Depois dos brasileiros irem às urnas neste domingo (30/10), o candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi eleito o novo presidente da República. Depois de 11 anos, Lula volta a ocupar o cargo de chefe do Executivo, dessa vez acompanhado de sua mais nova esposa, Rosângela da Silva, a Janja. Destaque na campanha eleitoral do marido, a socióloga despertou o interesse do público, que, agora, procura saber qual será o lugar de Janja na nova era do governo petista.
Pela primeira vez na história política do Brasil, esposas dos candidatos que protagonizaram essas eleições saíram dos bastidores — onde, historicamente, as mulheres comumente apareciam ao lado dos maridos em eventos oficiais e assumiam tarefas domésticas e sociais —, para conduzir as campanhas eleitorais, ocupando palanques e à frente de mobilizações sociais. No caso da trajetória de Lula na corrida eleitoral deste ano, Janja desempenhou papel fundamental, atraindo artistas e personalidades para angariar votos a favor do petista.
Agora, com o sucesso conquistado por Lula e Janja na disputa presidencial, a nova primeira-dama deve atuar nos próximos quatro anos em projetos voltados para a população feminina. Nas redes sociais, a sra. Da Silva já deu indícios sobre suas intenções e afirmou que pretende “ressignificar o conceito de primeira-dama”.
O que esperar de Janja, segundo especialistas
A atuação política de Rosângela da Silva durante as eleições foi uma amostra do poder de articulação e proximidade com o público jovem e feminino que a primeira-dama possui. Para os próximos quatro anos, Janja já assumiu que não pretende se afastar das pautas que acredita e tem a intenção de fazer diferente de outras primeiras-damas, mudando a forma como a posição é vista.
Janja sinalizou objetivos políticos com o combate à violência contra as mulheres e à fome, além de ter sido uma peça fundamental para aumentar a interlocução entre gerações na corrida eleitoral. “Vamos trabalhar para eu me tornar essa primeira-dama que vocês esperam”, garantiu, em resposta a um seguidor nas redes sociais, ainda antes da vitória no segundo turno.
Em entrevista, o recém-eleito presidente, Lula, assegurou que a esposa terá portas abertas para desempenhar funções que a interessarem. Ele revelou que Jaja “tem pensamento próprio” e “terá a liberdade de pensar o que ela quer fazer para me ajudar”. O petista ainda contou, em conversa com o rapper Mano Brown, que a amada é uma pessoa “muito politizada, tem uma cabeça política boa e é muito feminista”.
De acordo com o cientista político Rodrigo Augusto Prando, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, é esperado que, a partir de janeiro de 2023, quando será a posse de Lula, a nova primeira-dama tenha voz ativa no debate político. “Pelo perfil da Janja a gente entende que ela, provavelmente, terá voz, assim como teve durante a campanha. Isso fica muito claro”, afirmou Prando.
Para o especialista, com base na formação acadêmica e experiência profissional de Janja, ela apresenta requisitos importantes que a fazem ser uma figura com muito potencial político e que terá espaço dentro do novo governo. “Ela reúne algumas qualidades interessantes. Tem formação em ciências sociais, que dá uma compreensão melhor das questões sociais e políticas e tem também experiência como uma pessoa que trabalha em gestão de temas ligados à sustentabilidade. Por essa formação mais sólida nas ciências sociais, somada à sustentabilidade, acredito que ela pode transitar por essas temáticas que são temáticas muito contemporâneas”, avalia o cientista político.
Janja se autodeclara feminista e, conforme demonstrou desde que surgiu no centro da campanha presidencial petista, não dará chance para que o machismo atribuído ao cargo de primeira-dama apague sua força política. “Temos uma sociedade muito machista e patriarcal e as mulheres vão aos poucos ganhando espaço. E ela vai ganhando espaço naturalmente por conta da sua formação e pela credibilidade e relevância que tem como profissional”, disse Prando.
“Janja é uma militante do PT desde a maioridade, ela tem uma trajetória no partido que a credencia nesse momento, até pela credibilidade que o próprio Lula deposita nela, de estar sentada à mesa e ter espaço nas discussões”, ressalta. O espírito jovem da primeira-dama também é visto pelo especialista como um forte ponto positivo para a nova era lulista. “Ela dá uma renovada, rejuvenescida, na figura do Lula e dos próprios temas que foram levantados na campanha. Ela tem um bom trânsito junto aos artistas e essa aproximação com a juventude é primordial para qualquer político”, destacou.
