Lisboa — Nunca as eleições presidenciais brasileiras causaram tanta comoção no mundo como a atual, cujos resultados serão conhecidos ainda hoje. É generalizada a percepção entre acadêmicos e representantes de governos dos cinco continentes de que o Brasil pode, sim, enfrentar uma tentativa de golpe de Estado caso um dos lados não aceite o que for definido pelas urnas. Há o temor de que o país seja palco de ação semelhante à que se viu no Congresso dos Estados Unidos em janeiro do ano passado, quando uma horda de fanáticos comandada pelo então candidato à reeleição a presidente Donald Trump tentou impedir a posse de Joe Biden. O alerta é para que as instituições democráticas não se rendam.
Na avaliação da professora Luísa Godinho, mestre e doutora em ciência política pela Université de Genève, na Suíça, é fundamental que o Brasil consiga se firmar perante o mundo como um Estado democrático e não fique para a História como um país que, em pleno século XXI, optou pelo caminho contrário. "O Brasil encontra-se mergulhado em tantos problemas que a democracia não resolveu até hoje, que, facilmente, acredita numa voz autocrática anunciando a salvação. É muito tentador. A violência, a pobreza, a desigualdade social, a corrupção estrutural, tudo se degradou a tal ponto que parece que a responsabilidade é do tipo de regime político", diz.
Para ela, hoje professora associada da Universidade Autônoma de Lisboa e integrante da Associação Europeia de Ciências Políticas, a democracia no Brasil é vista como demasiadamente permissiva e incapaz de resolver os problemas que afligem a maioria da população. Com isso, surge o movimento no sentido de testá-la e de mostrar quem manda. "Num contexto social tão degradado, este tipo de discurso vinga até junto às classes mais abastadas e mais instruídas. Trata-se exatamente do mesmo problema que atravessa a Europa, onde a extrema-direita acabou de chegar ao poder na Itália, domina cerca de metade do eleitorado francês e está em afirmação nos restantes sistemas políticos, incluindo Portugal", afirma.
A professora não tem dúvidas de que a tentação pelo autoritarismo salvador é um traço muito negativo de uma parte cada vez maior dos atuais eleitorados ocidentais. "Mostra que as pessoas não querem caminhos participativos, inclusivos e respeitadores das liberdades e das diferenças. Retornamos aos discursos de ódio, que avançam porque as pessoas estão em desesperança, voltaram a ter medo de serem baleadas em casa; de perder o emprego; de acabar na pobreza ou na solidão; de conviver com quem não tem a pele da mesma cor", ressalta. "Enfim, estamos em processo regressivo, de afirmação dos sentimentos mais básicos do ser humano, em recusa da razão. Digamos que o legado da própria Revolução Francesa está sob ameaça. É triste, mas foi o que criamos", lamenta.
Captura das elites
Professor da IE School of Global and Public Affairs, em Madri, na Espanha, Oscar Martínez Tapia, defende que a razão prevaleça no Brasil, independentemente de quem venha a vencer as eleições — Jair Bolsonaro (PL) ou Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Na avaliação dele, por tudo o que ocorreu no país nos últimos quatro anos, o melhor para a democracia seria a vitória do petista, inclusive, com uma boa margem de votos — as últimas pesquisas apontam uma diferença em favor de Lula em torno de cinco pontos percentuais. "Tenho certeza de que, se perder, Bolsonaro vai contestar os resultados das urnas. Por isso, é importante que a diferença em favor do petista seja larga, senão, o Brasil estará diante de um problema previsível, que pode aumentar ainda mais a polarização ideológica e social", destaca.
Tapia diz, ainda, que o Brasil pode e deve se tornar um antídoto, numa batalha que é global, contra o nacional-populismo e os movimentos de natureza fascista. "A vitória de Lula contribuiria para criar uma história de futuro para todo o globo. O Brasil não é apenas um dos maiores e mais belos países do mundo, é, também, uma referência social e política na luta contra a desigualdade e a injustiça econômica. O mundo precisa do Brasil", emenda.
Professor aposentado da Universidade de Lisboa, Carlos Oliveira Santos enfatiza que o mundo está de olho no Brasil porque as atuais eleições ocorrem em um momento em que há um embate intenso entre os defensores de uma democracia aberta e cívica e os afeitos a formas autoritárias de governo, que tendem mais ou menos para a antidemocracia. "Portanto, a decisão do eleitorado brasileiro e o que ela trouxer poderão ter grande influência naquele confronto", assinala.
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