FÉ E POLÍTICA

Igrejas que apostaram em vitória de Bolsonaro enfrentam 'fraturas'

Denominações evangélicas apostaram alto na reeleição de Bolsonaro, com uso da narrativa de que o atual presidente seria enviado por Deus. Agora, lideranças sinalizam aproximação a Lula, o presidente eleito, enquanto outras permanecem em silêncio

Henrique Lessa
postado em 07/11/2022 06:00
 (crédito: Reprodução/ Facebook)
(crédito: Reprodução/ Facebook)

No último dia 30, o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, orou pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Já o bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e proprietário da TV Record, usou as redes sociais na última quinta-feira para pedir que a população perdoasse Lula. Ambos são grandes líderes de denominações evangélicas que, ao longo da campanha, estiveram na linha de ataque contra a candidatura do petista.

Outros líderes, como o pastor Apóstolo Valdemiro Santiago, da Igreja Mundial do Poder de Deus, optaram, até o momento, pelo silêncio. Não patrocinaram os movimentos golpistas de alguns apoiadores inconformados com a derrota do presidente Jair Bolsonaro (PL), mas também não saudaram a vitória do presidente eleito.

É esse silêncio, ao menos nos assuntos mundanos da política, que se observa em templos evangélicos de todo o país. Com estratégia baseada em uma teologia de guerra santa, na qual Bolsonaro seria o ungido por Deus, e Lula a representação do mal, gerou-se a satanização, tanto do adversário, como até mesmo do 'irmão' que discordava da orientação política do pastor. Agora, com a 'vontade de Deus' pela eleição do petista, há um dilema teológico entre os fiéis.

É o que observa o antropólogo e pesquisador da temática, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Ronaldo de Almeida. "Você vai nas igrejas, e eles não sabem como explicar para o fiel como o Deus que está no comando escolheu Lula e não Bolsonaro. É uma igreja que sai fraturada, que já saiu fraturada em 2018, e agora mais ainda, pois jogaram todas as fichas na eleição do Bolsonaro", aponta o professor.

Apesar de afirmar que irá orar pelo presidente e que respeita o resultado das urnas, Malafaia chegou a dizer que deseja distância de Lula e seu governo. Já o bispo Edir Macedo foi mais cauteloso, escolheu o genro, pastor Renato Cardoso, para falar mal do presidente eleito. Sua única declaração a respeito do resultado após o segundo turno eleitoral foi sobre o perdão ao presidente eleito, aceitar o resultado e "bola para frente". "É um movimento esperado das grandes denominações evangélicas que sempre "são governo"", avalia Almeida.

A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), afirmou que dispensa o perdão de Edir Macedo. "Ele é quem precisa pedir perdão a Deus pelas mentiras que propagou", retrucou a parlamentar. O bispo, em réplica, afirmou "não dever nada nem a Lula nem a Bolsonaro". Mas Almeida lembra que a IURD e a Record foram privilegiadas, tanto nos governos de Lula, quanto de Bolsonaro. Ainda no governo Lula a diplomacia brasileira foi atuante para atender os interesses da IURD em Angola, país onde hoje a igreja enfrenta problemas com o governo. Já no governo Bolsonaro a verba publicitária, antes concentrada na TV Globo, migrou em grande parte para o SBT e para a TV Record do bispo.

Almeida aposta que tanto Macedo quanto Malafaia devem voltar a se aproximar do governo petista. "Essa característica governista das corporações da fé está ligada aos interesses particulares de cada igreja", completa o antropólogo.

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