Mais do que os próprios candidatos, as redes sociais vêm sendo grandes protagonistas dessas eleições. Com papel central, elas impulsionaram ou atrapalharam as estratégias dos postulantes aos cargos dos Executivos e Legislativos. Garantir a presença digital deixou de ser um fator extra, segundo avaliam os especialistas ouvidos pelo Correio: virou decisório ter um bom perfil nas redes sociais, com estratégia guiada por dados e com investimento em tráfego pago — os impulsionamentos pagos nas plataformas para que uma publicação ou campanha alcance mais pessoas.
Devido ao histórico de alta circulação de fake news nas plataformas, a preparação este ano girou em torno de frear a disseminação de mentiras, bem como de assegurar que o ambiente da internet fosse uma extensão das campanhas já vistas nas ruas, seguindo as regras impostas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Apesar disso, a circulação de deep fakes não deixou de ocorrer nos ambientes digitais.
As deep fakes são montagens artificiais que possibilitam colocar qualquer pessoa em diferentes contextos. A técnica requer alto conhecimento e domínio sobre inteligência artificial. Os algoritmos são aplicados para fazer o reconhecimento do rosto no vídeo original — de onde os traços serão copiados — e mapear alguns pontos principais, como altura dos olhos e movimentação da boca durante a fala. Com o aprimoramento das técnicas, está cada vez mais difícil reconhecer quando há manipulação em um vídeo.
Um dos principais nomes brasileiros a mexer com a tecnologia é o jornalista e roteirista Bruno Sartori, conhecido como "bruxo dos vídeos", justamente pelas brincadeiras que faz com as técnicas de manipulação. No início do ano, com o intuito de alertar a respeito dos deep fakes, Sartori criou uma manipulação em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aparecia reclamando sobre a quantidade de paçocas que vinha num pote comprado em supermercado. "Olha só como parece ter um monte, mas não tem! Só tem paçoquinha em volta, no meio não tem! Isso aqui não é propaganda enganosa?", diz o falso Lula no vídeo.
"Esse vídeo pode passar como real para muita gente. Usei deep fake para inserir o rosto de Lula e transferir o timbre de voz dele para a fala original: é um computador falando. Precisamos ficar alertas neste ano eleitoral, pois, conteúdos com intuito de enganar podem aparecer", alertou o jornalista em fevereiro deste ano.
Em relação aos deep fakes, analistas acreditam que ainda há muito o que se compreender. Para o cientista político André César, da Hold Assessoria, apesar dos esforços, as redes sociais ainda são um terreno desregulado. "Nós ainda estamos no terreno do experimento, da experimentação, e está difícil dar respostas efetivas. Mas o tempo vai correndo, vai ficando mais difícil esse ataque a essas questões, como dos deep fakes, que são uma coisa louca, um exemplo dessa realidade que foge o controle", avalia.
Outro fator que demonstra a complexidade do combate às fake news é que não houve diminuição no ritmo de circulação desse tipo de conteúdo. A socióloga e professora da Universidade de Brasília (UnB) Christiane Coelho nota que houve maior controle, mas não necessariamente menor volume de notícias falsas fomentando debates. Para ela, a atuação dos órgãos superiores foi crucial para que diminuísse o tempo entre o nascimento e a detecção da fake news, mas elas não deixaram de circular em massa.
"Por um lado ficaram mais controladas, no sentido de ter uma maior preocupação dos órgãos superiores em controlar as redes sociais, e principalmente a questão das fake news. Por outro lado, isso ficou totalmente descontrolado na escala micro social, na escala do cotidiano, e no funcionamento na prática das redes interpessoais. Há, na sociedade, a formação de bolhas e essas bolhas se retroalimentam em termos de visão de mundo, e nessa retroalimentação acabam funcionando muito o papel das fake news e da formação de opiniões tendenciosas", explica.
