O aguardado relatório do Ministério da Defesa sobre o processo de fiscalização do sistema de votação eletrônico usado nas eleições deste ano foi divulgado no início da noite desta quarta-feira (9/11). O documento era esperado por grupos de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL), que perdeu as eleições para o agora presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com a expectativa de que pudesse apontar algum tipo de fraude ou irregularidade. Ao longo dos últimos quatro anos, Bolsonaro colocou em dúvida a lisura das urnas eletrônicas sem apresentar provas.
Ao longo das 63 páginas do documento, no entanto, o Ministério da Defesa não apontou nenhuma irregularidade ou fraude no sistema. O documento afirma que os dados dos boletins de urna impressos ao final da votação conferem com os dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
"Conclui-se que a verificação da correção da contabilização dos votos, por meio da comparação dos Boletins de Urnas (BU) impressos com dados disponibilizados pelo TSE, ocorreu sem apresentar inconformidade", diz um trecho do documento.
O relatório, no entanto, faz críticas em relação às condições nas quais o processo de fiscalização do sistema eleitoral foi feito e sugere melhorias.
"Observou-se que, devido à complexidade do SEV (sistema eletrônico de votação) e à falta de esclarecimentos técnicos oportunos e de acesso aos conteúdos de programas [...] não foi possível fiscalizar o sistema completamente, o que demanda a adoção de melhorias", diz um trecho do documento.
Em nota divulgada no site do Ministério da Defesa, a pasta diz que o trabalho feito pelos técnicos militares foi realizado dentro da legalidade.
"O Ministério da Defesa e as Forças Armadas reforçam o compromisso com o Povo brasileiro, com a democracia, com a defesa da Pátria e com a garantia dos Poderes Constitucionais, da lei e da ordem", diz um trecho da nota.
Por outro lado, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, disse, também por meio de nota, que recebeu o relatório dos militares com "satisfação" e reafirmou a lisura do sistema eleitoral do país.
"O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) recebeu com satisfação o relatório final do Ministério da Defesa, que, assim como todas as demais entidades fiscalizadoras, não apontou a existência de nenhuma fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral de 2022", disse Alexandre de Moraes, em nota.
"O TSE reafirma que as urnas eletrônicas são motivo de orgulho nacional, e que as Eleições de 2022 comprovam a eficácia, a lisura e a total transparência da apuração e da totalização dos votos", completou o ministro.
A nota diz ainda que as sugestões feitas pelo Ministério da Defesa serão analisadas "oportunamente".
O que diz o relatório?
O Ministério da Defesa foi uma das dezenas de entidades fiscalizadoras credenciadas pelo TSE que tiveram acesso a todas as etapas do processo de preparação e realização das eleições deste ano com o objetivo de identificar eventuais falhas ou inconsistências no sistema eleitoral.
No documento, os militares alegaram que demandas feitas ao longo do processo eleitoral não foram esclarecidas pelo TSE e que teria havido restrições ao acesso de dados considerados importantes para a realização da fiscalização de forma apropriada.
Procurado pela BBC News Brasil, o TSE ainda não respondeu às questões enviadas.
O relatório dos militares sugeriu melhorias em seis das oito fases do processo eleitoral: abertura dos códigos-fonte das urnas eletrônicas; cerimônia de assinatura digital e lacração dos sistemas usados nas urnas; cerimônia de verificação dos sistemas; teste de integridade; projeto-piloto com biometria; e verificação da correção e totalização dos votos. Em nenhuma das fases foram encontradas irregularidades ou fraudes.
Na primeira etapa, a abertura dos códigos-fonte, foi dado acesso aos códigos dos programas usados pelas urnas eletrônicas. Nesta fase, os militares criticaram a forma como o TSE disponibilizou o acesso aos dados. Eles disseram, por exemplo, que os técnicos não puderam se certificar de que a versão do software analisado era, de fato, a mais recente.
A cerimônia de assinatura digital e lacração dos sistemas é aquela na qual os técnicos se certificam de que os programas que serão usados nas urnas não serão alterados após essa fase.
Nessa etapa, os militares apontaram que os computadores usados no processo de compilação dos dados precisavam acessar uma rede de computadores para obter acesso aos códigos-fonte e softwares.
Este acesso não foi feito pelas urnas eletrônicas e também não ocorreu nos dias das eleições. Segundo o TSE, as urnas não são conectadas a nenhum tipo de rede.
