Eleições 2022

Sob ataque de Bolsonaro, urnas eletrônicas simbolizam força das instituições

Sob ataque cerrado do presidente Bolsonaro e de seus seguidores, as urnas eletrônicas simbolizam a força das instituições brasileiras. Hoje à noite, mais uma vez, os equipamentos revelarão a vontade soberana do eleitor

Vinicius Doria
Taísa Medeiros
postado em 30/10/2022 04:00
 (crédito:  AFP)
(crédito: AFP)

Na berlinda desde a posse de Jair Bolsonaro na Presidência da República, em janeiro de 2019, a democracia brasileira conclui, hoje, mais um ciclo eleitoral — demonstração máxima do poder que emana do povo, segundo o princípio pétreo da Constituição. Foram três anos e dez meses de esgarçamento das relações entre os Poderes da República, provocado pela postura belicista do incumbente. Na oposição, a volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao jogo político, depois da anulação dos processos que enfrentou no âmbito da Operação Lava-Jato, catalisou de forma inédita um conjunto de forças heterogêneas, unidas na defesa da democracia e do Estado de Direito.

A eleição não dará fim à polarização, mas é demonstração da força do sistema eleitoral brasileiro e, principalmente, das instituições que cuidam da estabilidade política do país. "Acredito que as urnas poderão trazer um pouco de paz. Nós já vivemos diversas eleições, bem acirradas, como a de 2014, 2010. É sempre assim. Acredito que haverá paz se todos se respeitarem, respeitar que o outro ganhou e eu perdi", avalia o advogado e professor de direito eleitoral Alberto Rollo.

O ano de 2019 inaugurou uma nova fase da política brasileira, com a ascensão, pelas urnas, de uma direita agressiva e com discurso antissistema, seguindo uma onda que vinha sendo vista em outros países do mundo — que teve no presidente dos Estados Unidos Donald Trump seu principal expoente. Mas, a derrota na eleição por um segundo mandato, em 2020, e a contestação dos resultados eleitorais nos Estados Unidos alimentaram a invasão do Capitólio por seguidores de Trump, em janeiro do ano passado, na posse de Joe Biden, e deixaram analistas brasileiros preocupados com a possibilidade de reação semelhante aqui em caso de derrota de Bolsonaro, hoje (leia reportagem sobre a expectativa internacional abaixo).

"Se Lula vencer, teme-se que os derrotados tentem organizar uma versão brasileira dos fatos que, nos EUA, geraram a invasão do Capitólio. Creio que, em alguma medida, a vitória de Lula pode melhorar um pouco a situação da instabilidade política, por enfraquecer um pouco o bolsonarismo, mas não a ponto de ele desaparecer. As evidências vão no sentido de que o bolsonarismo se enraizou e terá durabilidade", diz Marcus Ianoni, cientista político e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Das urnas à posse

Com um discurso ufanista e cheio de referências à guerra ideológica que patrocinou na campanha eleitoral de 2018, Jair Bolsonaro assumiu o cargo amparado pelos 57,8 milhões de votos que recebeu no segundo turno da eleição presidencial. O presidente inaugurou uma nova forma de comunicação com a população. Afastou-se da imprensa profissional e passou a dar seus recados em postagens e transmissões ao vivo (lives) nas redes sociais. Também adotou o hábito de conversar diretamente com apoiadores na entrada do Palácio da Alvorada, no chamado "cercadinho". Assim, alimentou de forma constante as redes digitais que dão suporte ao bolsonarismo.

Com o apoio de denominações evangélicas neopentescostais, a pauta ultraconservadora de costumes ganhou uma dimensão até então nunca vista no governo. O Palácio do Planalto passou a sediar, inclusive, cultos religiosos. "O Estado é laico, mas o presidente é cristão", costumava repetir o presidente. Foi nesse contexto que Bolsonaro prometeu indicar um nome "terrivelmente evangélico" para o Supremo Tribunal Federal (em 2021, indicou seu ex-ministro da Justiça e ex-advogado geral da União André Mendonça), em seu primeiro sinal explícito de inconformismo com a composição da Corte.

