Eleito presidente da República com 50,9% dos votos, Luiz Inácio Lula da Silva vira a página da disputa eleitoral e começa a planejar o governo que herdará a partir de janeiro. Sai a equipe de campanha, entra o time da transição. O presidente Jair Bolsonaro se mantém em silêncio desde o fim da apuração dos votos, no domingo, mas o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), recebeu, ontem, um telefonema de um dos coordenadores da campanha petista, o prefeito de Araraquara, Edinho Silva (PT-SP), para uma primeira conversa sobre a transição. Em nota, Edinho Silva informou que ligou para Nogueira "a pedido do próprio" e que ele se dispôs a conduzir o processo de diálogo do governo Bolsonaro com a equipe de Lula.
"De imediato, repassei a informação para a deputada federal Gleisi Hoffmann, nossa coordenadora da campanha Lula presidente, para que os encaminhamentos necessários fossem combinados. Ressalto aqui a postura republicana e democrática do ministro Ciro Nogueira", declarou o prefeito. A expectativa é de que da conversa entre Hoffmann e Nogueira saiam os nomes que atuarão no gabinete da transição.
A passagem de bastão de um governo para outro está prevista em lei de 2002, regulamentada por um decreto presidencial de 2010, que elenca as regras para que o time do presidente eleito possa ter acesso a informações do governo que se despede e as condições de trabalho para funcionar, como espaços físicos, cargos e estrutura de comunicação.
Paralelamente, Lula já está escalando interlocutores para conversar com lideranças no Congresso, a começar pelos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), visando a construção de uma pauta mínima de consenso que possa ser aprovada com rapidez nas primeiras semanas da nova legislatura, cuja prioridade é a adequação do Orçamento do ano que vem às demandas do governo eleito.
O nome mais cotado para pilotar o governo de transição é o do vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, um político experiente, com ótimo trânsito entre as forças políticas de centro que se aliaram à campanha de Lula no decorrer do processo eleitoral. O coordenador do programa de governo petista, o ex-ministro Aloísio Mercadante, também terá papel de comando no gabinete provisório.
Para o coordenador da campanha de Lula no Distrito Federal, o ex-deputado Geraldo Magela, a transição se dará por duas vias: a técnica, que cuidará da análise e do diagnóstico das contas e políticas públicas do atual governo, e a política, responsável pela formação da equipe ministerial e da interlocução com o Legislativo.
"É preciso que o governo Bolsonaro abra suas portas para permitir que a transição seja feita tecnicamente, que todos os dados sejam liberados e, politicamente, Lula vai cuidar de como compôr o governo e como restabelecer as pontes com os segmentos que ficaram, neste momento, conflitados", declarou Magela em entrevista ao CB.Poder.
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Livre acesso
Conforme a lei, a equipe de transição "tem por objetivo inteirar-se do funcionamento dos órgãos e entidades que compõem a Administração Pública federal e preparar os atos de iniciativa do novo presidente da República, a serem editados imediatamente após a posse", entre outras prerrogativas. O livre acesso aos dados do governo, incluindo os considerados sensíveis, estratégicos e sigilosos, também está assegurado na lei, com obrigação de "manter sigilo dos dados e informações confidenciais a que tiverem acesso, sob pena de responsabilização".
Pelo lado do Palácio do Planalto, o processo deve ser coordenado pela Casa Civil, ocupada por Ciro Nogueira (PP-PI), um dos líderes do Centrão e responsável pela articulação política de Bolsonaro. A primeira medida administrativa será a criação de 50 cargos comissionados para abrigar a equipe do futuro governo. Esses cargos serão extintos em até 10 dias após a posse de Lula. Para o governo que sai, um dos objetivos desse diálogo é listar as políticas públicas que estão em andamento para evitar solução de continuidade a partir de janeiro.
