e você tem 20% morando em prédios de alto luxo e condomínios que pessoalmente você não entra. Em 2024, já devemos ter pesquisas híbridas”.
Para Felipe Nunes, da Quaest, o método apresentado como ‘likely voter’ é uma estratégia que deve ser mais utilizada no futuro e pode ajudar a apurar a precisão das pesquisas. O cientista político aponta que esta é uma forma de atender a demanda social, que espera das pesquisas eleitorais uma previsão do resultado do pleito.
“Temos que aprender com os norte-americanos, que por conta do voto facultativo, já incorporam aos resultados eleitorais modelos de likely voters que ajustam os dados brutos das pesquisas a partir da maior ou menor chance de um eleitor participar da eleição. Não dá mais para gente ignorar essa demanda social. As pessoas querem ler os resultados das pesquisas como se elas fossem capazes de adiantar o resultado. Mesmo falando que elas não são capazes de ser prognósticos, é assim que todo mundo lê os resultados”, avalia.
Saldo foi considerado positivo
Os diretores avaliam que os institutos saem das eleições com balanço positivo. Felipe Nunes aponta que a sociedade brasileira pôde experimentar um volume inédito de pesquisas com metodologias e focos diversos para acompanhar o cenário eleitoral. Ele complementa dizendo que levantamentos cumpriram seu papel de mostrar a leitura de um contexto.
“As pesquisas não se propõem a adivinhar o resultado de uma eleição, embora a compreensível ansiedade de todos os brasileiros em saber quem vai vencê-las possa causar essa leitura equivocada. As pesquisas têm que revelar tendências do humor do eleitor, e, neste sentido, foram amplamente exitosas. Mostraram, em sua totalidade, que Lula era o primeiro colocado na preferência do eleitorado, e que estava perto de vencer no primeiro turno. É bom lembrar que os governistas defenderam até o último dia o contrário, que Bolsonaro venceria com 60% dos votos”, explica.
Nunes aponta que as pesquisas conseguiram mostrar que Bolsonaro mostrou força suficiente para se manter competitivo apesar das crises enfrentadas ao longo do mandato e também que essa resistência não seria suficiente para que ele terminasse na frente no primeiro turno. O cientista político também vê êxito nos levantamentos ao indicar que um candidato da terceira via não teria força para disputar o pleito e que o candidato à reeleição se aproximava continuamente do petista no segundo turno.
“Os critérios para a avaliação do trabalho dos institutos têm que estar respaldados pela sua capacidade de antecipar os movimentos que podem acontecer na eleição, não em sua capacidade de adivinhar o número de votos que um candidato vai ter. Isso é futurologia, outra atividade, longe de ser algo científico”, conclui.
Criminalização dos institutos
A discussão sobre o resultado das pesquisas no primeiro turno alcançou o Congresso Nacional e parlamentares da base governista chegaram a discutir a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os institutos e um Projeto de Lei que propunha punições para quem errasse os resultados das urnas. Para Felipe Nunes, a reação do Legislativo ecoou uma leitura equivocada da opinião pública sobre o papel das pesquisas. Ele reitera que os levantamentos não têm objetivo de prever resultados e esse aspecto precisa ser melhor compreendido.
“Mesmo tendo passado a eleição inteira repetindo ‘pesquisa não é prognóstico, é diagnóstico’, todo mundo acaba julgando o trabalho como se o eleitor não pudesse mudar de ideia de sábado para domingo. Ou seja, embora a gente venda diagnóstico, a sociedade compra como se estivesse adquirindo predição. Precisamos trabalhar junto com os jornais e jornalistas para evitar que isso continue assim. O conselho de Opinião Pública da ABEP, preocupado com isso, organizou um seminário no começo do ano sobre esse e outros assuntos para auxiliar jovens jornalistas a utilizar corretamente os dados de pesquisa, mas a sociedade não incorporou isso”, diz Nunes.
Andrei Roman, CEO do AtlasIntel vê na movimentação dos parlamentares um discurso de campanha sem caráter construtivo. “Não houve realmente um interesse forte em termos de melhorar as pesquisas. Infelizmente, foi uma tentativa de captar politicamente em cima de um fato de que as pesquisas ,na média, erraram o resultado do Bolsonaro e então seus aliados no congresso tentaram capitalizar durante o período eleitoral. As pesquisas que erraram a favor do Bolsonaro nunca eram citadas, por exemplo”.
Para Murilo Hidalgo, do Paraná Pesquisas, a discussão sobre criminalizar os institutos não é viável, mas ele prega que se preste contas sobre os resultados. Ele vê com bons olhos medidas que tentem atualizar as regras para as pesquisas eleitorais.
“Torço para que vá para frente no sentido de aperfeiçoar a lei, não no sentido de discutir o passado. Nós pesquisadores somos como qualquer outra profissão. Se você contrata um engenheiro e aparece uma rachadura na sua casa, você vai querer que ele se explique. Não é criminalizar, porque os erros não são cometidos de propósito, mas alguma responsabilidade temos que ter também. Não é prender, mas deve-se explicar o método, mostrar onde houve o erro e esclarecer”, propõe.