O PT tem um histórico de se aproximar da população mais pobre, de estar inserido nas comunidades e ouvir e dialogar com o povo, mas, ao longo dos anos, alguns intelectuais avaliam que o partido se distanciou dessa base e perfil populista. Com Janja atuando ao lado do presidente eleito, essa característica do petismo tende a ser recuperada, até pela aproximação da esposa de Lula com as redes sociais. “Ela pode estabelecer conexão do PT do poder com o PT da militância, o PT das lutas sociais. Essa reconexão com a base do partido pode significar uma boa e nova etapa”, projetou o cientista político Rodrigo Prando.
Atuação da primeira-dama durante a campanha
Rosângela da Silva é “petista de carteirinha”, como ela mesma assume. Na campanha eleitoral deste ano, não se contentou em ficar “por trás das câmeras” e vestiu a camisa em prol da eleição de Lula. Janja subiu em palanques, falou diretamente a mulheres e jovens, abriu o perfil nas redes sociais — que era trancado — para mostrar a rotina com o amado e a batalha em busca de votos, gravou jingle de campanha e atraiu famosos para a rede de apoio do candidato do Partido dos Trabalhadores (PT).
Como uma boa feminista, Janja centralizou sua voz para falar principalmente com mulheres, buscando atrair o voto feminino e levar essas eleitoras para o centro do debate político. Apesar de ter resistência para sair do lado de Lula, por zelar pelo bem-estar e saúde do futuro presidente, e assumir sozinha compromissos na agenda eleitoral, a primeira-dama chegou a viajar com apoiadores, sem a presença do marido, e ser peça chave em comícios, como no ato na favela de Heliópolis, em São Paulo, em agosto.
Janja também é responsável por alguns dos maiores feitos da campanha de Lula. Ela, com sua capacidade persuasiva e um networking de tirar o chapéu, conseguiu mobilizar cantores, atores, influenciadores e personalidades importantes da Globo para fazer parte da tropa petista. Uma das primeiras artistas a se manifestar publicamente e declarar voto em Lula foi a cantora Anitta e a pessoa responsável por fazer a ponte e conseguir o apoio foi a primeira-dama. Esse é considerado um dos movimentos mais inteligentes da campanha presidencial.
Com toda a mobilização na internet, Janja foi responsável por aproximar Lula das redes sociais e de influenciadores populares entre o público jovem, o que contribuiu para afastar a imagem de ex-presidente antiquado e colocou o petista no imaginário social como uma pessoa antenada nas tendências. Além disso, a primeira-dama também esteve presente no comitê da campanha e participou de importantes reuniões.
Em certos momentos, a mulher de Lula chegou a desempenhar um papel de administradora, escalando participantes de reuniões, decidindo quem iria acompanhar o marido em viagem e delegando funções a colaboradores da campanha. Dentre todas as ideias executadas pela socióloga está a “super live”, com participação de influencers — a quem convidou pessoalmente —, na última semana antes do primeiro turno.
Ao mesmo tempo, não deixou de dar atenção ao marido e, em todo momento, buscou cuidar de Lula, sempre com uma garrafa de água para oferecer a ele e encerrando reuniões políticas para não sobrecarregar o amado.
A história de amor de Lula e Janja
Lula e Janja se conheceram no fim de 2017, em um evento que reuniu ativistas, petistas e artistas de esquerda, entre eles o cantor Chico Buarque. Na ocasião, 1.500 militantes petistas, incluindo Janja, foram convidados para a inauguração de um campo de futebol na Escola Nacional Florestan Fernandes do Movimento Sem Terra (MST), em Guararema, São Paulo.
Na época Lula estava viúvo há 10 meses de Marisa Letícia, falecida em fevereiro de 2017, e na iminência de ser preso no âmbito da Operação Lava Jato. Os dois mantiveram contato, mas o romance só começou e foi oficializado em 2019, quando o petista já estava preso.
Em maio de 2019, o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira visitou Lula na prisão e, ao sair, revelou que o ex-presidente estava “apaixonado e seu primeiro projeto ao sair da prisão é se casar”. A declaração fez surgir as especulações sobre a então namorada do petista e, em novembro de 2019, quando Lula foi solto, Janja estava esperando na saída do presídio em Curitiba junto com familiares e líderes do PT e, pela primeira vez, os dois se beijaram em público, em frente a uma multidão.