O histórico das mudanças de comando no Brasil pós-redemocratização não tem registro de problemas na relação entre o governo que entra e o que sai. O primeiro gabinete formal de transição foi criado após a vitória de Lula nas eleições presidenciais de 2002, quando o petista derrotou o candidato do PSDB José Serra. O então presidente Fernando Henrique Cardoso não só sancionou a legislação que rege o processo como facilitou o acesso a informações do governo e trabalhou para minimizar a desconfiança internacional que pairava sobre o país após a vitória do candidato de esquerda.
Com a eleição de Dilma Rousseff, em 2010, a transição foi interna, quase uma continuidade da estrutura montada nos oito anos em que Lula ocupou o Palácio do Planalto. Com o impeachment da presidente, em 2016, o cargo passou para o vice, Michel Temer (MDB-SP), que também patrocinou uma troca de bastão tranquila para o vencedor das eleições de 2018: Bolsonaro.
Desta vez, poucos apostam, porém, em uma troca de guarda serena. Até agora, Bolsonaro não deu sinais sobre a instalação formal do gabinete provisório nem quem pretende escalar para fazer a interlocução com a equipe de Lula. Como o processo é regido por lei, há a possibilidade de o Judiciário ser acionado para assegurar acesso aos dados de governo.
... E Bolsonaro mantém silêncio
O presidente Jair Bolsonaro (PL) manteve silêncio, ontem, sobre o resultados das eleições, nas quais perdeu para o agora presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Nem protestos de caminhoneiros, que fecharam rodovias pelo país desde o fim das apurações, fizeram com que o chefe do Executivo se pronunciasse.
No Palácio da Alvorada, ontem pela manhã, Bolsonaro recebeu aliados, como o vice de sua chapa, Braga Netto, além do filho 01, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ); o ajudante de ordens, Major Cid, e outros assessores. Depois, cumpriu expediente no Planalto, onde se reuniu com o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR); os ministros das Comunicações, Fábio Faria, e da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira; e a ex-ministra da Secretaria de Governo Flávia Arruda.
Ao retornar à residência oficial, Bolsonaro recepcionou os presidentes do PL, Valdemar Costa Neto, e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). A expectativa é de que o pronunciamento do presidente ocorra hoje.
Enquanto Bolsonaro mantém silêncio, o vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos), eleito senador pelo Rio Grande do Sul, conversou ontem por telefone com o vice de Lula, Geraldo Alckmin (PSB), para se colocar à disposição da equipe de transição.
A primeira-dama Michelle Bolsonaro foi a primeira da família a comentar o resultado das urnas. Ela compartilhou um trecho bíblico sobre a "verdade". "Salmos 117: Louvai ao senhor todas as nações, louvai-o todos os povos. Porque a sua benignidade é grande para conosco, e a verdade do Senhor dura para sempre. Louvai ao Senhor", escreveu nos stories.
Já Flávio Bolsonaro agradeceu aos eleitores pela "maior votação" da vida do chefe do Executivo, com 58.206.354 milhões de votos, e pediu que os apoiadores "erguessem a cabeça" e "não desistissem do Brasil".
"Obrigado a cada um que nos ajudou a resgatar o patriotismo, que orou, rezou, foi para as ruas, deu seu suor pelo país que está dando certo e deu a Bolsonaro a maior votação de sua vida! Vamos erguer a cabeça e não vamos desistir do nosso Brasil! Deus no comando!", escreveu.
Minutos depois, Flavio escreveu uma mensagem direcionada ao presidente. "Pai, estou contigo pro que der e vier", pontuou.
Bolsonaro é o presidente que mais demorou a reconhecer o resultado das urnas e o primeiro no comando do país a não ser reeleito. A expectativa no QG bolsonarista, no entanto, é que o presidente não conteste o pleito. Assessores disseram que ele passou o dia redigindo o pronunciamento e ouvindo conselhos da base aliada e de ministros.
No dia 30, data do segundo turno, Bolsonaro preferiu se recolher e não recebeu aliados nem conversou com simpatizantes.
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