O vice-governador eleito de Minas Gerais, Mateus Simões (Novo), diz que ele e o governador Romeu Zema, seu correligionário, estão "prontos para o diálogo" com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Assim como Zema, Simões apoiou a reeleição de Jair Bolsonaro (PL). Apesar disso, o vice eleito crê que o governo Lula vai saber reconhecer a importância de Minas Gerais para o desenvolvimento nacional. "Para o Brasil ir bem, Minas precisa ir bem. Minas deu a vitória ao presidente em nosso território, respeitamos a decisão soberana dos mineiros e, por isso, vamos trabalhar dentro da parceria possível com o governo federal", afirmou, ontem, durante participação no "EM Entrevista", podcast de Política do Estado de Minas.
Uma das pontes que Simões espera construir em direção ao Palácio do Planalto pode ter a participação fundamental de Geraldo Alckmin (PSB), vice-presidente eleito. Eles foram colegas de PSDB, e, ontem, o futuro vice-governador mineiro ligou para Alckmin a fim de mostrar que Minas está disposta a manter relações republicanas.
"Percebo que Alckmin não será um vice de fachada. Isso facilita as conversas por perceber que vamos ter outros possíveis canais de diálogo, até para que a gente não fique se fustigando com as diferenças tópicas entre PT e Novo", explicou.
O Palácio Tiradentes vai virar o ano guiado pelo objetivo de concretizar a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal. Apesar da crítica de servidores públicos e da oposição às regras do ajuste econômico, o plano é visto como solução para refinanciar a dívida bilionária contraída junto à União. É esperança, também, para alavancar a geração de emprego e renda.
"Preciso de infraestrutura para atrair investimentos. Só vou conseguir investir em infraestrutura se conseguir refinanciar a dívida", pontuou Simões, esperançoso em bons ventos na relação entre o poder Executivo e a maioria dos deputados estaduais.
A íntegra da entrevista está disponível no canal do Portal Uai no YouTube. Leia, abaixo, os principais trechos:
Como o senhor avalia a vitória do governador Romeu Zema no primeiro turno?
Zema, na eleição passada, teve 42% dos votos (válidos) no primeiro turno; chegarmos, agora, a mais de 56%. É uma evolução considerável. Mais impressionante ainda: uma vitória mesmo onde achavam que perderíamos. Muita gente dizia, até o fim, que perderíamos na Região Metropolitana e em Belo Horizonte. Ganhamos. Concorremos com o ex-prefeito da capital (Alexandre Kalil), reeleito dois anos atrás com (quase) 70% dos votos; termos, aqui, a maioria, representa um voto de confiança. No primeiro mandato, a eleição de Zema foi chamada por muitos de acidente de percurso por causa da contaminação do ambiente pela polarização entre os ex-governadores (Antonio) Anastasia e (Fernando) Pimentel. Desta vez, o resultado é fruto de reconhecimento do trabalho. Ficamos felizes e honrados, mas a responsabilidade aumenta muito, pois, agora, as pessoas têm expectativa declarada sobre o novo governo.
Qual será a prioridade do segundo governo?
A aprovação do plano de Recuperação Fiscal. Isso vai nos permitir levar adiante o centro da atuação do próximo mandato: geração de emprego e qualificação de renda. Precisamos de um governo capaz de gerar emprego e qualificar a renda sem esquecer todos os avanços que tivemos em educação, saúde e segurança. Se não formos capazes de responder economicamente, Minas vai perder mais uma década. É um dos poucos estados que, ao longo dos últimos 20 anos, veio perdendo representatividade do PIB per capita no Brasil. É muito perigoso pois, de alguma forma, representa perda de esperança. Conseguir qualificar o ambiente de emprego é muito importante. Temos muito orgulho de ter sido o estado que mais gerou emprego e atraiu investimento nos últimos quatro anos - mais de R$ 250 bilhões de investimentos atraídos e mais de 500 mil empregos gerados. Ainda há 800 mil pessoas não-empregadas em Minas. Temos um trabalho contínuo para isso e para qualificar a renda. O mineiro tem de ganhar mais. Vamos ter um esforço grande para qualificar a mão de obra, melhorar a média salarial, atrair mais empresas e ter mais postos de trabalho.
É possível oficializar a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal até o fim de 2023?
Esperamos que, na primeira metade do ano que vem, todas as leis necessárias (para a adesão) estejam aprovadas. O plano está bem adiantado e discutido com os Poderes e a Secretaria do Tesouro Nacional. Temos condições de, antes de julho, já termos aderido. Falei da qualificação de mão de obra, mas preciso de infraestrutura para atrair investimentos. Só vou conseguir investir em infraestrutura se conseguir refinanciar a dívida. Nosso prazo não é longo. Minas não tem tempo.
Zema e o senhor apoiaram Bolsonaro, que perdeu para Lula no segundo turno. Como projeta a relação entre o governo mineiro e o presidente eleito?
