O comitê de campanha à reeleição de Jair Bolsonaro (PL) se prepara para um segundo turno que pode virar uma guerra de rejeições, na avaliação de aliados do presidente. A estratégia de propaganda eleitoral tende a recrudescer, se tornando "mais combativa", na palavra de um dos estrategistas de Bolsonaro. Do ponto de vista de alianças, estão na mira imediata governadores como Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, considerado um aliado-chave pelo Palácio do Planalto, e Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás.
Integrantes do governo e do comitê bolsonarista entendem que, para mudar o cenário de favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), será preciso ampliar o sentimento de antipetismo e apostar na desconstrução do adversário. Pesquisas de intenção de voto durante toda a campanha até agora mostraram que o antibolsonarismo prevaleceu. O resultado do primeiro turno foi de Lula com 48,4% dos votos, e Bolsonaro com 43,2%.
Na primeira entrevista após a votação, no Palácio da Alvorada, Bolsonaro indicou que irá rever a estratégia e promover ajustes. Em tom sereno, ele reconheceu o sentimento de desaprovação a seu governo e falhas no marketing. Já havia no seu comitê alas que pregavam a linhas distintas, uma mais propositiva e outra favorável ao enfrentamento maior com Lula. "Entendo que há uma vontade de mudar por parte da população, mas tem certas mudanças que podem vir para pior. A gente tentou mostrar durante a campanha esse outro lado, mas parece que não atingiu a camada mais importante da sociedade", disse o presidente. "Existe o sentimento por parte da população que sua vida não ficou igual ao que estava antes da pandemia, ficou um pouquinho pior e a tendência é buscar um responsável, que sempre é o chefe do Executivo."
O presidente, então, afirmou que vai mostrar "o que foi a pandemia" e seus efeitos sobre a economia. Ele repetiu argumentos já explorados como sua conhecida oposição às políticas de isolamento social, os efeitos da guerra na Ucrânia e o que chamou de "crise ideológica" - vitórias de candidatos de esquerda na Argentina, Chile, Colômbia e Venezuela. "Entendo que é por aí nosso trabalho por ocasião do segundo turno", disse Bolsonaro, que confirmou a intenção de comparecer mais a debates e sabatinas.
Um oficial-general da reserva com assento no governo lembra que a gestão do presidente tem dados positivos para mostrar, sobretudo indicadores econômicos mais recentes e redução de alguns crimes, "mas a chance de melhorar é fazer aumentar a rejeição do Lula". Para ele, a campanha tem sido feita com argumentos para "destruição do oponente" e não para a valorização do que cada um pode fazer.
Os integrantes da campanha, sobretudo ligados ao vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente que orientou a estratégia no debate da TV Globo e coordena as ações nas redes sociais, defendem a linha de ampliar a combatividade. A presença de Carlos e a postura de Bolsonaro no debate são vistas como indicativos de que a estratégia poderá ganhar força.
A propaganda do presidente já retomou o discurso "contra o sistema". Além das redes sociais, Lula já foi alvo de propagandas no rádio e na TV que o associavam a crimes comuns, como roubo e tráfico de drogas, além dos escândalos de corrupção como mensalão e petrolão.
Críticas contra institutos de pesquisa
O presidente e seus ministros voltaram suas baterias contra institutos de pesquisa. Querem usá-los como forma de animar seus seguidores, que chegaram à reta final com sinais de abatimento. Como os números de Bolsonaro ficaram acima dos registrados na véspera, em sua maioria, vão aproveitar a onda para ampliar a contestação de institutos de pesquisa.
Segundo o presidente, diante da divergência alguns institutos não deveriam voltar a fazer pesquisas. "Acho que se desmoralizou de vez os institutos de pesquisa. Não vão continuar a fazer pesquisa, não é possível", afirmou na porta do Palácio da Alvorada. Os ministros Ciro Nogueira (Casa Civil) e Fabio Faria (Comunicações) cobraram explicações e defenderam investigação do que consideraram uma "vergonha" e um "escândalo".
Por outro lado, ministros como Paulo Guedes (Economia) e Marcelo Queiroga (Saúde) foram escalados para responder a temas sensíveis, como os cortes orçamentários para 2023 na Saúde, para manter os R$ 19,4 bilhões reservados ao orçamento secreto. Houve propagandas específicas com feitos do governo para atingir grupos como enfermeiros, agricultores, gamers, professores, mulheres, mães de crianças com doenças raras, estudantes do Fies e até idosos, com a prova de vida que dá acesso a benefícios do INSS, por meio do registro do voto. Boa parte dessas inserções nem sequer trazia a imagem de Bolsonaro.