Em 2018, as fake news assustavam pelo teor de novidade que carregavam. A CEO da Vert.se Inteligência, que atua com dados digitais, Carol Zaine, pontua que houve, nos últimos quatro anos, uma evolução do brasileiro nesse quesito. "Mais do que os acordos feitos entre as gigantes do vale do silício com a justiça eleitoral, que, sim, gerou impacto, vimos parte da imprensa, agências de checagem de fatos, influenciadores e até mesmo pessoas próximas dos círculos sociais apontando notícias falsas e debatendo a questão. Esse movimento foi muito importante para o desenvolvimento do senso crítico do brasileiro, que até então apenas consumia o conteúdo que recebia sem questionar", relembra.
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Estratégias
Do ponto de vista das estratégias utilizadas por ambas campanhas para dominar o espaço das redes sociais, Carol avalia que este ano o uso foi mais equilibrado. "Em 2018, vimos a direita nadar de braçada nesse ambiente digital. Eles tinham mais domínio até pelo histórico de articulações da direita que aconteceram no mundo naquele período", pontua. Segundo Carol, a esquerda aprendeu a jogar esse jogo. "É notável a evolução desse grupo nas mídias sociais. E, a cada eleição, os partidos terão que se adaptar às constantes mudanças desse universo para conseguir impactar o eleitorado. Como disse, as mídias sociais são fundamentais na estratégia de qualquer campanha", conclui.
Mas não basta estar presente nas plataformas. É preciso engajar os seguidores que acompanham o candidato. É o que salienta a vice-presidente do Ideia instituto de pesquisa, Cila Schulman. "As campanhas vitoriosas são as que souberam fazer dos seus apoiadores multiplicadores ativos de conteúdo. Os podcasts foram a grande novidade. Tanto a participação de candidatos neles como a repercussão depois nas redes", destaca.
Cristiana Brandão, diretora de operações do Instituto de Pesquisa Ideia explica que uma parcela significativa do eleitorado brasileiro hoje acompanha algum político nas redes sociais. "Cerca de 41% dos respondentes, numa amostra de 2.500 disseram que acompanham. Então, quatro entre dez pessoas que responderam a nossa pesquisa acompanham políticos em redes sociais. Isso faz parte da vida do brasileiro agora. Não tem porque elas não acompanharem políticos e se informarem sobre política nas redes", observa.
Regulamentação
No último dia 13, ao comentar decisão tomada para a remoção de conteúdos eleitorais inapropriados das redes sociais, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, disse que "a desinformação em sua segunda geração" é uma das marcas da atual corrida ao Palácio do Planalto.
Foram suspensos dois conteúdos considerados prejudiciais ao petista e ao atual presidente. Sobre Bolsonaro, foi unânime o voto pela manutenção da decisão que proibiu a veiculação de uma antiga entrevista do atual presidente ao New York Times, em que ele manifesta interesse em participar de um ritual indígena que envolvia a antropofagia. A propaganda petista, veiculada na TV, foi considerada ofensiva à imagem do candidato e um risco à integridade do processo eleitoral.
Já em benefício de Lula, por 4 a 3, o TSE também decidiu pela retirada do ar de conteúdo que atacava a candidatura petista. Vídeo divulgado pela produtora Brasil Paralelo apresentava matérias jornalísticas que acusavam Lula de casos de corrupção noticiados quando ele era presidente. Os casos, no entanto, não são imputados ao candidato. "Estamos diante de um fenômeno novo, o fenômeno da desinformação, que vai além da fake news. O eleitor não está preparado para receber esse tipo de desordem informacional", disse o ministro Ricardo Lewandowski.
A parceria do TSE com as plataformas de redes sociais foi essencial, inclusive, para que a eleição ocorresse dentro dos trâmites democráticos. É o que avalia Cila Schulman: "O trabalho do TSE, em conjunto com as plataformas, foi importante, inclusive, para permitir que as eleições ocorram, já que desde 2018 triplicou o número de pessoas que não acreditam no sistema eleitoral brasileiro. O TSE atuou no combate às fake news com rapidez e executou todas as estratégias indicadas de administração de crise digital, com os instrumentos que conseguiu ter", destaca.