O próximo ministro da Educação deve ser alguém com capacidade de diálogo e disposição para fazer concessões, a fim de construir um sistema educacional que combata a desigualdade e recupere as lacunas deixadas pela pandemia. Esse é o perfil traçado pela senadora eleita Teresa Leitão (PT-PE) — anunciada, ontem, como integrante do núcleo de educação da equipe de transição do futuro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) — do próximo ocupante da pasta. Fernando Haddad seria o que mais se encaixa no figurino, uma vez que já ocupou o cargo e, por isso, teria capacidade de viabilizar as propostas apresentadas durante a campanha — o problema é que ele adiantou que não deseja voltar ao MEC.
Teresa passa a integrar a equipe de transição como coordenadora do Setorial de Educação do PT, e traz na bagagem anos de atuação na área. Apesar das críticas de que faltavam representantes de organizações e movimentos ligados — por exemplo, a causas LGBTIQIA , quilombolas e indígenas —, Tereza salienta que a equipe é abrangente, com vivência da educação básica ao ensino superior.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
A senhora vai atuar na transição no setorial de educação. Como surgiu o convite?
Foi feito ontem (domingo) pelo ex-ministro Aloizio Mercadante, fechando uma reivindicação que nós tínhamos, já acertada com ele próprio, com (Fernando) Haddad, com Gleisi (Hoffman), que era a participação do Setorial Nacional da Educação. Pesou o fato de eu ser senadora eleita, com uma ampla passagem pela educação — a causa da minha vida, que levei pra política. Recebi com muita humildade, satisfação e orgulho para vivenciar um momento tão especial como é a transição. Tem muita demanda, muita gente boa, mas as vagas são limitadas. Acho que vai dar para fazer um bom trabalho.
Qual é o perfil esperado para o ministro da Educação no governo Lula?
Tem que ser o oposto de todos os ministros que a gente viu nos últimos quatro anos. Tem que ter, pelo menos, capacidade de permanência no cargo, alguém que sente na cadeira com gosto de trabalhar. Ser uma pessoa com experiência nos temas principais da educação, no modo de funcionamento do MEC, pois tem várias unidades orçamentárias que precisam ter gente que também conheça. Deve ter capacidade de diálogo, do ensino fundamental ao de nível superior. (Uma pessoa) que tenha disposição de retomar o diálogo com as conferências, com o Conselho Nacional de Educação, com o Poder Legislativo. As demandas da educação são muito grandes.
Esse ministro precisará ter bom trânsito com os diferentes níveis de autoridades da área, certo?
A educação é muito organizada em termos de representação. Tem conselho de várias classes, tem a organização dos secretários municipais de educação, dos secretários estaduais de educação, dos reitores, dos diretores de institutos federais, dos professores, trabalhadores da educação básica. Tem um fórum de educação, instituído por lei, que Bolsonaro desfez e que a gente manteve como fórum popular de educação. Há uma vastidão de organismos, muito densos e diversos, mas também que se complementam. Soube que o Haddad não quer, mas espero que seja um nome com essas características.
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A educação foi duramente afetada pela pandemia. Como recuperar o tempo perdido?
O governo de Jair Bolsonaro não tomou nenhuma atitude durante a crise sanitária. O que houve de aulas remotas foi iniciativa dos governos estaduais e municipais. Temos um indicador de desigualdade social revelado pela pandemia muito grande em relação ao acesso ao instrumento de aulas remotas, a computador, a tablet, a celular e à internet. Isso é um grande dificultador, além do processo de aprendizagem mesmo. Mas ficou patente, também, a falta que um professor faz na sala de aula. É um dos pontos que a gente vai precisar analisar com muita atenção.
Quais os outros desafios já mapeados?
A execução orçamentária. Temos reclamações e dificuldades gravíssimas nas verbas de custeio das universidades e dos institutos federais. Temos um congelamento per capita da merenda que é grande — de R$ 0,32. Houve uma proposta de reajuste apresentada e aprovada no Congresso e vetada por Bolsonaro. Isso entra na educação, mas entra, também, como um componente do processo de segurança alimentar ao qual Lula dá um foco grande. A merenda em algumas regiões é a alimentação mais consistente para muitas crianças, é a que tem mais nutrientes. Não ter a merenda ou ter uma merenda sem nenhuma vitamina, sem nenhum nutriente, é ruim. É algo emergencial.
E quanto à execução orçamentária do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)?
É outro ponto de atenção, que tem relação direta com os programas de convênios e parcerias com estados e municípios. Como é que está isso? Como é que está o programa de transporte escolar? Como é que está o próprio programa da merenda? Como é que está o programa do livro didático? Todos são vinculados ao FNDE. Isso a gente vai ter que se debruçar também, além do Plano Nacional de Educação, que foi engavetado por Bolsonaro. É um instrumento denso, estruturante da política educacional e que está dormindo na gaveta.
O fomento à ciência e à tecnologia também faz parte do setorial de educação?
Entra na pesquisa nas universidades, que foi muito sacrificada. Houve fuga de cérebros. Muita gente, para fazer pesquisas, teve que sair do Brasil porque não houve fomento.
Como está o diálogo com o atual governo e com os presidentes da Câmara e do Senado?
Está focado na urgência da aprovação da PEC da transição. Tanto Bolsonaro quanto Lula, em tamanhos e com perspectivas diferentes, se comprometeram com a continuidade do Auxílio Brasil, só que Bolsonaro não deixou dinheiro para isso. O diálogo está sendo bom, porque é difícil um presidente do Congresso dizer que não quer votar isso. Se Lula não fizer agora, serão dois meses que se perdem. Mostra que o diálogo é sempre o caminho para o sucesso e isso faltou no governo Bolsonaro.
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