Às vésperas do primeiro turno, o governo anunciou a nomeação de 560 policiais federais concursados, uma exceção justificada pelo Palácio do Planalto como forma de não comprometer o funcionamento do serviço público. Além disso, o governo pode explorar que vai incorporar ao Farmácia Popular, programa que vai perder 60% das verbas no ano que vem, como revelou o Estadão, cinco novos remédios para hipertensão e diabetes. É a primeira vez que novos medicamentos são incluídos desde 2011. O corte orçamentário, por sua vez, limita o acesso a 13 tipos de medicamentos.
Esse mesmo militar que participa do governo entende que Bolsonaro deveria ter modulado o discurso antes e que deu brechas para os adversários explorarem: "Se ele tivesse mudado meia dúzia de coisas no discurso ao longo do mandato levava no primeiro turno, com o pé nas costas. Ele foi o maior inimigo dele mesmo". Para ele, a campanha deve explorar que Lula seria um "cheque em branco", enquanto Bolsonaro não daria uma guinada diferente do que foi o atual mandato.
Os aliados do presidente tentam agora reagir ao que consideram uma onda de influenciadores contra Bolsonaro, como celebridades, parte da mídia, youtubers e artistas formadores de opinião. Diante de um sentimento de abatimento externado por apoiadores, Bolsonaro recorreu de última hora e conseguiu obter gravações de vídeo com apoio de cantores, principalmente os sertanejos, artistas e atletas, como jogadores de futebol da seleção brasileira, do atletismo e do automobilismo, além de personagens da direita internacional, como o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, o ex-premiê israelense Benjamin Netanyahu e o ex-presidente da Assembleia da Venezuela Juan Guaidó, considerado pelo governo como chefe do governo venezuelano.
Alianças e doadores
Em termos de recursos, a campanha aposta em um reforço de caixa por meio de doadores já aliados, principalmente com a base do agronegócio. Na avaliação de um ministro do Centrão, a passagem ao segundo turno é a senha para que as contribuições se destravem. Segundo esse titular do primeiro escalão do Planalto, com "Lula sempre na frente todo mundo fugiu".
Nesta segunda-feira, 3, o comitê do presidente deve se reunir em Brasília para traçar estratégias. Uma delas é a busca por partidos e candidatos eleitos ou que disputam o segundo turno nos Estados e que potencialmente se engajariam na campanha do presidente. Na reta final, familiares do presidente cobraram mais empenho de candidatos aliados, acusados de serem "alpinistas" e "caroneiros", que estariam omitindo o presidente da propaganda. Bolsonaro disse compreender o foco deles nas próprias disputas, mas agora vai atrás de manifestações explícitas.
Bolsonaro planeja se reunir com deputados e senadores eleitos em busca para reverter o quadro mais favorável a Lula. Ele disse que já recebeu um telefonema com promessa de esforços do governador reeleito no Rio, Cláudio Castro (PL).
Os governadores reeleitos Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, considerado um aliado pelo Palácio do Planalto, e Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás, estão no topo da lista do comitê de Bolsonaro. No primeiro turno, ambos se afastaram do governo por causa da alta rejeição do presidente e fizeram campanha pela direita de forma independente. Bolsonaro lançou candidatos próprios contra eles, mas a estratégia não vingou.
Entre os dois, Zema já é dado como "apoio certo" por ministros palacianos. Bolsonaro disse já ter dialogado com um interlocutor do governador de Minas e que a conversa com ele está "bastante avançada". Há possibilidade de um encontro na terça-feira, em Belo Horizonte.
Minas é uma peça-chave para a decisão no segundo turno, por ter dado a vitória a Lula e ser o segundo maior colégio eleitoral do País. A ajuda de Zema poderia melhorar o desempenho de Bolsonaro, principalmente no interior, avaliam os estrategistas. Apesar de não ter dado garantias, Zema tem sido aliado do governo e admitiu conversar com Bolsonaro. Logo depois de reeleito, o governador disse que garante que não dará apoio ao PT: "Está fora de cogitação".
O comitê também comemorou os sinais de afinidade do Partido Novo, do candidato Luiz Felipe DÁvila, que fez dobradinha com Bolsonaro no debate da Globo. Outra adesão oficial esperada é a do PTB, do candidato Padre Kelmon. O União Brasil, que planeja fusão com o Progressistas, também está na mira de Bolsonaro. O presidente se disse de portas abertas para conversar com outros presidenciáveis derrotados, mas não quis falar, por exemplo, do MDB. Simone Tebet, com 4,1% dos votos, deve declarar apoio a Lula.
"No segundo turno zera o jogo, temos chance de coligar com qualquer partido", diz o deputado Capitão Augusto (PL-SP), vice-presidente da legenda de Bolsonaro.
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