Segundo os militares, o fato de que os computadores usados nos procedimentos para a lacração dos sistemas terem acessado uma rede representa um risco.
"A ocorrência de acesso à rede durante a compilação pode configurar relevante risco à segurança do processo", diz um trecho do relatório.
Apesar disso, o documento não aponta a existência de alguma irregularidade nos programas. O relatório sugere, no entanto, medidas como aumentar a fiscalização sobre infraestruturas de tecnologia da informação usadas nesta fase.
Na etapa conhecida como "teste de integridade", é feita uma simulação de votação com cédulas em papel e urnas eletrônicas com o objetivo de verificar se os dados batem. Nesta fase, não foi detectada nenhuma irregularidade, mas os militares sugeriram aumentar o número de cédulas por seção de votação alvo do teste.
Uma das etapas cujo resultado era o mais esperado foi o projeto-piloto com biometria. Esse teste foi sugerido pelos militares e acatado pelo TSE. Nesta fase, eleitores eram convidados a participar do teste e usar suas impressões digitais para destravar as urnas e simular uma votação.
Os militares apontaram que houve pouca adesão ao teste e sugeriram que ele fosse implementado em todas as unidades da federação nos anos seguintes.
Atuação envolta em polêmicas
O relatório foi elaborado em meio a um contexto de tensão entre o presidente Jair Bolsonaro e o TSE. Ao longo da corrida eleitoral, Bolsonaro colocou em dúvida, sem apresentar provas, a lisura e a segurança do sistema de votação do país.
O presidente pediu a adoção do voto impresso como forma de diminuir as supostas desconfianças em relação ao processo eleitoral brasileiro. A proposta chegou a ser votada pelo Congresso Nacional, mas foi rejeitada.
Nesse contexto, as Forças Armadas foram convidadas pelo TSE para participar tanto como entidade fiscalizadora quanto como membro da Comissão de Transparência das Eleições (CTE).
As entidades fiscalizadoras, segundo a legislação, participam de todas as etapas de preparação e realização das eleições. Neste ano, 16 categorias de entidades puderam fiscalizar o pleito. Entre elas estavam órgãos como o Ministério Público e a Ordem dos Advogados do Brasil.
Já na CTE, a atuação dos participantes é para ampliar a transparência do sistema eleitoral e aumentar a segurança das eleições.
A atuação dos militares na CTE gerou diversas polêmicas ao longo do período eleitoral.
O grupo de militares destacado para participar da comissão enviou um conjunto de 88 questões ao TSE sobre quais medidas seriam tomadas diante de supostas fragilidades no sistema encontradas por eles.
A lista de perguntas feitas pelos militares é dividida em cinco grandes grupos: dúvidas sobre o teste de integridade das urnas eletrônicas; nível de confiança nos sistemas de votação e apuração dos votos; solicitação de documentos, listas, relatórios e informações sobre as políticas do TSE; funcionamento das urnas; e propostas de aperfeiçoamento da transparência do tribunal.
Em suas respostas, o TSE voltou a defender que o sistema eleitoral do país é seguro e rejeitou a maior parte das propostas feitas pelos militares.
Ao mesmo tempo, o presidente Jair Bolsonaro chegou a sugerir que os militares pudessem realizar uma "apuração paralela" dos votos, o que foi rechaçado pela Justiça Eleitoral.
O ex-presidente do TSE Edson Fachin chegou a dizer que os militares poderiam colaborar, mas não "intervir" nas eleições.
"Por razões do campo da política, haja quem queira transformar essa participação [das Forças Armadas] numa participação que, ao invés de ser colaborativa, seja praticamente interventiva. E, evidentemente, este tipo de circunstância nós não só não aceitamos como não aceitaremos", disse o ministro.
Mais recentemente, analistas e políticos expressaram o temor de que o relatório fosse usado por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro para dar combustível às manifestações contrárias ao resultado das eleições deste ano.
Desde que o TSE atestou a vitória de Lula, milhares de apoiadores do presidente realizaram bloqueios em rodovias em diversos Estados do país. Foi preciso que o STF ordenasse que a Polícia Rodoviária Federal (PRF) atuasse para desbloquear as rodovias. Nesta quarta-feira, segundo a PRF, não havia mais registro de bloqueios. Segundo o órgão, 1087 bloqueios foram desfeitos desde o início das manifestações.
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