Zema e eu trabalhamos em prol de projeto que mantivesse o PT fora do governo, pois a experiência mineira com o PT não é boa. Somos absolutamente obedientes ao resultado eleitoral, e não há questionamento de nossa parte. O que fizemos foi parabenizar o presidente eleito e já declarar a ele que estamos prontos para o diálogo. Mandei, hoje (ontem), uma mensagem ao vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), coordenador da transição, dizendo que Minas está à disposição para o que precisar. (Fomos colegas) por muitos anos (no PSDB). Votei nele (internamente) para que pudesse ser candidato à Presidência. Representei a candidatura dele em Minas. Tenho tranquilidade para tratar com a equipe de transição e vamos ter tranquilidade, também, para tratar com o PT. Zema defende os interesses de Minas, foi eleito para isso. Portanto, vai discutir com os prefeitos e com o presidente, independentemente dos partidos, sempre na busca pelos interesses de Minas. O PT e o governo federal reconhecem a importância do estado no cenário nacional. Para o Brasil ir bem, Minas precisa ir bem. Minas deu a vitória ao presidente em nosso território, respeitamos a decisão soberana dos mineiros e, por isso, vamos trabalhar dentro da parceria possível com o governo federal.
Lula prometeu fazer, no início do mandato, uma reunião com prefeitos e governadores para debater as obras prioritárias de cada localidade. O que Minas pretende apresentar como prioridade?
Temos uma lista de prioridades que discutimos com o governo federal há bastante tempo. É uma lista, de certa forma, herdada. Há o problema da BR-251, no Norte, da BR-262 e da BR-381. São obras federais. (Há) a Represa de Jequitaí. O que é importante para Minas? Infraestrutura. Estamos cuidando da nossa; é preciso que o governo federal cuide da deles. Temos expectativa de alinhar os interesses. Não estou preocupado com dinheiro para Minas fazer nada. Quero só repetir ao governo federal que precisamos que avance com os projetos dele. Se isso acontecer, já está ótimo. E, óbvio, (o acordo de) Mariana. Se não conseguirmos fechar a repactuação de Mariana neste mandato, o que pode acontecer em virtude da transição, não podemos abandonar isso. É muito importante para Minas e o Espírito Santo.
O ministro Ciro Nogueira disse ao EM, no mês passado, que poderiam surgir novidades sobre Mariana após a eleição. Em que pé estão as negociações?
Voltamos à mesa de negociações já durante o segundo turno presidencial. O governo federal, as empresas, Minas e Espírto Santo estão nessa mesa. Zema e (Renato) Casagrande (governador do ES) foram reeleitos, e somos muito alinhados sobre o desenho (do acordo). Não vejo motivo para que isso seja paralisado. Se tudo der certo, fechamos o acordo neste ano. Se houver algum contratempo, espero continuar a conversa com o próximo governo. Já começamos a discussão de valores, mas é prematuro para ser aberto ao público pois nossa posição e das empresas ainda não é a mesma - o que pode prejudicar as negociações. Mas posso garantir aos mineiros: teremos condição, com o acordo, de trazer reparação efetiva a todo o Vale do Rio Doce. É um acordo um pouco diferente do de Brumadinho. O acordo de Mariana pressupõe a aplicação dos recursos na extensão da área atingida, enquanto o de Brumadinho atendeu a necessidades de outras regiões. Parte das regiões mais pobres do estado são cobertas pelo Rio Doce. Vai haver mudança significativa da qualidade de vida para essas pessoas.
Zema acertou ao se engajar intensamente na campanha à reeleição de Bolsonaro e ao fazer críticas fortes ao partido que venceu a eleição? O uso da expressão 'PTfóbico', cunhada por ele, não gera temor ao governo?
Não podemos ter medo do ambiente político, que é de disputa. Tínhamos duas alternativas. Um político que não tem lado não deveria ocupar a posição. A pessoa é escolhida pela população para decidir, mas isso não significa que a vontade do político vá prevalecer sobre a do povo no período eleitoral. Mas o senhor também apoiou Bolsonaro e não fez críticas em tom similar ao adotado por Zema. O governador teve 6,1 milhões de votos. Participei da chapa, mas esses votos não são meus. O governador tinha condição de atrair votos a Bolsonaro. Se Bolsonaro tivesse ganhado, o empenho de Zema teria sido bom? Acredito que sim. Mas a conta na democracia não pode ser essa. Se a gente faz a conta do que é mais conveniente para o político e para o governo, eventualmente perde a oportunidade de participar efetivamente dos processos. Se Zema estivesse na dúvida e escolhido jogar a favor do Bolsonaro, teria errado. Mas ele fez por convicção. Perdeu o candidato que ele apoiava, mas o governador, por respeito à democracia, vai trabalhar com Lula. Zema é ameno e terá, com Lula, a mesma tranquilidade que teve para tratar com os prefeitos do PT de Minas.