"Eu quero apresentar para vocês uma pessoa de quem eu já falei, mas que nem todos vocês conheciam. Eu quero apresentar a minha futura companheira", disse Lula no momento, emocionado. Posteriormente, em meio a declarações de campanha, o vencedor das eleições deste ano chegou a revelar alguns detalhes do relacionamento com a socióloga e afirmou que se apaixonou por ela quando estava preso e recebia cartas e mimos de Janja.
A primeira-dama manteve diálogo com o amado durante o mais de um ano em que ele esteve preso, por meio de cartas. Ela também visitava Lula com frequência, preparava refeições e chegou a se oferecer para lavar as roupas do ex-mandatário. Ela morava em Curitiba e sempre levava uma comidinha para mim toda a noite. Não deixava eu mandar minha roupa para lavar fora, queria lavar na casa dela. Quando eu saí, pensei: 'não tem outro jeito, vou casar'”, contou o presidente eleito em entrevista ao podcast PodPah.
Logo após ter liberdade concedida, os dois foram viver juntos e namoraram por mais dois anos e meio, aproximadamente, antes de se casarem. "Eu saí da cadeia outro homem. Tive a graça de Deus de sair para casar com a Janja", declarou Lula. Em maio de 2022 Lula e Janja oficializaram a união em uma cerimônia intimista para cerca de 150 convidados, em um bairro nobre de São Paulo.
Desde o casamento, Janja ganhou notoriedade dentro e fora do comitê eleitoral do petista e é conhecida por pessoas que convivem com ela como uma mulher com brilho próprio, de conteúdo, com personalidade forte e amorosa. As inúmeras qualidades ganharam o coração de Lula, que, aos 76 anos, diz estar apaixonado “como se tivesse 20 anos de idade”.
O amor é recíproco e as declarações públicas do presidente não ficam sem resposta. Janja não hesita em demonstrar a paixão que sente por Lula, para quem sempre tem beijos e carinhos prontos. "Adoro falar 'meu marido'", assumiu a primeira-dama. “Eu aprendi que quando você perde a tua mulher e você pensa que a vida não tem mais sentido, quando você pensa que tudo acabou, aparece uma pessoa que começa a dar sentido à vida outra vez”, afirmou Lula à revista americana Time, se referindo ao fato de ter encontrado Janja depois de ficar viúvo duas vezes: de seu primeiro casamento com Maria de Lourdes da Silva e do segundo casamento com Marisa Letícia.
Quem é Janja e qual sua trajetória
Rosângela Lula da Silva, 56 anos, é socióloga formada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com especialização em História e MBA em gestão social e sustentabilidade. Nasceu em 27 de agosto de 1966 em União da Vitória, no Paraná, mas se mudou para Curitiba logo após ter nascido, com apenas dez dias de vida.
Mais nova entre os dois irmãos, Janja é filha do comerciante aposentado José Clóvis da Silva, 82 anos, e da dona de casa Vani Terezinha da Silva, conhecida pelos mais íntimos como “Têre”, falecida em 2020. Lula é o segundo casamento da socióloga. Ela não tem filhos e torce para o Flamengo.
Na vida profissional Janja tem um currículo extenso que vai de professora universitária a funcionária de estatais. Ingressou no curso de ciências sociais em 1990 e em 1995, já formada, atuou como docente colaboradora do Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).
Mais tarde, trabalhou na Usina Hidrelétrica de Itaipu, onde foi foi assistente do diretor-geral e coordenadora de programas voltados ao desenvolvimento sustentável na hidrelétrica, até 2012. Um desses programas era chamado de Energia Solidária e buscava melhorar as condições de moradia dos barrageiros que ocupavam a base da pirâmide profissional.
Depois de sua passagem pela hidrelétrica, Janja trabalhou como assessora de comunicação e relações institucionais na Eletrobras, onde permaneceu de 2012 a 2016. Assim que deixou a Eletrobras, a socióloga voltou a integrar o quadro de servidores da Itaipu por mais cinco anos. Em 2020 deixou a hidrelétrica e se aposentou.
Apaixonada pelo Partidos dos Trabalhadores, Janja é filiada ao PT desde 1983, quando tinha 17 anos.