A briga com o Poder Judiciário começou a se acirrar no segundo ano do mandato, quando o mundo sucumbiu ante a pandemia da covid-19. O presidente adotou uma postura negacionista e passou a criticar as medidas de restrição social que começavam a ser adotadas por governadores para conter a transmissão da doença, amparados por decisão do Supremo Tribunal Federal. Bolsonaro recusou-se a usar máscara, participou de aglomerações, propagandeou remédios sem eficácia contra a doença, como a cloroquina e a ivermectina, lançou uma cruzada contra as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e colocou em dúvida a eficácia das vacinas que estavam sendo desenvolvidas.

Ataques ao STF

Foram as aparições em manifestações antidemocráticas de apoiadores que ligaram o sinal de alerta sobre as reais intenções do presidente. Em maio de 2020, uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que impediu a posse do aliado Alexandre Ramagem no comando da Polícia Federal, deflagrou a crise entre os Poderes. "Chega de interferência, não vamos admitir interferências. Acabou a paciência", vociferou na Praça dos Três Poderes para seus apoiadores, que empunhavam faixas e cartazes defendendo "intervenção militar". No fim daquele mês, um grupo de cerca de 300 pessoas — mascaradas e erguendo tochas acesas — cercou a sede do Supremo, em Brasília, e disparou rojões contra o prédio, liderado pela ativista Sarah Winter.

Os ataques sistemáticos às urnas eletrônicas só viriam a ganhar corpo no ano seguinte, em 2021, quando o presidente encampou com mais veemência a defesa pelo voto impresso com o falso argumento de que o equipamento permitiu fraudes em eleições passadas. Bolsonaro nunca apresentou provas das denúncias, mas incluiu o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), à época, ministro Luiz Roberto Barroso, na lista de "inimigos" a serem combatidos. "A fraude está no TSE, isso foi feito em 2014", declarou. "Imbecil" e "idiota" foram termos usados pelo presidente contra o magistrado.

Quando o Supremo confirmou, em maio de 2021, a anulação dos processos contra o ex-presidente Lula no âmbito da Operação Lava-Jato, recolocando o líder petista de volta ao jogo sucessório, Bolsonaro voltou a ameaçar. "Ou fazemos eleições limpas ou não teremos eleições", declarou.

O clímax desse confronto se deu nos atos antidemocráticos de Sete de Setembro. Nos discursos que fez em Brasília e em São Paulo, o presidente ameaçou, inclusive, descumprir decisões judiciais. "Quero dizer a vocês que qualquer decisão do ministro Alexandre de Moraes esse presidente não mais cumprirá, a paciência do nosso povo se esgotou", disse na capital paulista.

Com a má repercussão das manifestações, Jair Bolsonaro reduziu o tom das críticas e passou a repetir que joga "nas quatro linhas da Constituição". Mas não baixou a guarda contra as urnas eletrônicas e ao STF.

Do outro lado, o ex-presidente Lula viveu anos de percalços com a Justiça, condenado em dois procesos da Lava-Jato. Em abril de 2018, foi preso na Polícia Federal em Curitiba, onde passou 580 dias detido, voltando à liberdade em novembro de 2019, quando o STF passou a considerar a prisão em segunda instância inconstitucional. Os processos foram anulados em 2021 pela Corte.

"A campanha eleitoral serve para relembrar esses fatos, então as campanhas falaram da pandemia, de quem foi preso, quem foi solto, e é o eleitor que vai decidir. Isso é o bacana da democracia. Se a regra do jogo é limpa, se a regra do jogo é respeitada por todos, quem ganhar a eleição vai ter que governar para todo mundo e quem decide na urna é o eleitor", salientou Alberto Rollo.

 

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