Nas Entrelinhas

Análise: Denúncia das rádios foi tiro no pé de Bolsonaro

A ordem na campanha de Bolsonaro é esquecer a história das rádios e deixar o assunto morrer na Justiça, porque a denúncia foi uma Operação Tabajara, como diria o humorista Claudio Manoel, da antiga Casseta & Planeta. Não se sustentou 24 horas, porque revelou atraso na entrega dos programas às rádios, falhas no monitoramento das redes sociais e uma desconfiança, por parte da própria equipe de campanha, de que o ex-secretário de Comunicação da Presidência Fábio Wajngarten, autor da trapalhada, comprou gato por lebre, ao acreditar que o dossiê com a denúncia tivesse total veracidade e poder de provocar até o adiamento das eleições.

A tese foi comprada pelo ministro das Comunicações, Fábio Faria, que divulgou a denúncia em entrevista coletiva na segunda-feira, sem que o senador Fábio Bolsonaro (PL-RJ) e o marqueteiro da campanha, Duda Lima, fossem consultados. Como todo candidato que está perdendo a eleição acredita em qualquer coisa que possa mudar o rumo da história, Bolsonaro se empolgou e agarrou a denúncia com as duas mãos, mas foi demovido de um confronto mais sério com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, pela cúpula das Forças Armadas e os caciques do Centrão — o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e próprio presidente do PL, Valdemar Costa Neto — tão logo as rádios começaram a desmentir as informações.

Quando Bolsonaro convocou a reunião ministerial de emergência, na quarta-feira à noite, os políticos e militares do governo já estavam conscientes de que a "bala de prata" seria um tiro no pé. Ainda tentaram demover Bolsonaro de comentar o assunto, mas já era tarde, porque ele estava muito irritado com a resposta de Moraes e havia anunciado a entrevista. Ontem, porém, o assunto já era tratado como uma agenda negativa, sobre a qual a campanha não deveria mais tratar. O foco foi todo voltado para a agenda de Bolsonaro no Rio de janeiro, que fora suspensa na véspera, e sua preparação para o debate de hoje, na TV Globo.

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Nada de braçada

O resultado foi que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou o dia de ontem nadando de braçadas: "Eu não sei o estado psicológico do presidente, mas essas coisas da rádio são incompetência da equipe dele. Não temos nada a ver com isso. Ele está um pouco desesperado, percebeu que tem a possibilidade de perder a eleição", disse entrevista ao Correio, à Clube FM e à TV Brasília. "Nós ainda temos que disputar (o voto de) algumas pessoas que estão indecisas e pessoas que votaram nulo e branco no primeiro turno, mas é o direito que ele tem de chorar, espernear, de quem sabe que vai perder as eleições. O Bolsonaro está ciente que vai perder as eleições. Ele estuda pesquisa, encomenda pesquisa e ele sabe que vai perder".

Enquanto o clima na campanha de Bolsonaro era de que a semana fora perdida, Lula manteve a ofensiva. "O povo quer o Brasil mais alegre, com esperança, com prazer de ser brasileiro. Um país que distribui livros, não armas. Os servidores não receberam nenhum reajuste desde 2017. É um absurdo. O brasileiro era o povo mais feliz do mundo", disse, num claro recado para os servidores públicos, que em Brasília são a categoria mais numerosa.

No final da tarde, lançou um documento intitulado Carta para o Brasil do amanhã, com propostas de governo com o claro propósito de agradar o mercado financeiro e o agronegócio, além da classe média, que vota majoritariamente com Bolsonaro. "Democracia e liberdade", "desenvolvimento econômico com investimentos", "desenvolvimento sustentável e transição ecológica", "reindustrialização do Brasil" e "agricultura sustentável" são os principais temas do documento, que tem 13 capítulos. Na abertura da carta, Lula diz: "Temos consciência da nossa responsabilidade histórica e, junto com amplas forças que apoiam a democracia brasileira, a partir de um permanente processo de diálogo e escuta da sociedade, apresentamos nossas principais propostas para a reconstrução do país".

O documento servirá de referência para a participação de Lula no debate da TV Globo, hoje à noite, que é considerado uma espécie de batalha final com o presidente Bolsonaro. O petista não se saiu bem nos debates anteriores, embora isso não tenha alterado radicalmente o curso das eleições. Sua intenção é não cair nas armadilhas de Bolsonaro e manter o apoio que já tem, sem aumentar a rejeição. Em contrapartida, Bolsonaro aposta tudo no debate, porque precisa reverter sua desvantagem estratégica: 50% de rejeição, contra 45% de Lula.

O ex-presidente liderou o primeiro turno da eleição com 48,4% dos votos ante 43,2% do atual presidente da República, uma diferença de cerca de 6 milhões de votos. No fim da tarde, a pesquisa Atlas mostrou que a campanha de Lula se manteve na dianteira em Minas Gerais, onde Bolsonaro esperava reverter a vantagem, e no computo geral registrou 52,4% para o petista e 46,0 %, para o presidente da República, nas intenções totais de votos, uma vantagem de 6,4 pontos, a maior até agora no segundo turno. No começo da noite, o DataFolha também divulgou nova pesquisa, com Lula apresentando 49% dos votos totais e Bolsonaro, 44%, uma diferença de cinco pontos. Em termos de votos válidos, a pesquisa Atlas registrou 53,2% a 46,8% e a DataFolha, 53% a 47%, a favor de Lula. Em termos de votos válidos, o que pode alterar esse resultado são as abstenções.