A fala sobre ser 'PTfóbico' não estimula um acirramento além da conta?
Os mandatários do PT dizem que nós, do Novo, somos 'PSDB personnalité', o 'PSDB de sapatênis', que representamos a 'dianteira do atraso', agimos contra os pobres e que o Novo, de 'novo', não tem nada. Entendo aquilo (os ataques ao Novo) no ambiente da discussão. O vereador Pedro Patrus (PT) me falou isso '200' vezes nos tempos em que fomos colegas de Câmara. Nem por isso, deixou de ter meu respeito quando precisávamos tratar do interesse de BH. O 'PTfóbico' é uma graça com o nome, como falar que o Novo é o 'PSDB personnalité'. É uma agressão e uma forma de tentar diminuir o adversário - ou chamar o Novo de 'PSDB personnalité' é uma forma de elogiar o partido? Isso significa que não vamos conseguir construir depois? Estamos falando de políticos maduros. O governador de Minas e o presidente da República são maduros. Não são crianças ou torcedores de futebol para ficar ofendidos com esse tipo de coisa. A campanha acabou. O resultado foi dado pelas urnas. Talvez, para a decepção do PT, em Minas escolheram o Novo. Talvez, para a decepção do Novo, no Brasil, escolheram Lula. Não estou preocupado com perseguição do PT por causa do 'PTfóbico'. Também não vou perseguir ninguém porque nos chamam de 'PSDB personnalité'. O chumbo está trocado.
Ao longo desta entrevista, o senhor citou Geraldo Alckmin. A participação dele no governo te tranquiliza?
Me dá um sinal positivo. Significa que o vice não vai ser de fachada. Já me deixa feliz. Aceitei o convite de Zema porque não era para ser um vice de fachada. Percebo que Alckmin não será um vice de fachada. Isso facilita as conversas por perceber que vamos ter outros possíveis canais de diálogo, até para que a gente não fique se fustigando com as diferenças tópicas entre PT e Novo. Suaviza a relação, em que pese a nossa relação com o PT em Minas ser muito tranquila. Temos problema pontual com o ex-governador Pimentel, mas não tivemos problemas graves mesmo com os deputados duros do PT.
Durante a campanha eleitoral, Alexandre Kalil criticou muito a situação das estradas. Há, de fato, muito o que melhorar. O que há em mente para alavancar as duplicações e as melhorias no asfalto?
É nosso maior gargalo. Não podemos mirar a duplicação, coisa para poucos lugares. Tenho de mirar em asfalto de qualidade e terceira faixa. A duplicação tem custo absurdamente mais alto do que manter o asfalto de boa qualidade com terceira faixa. A duplicação é importante para vias de muito movimento. Em muitos trechos, o que há é deterioração do asfalto. Dos 24 mil quilômetros de estrada em Minas, 10 mil estão em má condição de conservação. Desses, 2,5 mil já colocamos em reforma. Além disso, há quase 600 quilômetros em dois lotes de concessão no Sul e no Triângulo; e queremos colocar mais 400 quilômetros. Ficam para trás, sem solução, cerca de 6 mil quilômetros. Para esses, precisamos de aproximadamente R$ 6 bilhões. Parte disso está no acordo de Mariana; outra parte, no orçamento anual. Mas não conseguimos fazer mais do que 1 mil quilômetros (em obras) por ano no orçamento anual normal. Então, preciso da Recuperação Fiscal e de Mariana. Se não conseguirmos nem uma coisa nem outra, vamos gastar seis anos para chegar onde precisamos. O mineiro não tem todo esse tempo.
Quando o senhor esteve aqui pela última vez, projetou Zema com o apoio de cerca de 50 dos 77 deputados estaduais. Essa previsão ainda está de pé? O que fazer para evitar com que as dificuldades na relação com a atual Assembleia se repitam?
Por que não conseguimos ter uma relação melhor com a Assembleia no primeiro mandato? Fica muito evidente que é mais erro nosso do que qualquer outra coisa. A grande mudança foi nossa participação efetiva na construção das candidaturas dos deputados. Parte considerável dos deputados foi eleita com apoio direto de Zema. Tenho certeza absoluta que mais da metade dos deputados vão dizer que foram eleitos, também, por terem caminhado com o governador. Acho que o número (de deputados na base) vai ser próximo de 50.
Se o senhor pudesse fazer um pedido a Lula, o que diria?
Vamos superar o momento eleitoral e viver uma relação adequada com Minas, que mais atenção do que teve do governo federal nos últimos anos. Esses últimos anos, infelizmente englobam, talvez, três décadas. Desde o governo Itamar Franco, Minas não vem sendo tratada com a atenção que precisa do governo federal. Espero que Lula possa dar essa atenção aos mineiros.