Os resultados do primeiro turno das eleições presidenciais neste domingo (2/10) confirmaram o que as pesquisas de intenção de voto vinham apontando há meses em relação às principais apostas da chamada "terceira via": Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB) e Soraya Thronicke (União Brasil).
As candidaturas tentaram, mas não conseguiram se contrapor ao duelo entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL).
Enquanto Lula e Bolsonaro se preparam para o segundo turno, especialistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam quais os caminhos possíveis dentro da política para Ciro, Simone e Soraya.
O consenso entre os entrevistados é o de que a senadora Tebet sai das eleições "maior do que entrou" e desponta como um provável concorrente para as eleições de 2026.
Soraya, eles avaliam, conseguiu algum destaque, mas teria menos chances em projetos nacionais na comparação com sua colega de Senado.
Ciro, porém, seria o grande derrotado da terceira via. Segundo os especialistas, a forma como o ex-governador do Ceará conduziu sua campanha e os números que obteve devem dificultar novas candidaturas à Presidência.
Tebet, a grande surpresa
Tebet foi, segundo os especialistas entrevistados pela BBC News Brasil, a principal surpresa das eleições presidenciais deste ano. Ela obteve 4,16% dos votos válidos, terminando com um total um pouco inferior a 5 milhões de votos.
Eleita pelo Estado de Mato Grosso do Sul em 2014, ela bancou seu projeto presidencial contra a vontade de algumas das principais lideranças do MDB como o senador Renan Calheiros (AL) e o ex-senador Eunício Oliveira (CE).
"Eu fui uma das que escrevi que a candidatura não seria uma boa jogada política, mas me enganei redondamente. Simone sai muito maior do que entrou nessa eleição", diz a doutora em Ciência Política pela PUC de São Paulo, Deysi Cioccari.
Ela diz que, dado o perfil conciliador do MDB e o bom desempenho de Tebet nas eleições, uma possibilidade seria a acomodação dela em um eventual novo governo do PT.
"Ela desponta como um bom nome para o ministério da Agricultura de um possível governo de Lula. Já em relação a Bolsonaro, não consigo vê-la compondo com ele", disse a professora.
O doutor em Ciência Política e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo, Marco Antônio Teixeira, concorda com Deysi.
"Ela [Simone Tebet] só ganhou nessas eleições. Simone era pouco conhecida nacionalmente e se tornou a principal liderança visível do partido. Ela deu continuidade ao um processo de ganhar visibilidade que começou com a CPI da Pandemia", afirmou Teixeira.
O professor de Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos (UFScar) Fernando Azevedo diz acreditar que a projeção alcançada pela senadora nestas eleições a coloca como um nome praticamente certo nas eleições presidenciais de 2026 dentro do campo liberal.
"Simone Tebet é liberal na economia e mais aberta em temas culturais e comportamentais. Ela fez uma campanha de centro, com um rosto mais apropriado para uma terceira via. A sua campanha a projetou nacionalmente e certamente será um nome competitivo no campo liberal e de centro para o pleito de 2026", disse Azevedo.
Marco Antônio Teixeira pontua apenas um obstáculo para as ambições de Simone: o MDB.
"O MDB é um partido muito heterogêneo e com lideranças regionais fortes. A própria campanha de Tebet não foi consenso. Ela tem condições de liderar o partido, mas é preciso saber se o partido se deixará ser liderado por ela", disse.
Deysi Cioccari avalia que se o MDB impuser dificuldades a Simone Tebet em seus futuros projetos, haveria outros partidos de centro-direita que poderiam abrigá-la.
"Eu vejo ela, perfeitamente, dentro do PSD de Gilberto Kassab. Ela teria bastante espaço e seria um nome de expressão dentro do partido", disse.
Soraya: 'lacração' bem-sucedida
Para os cientistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil, Soraya Thronicke conduziu sua candidatura em uma linha tênue e arriscada.
Ao apostar em frases de efeito, atualmente chamadas de "lacração", Soraya teria corrido o risco de ser ridicularizada, mas, segundo eles, a senadora conseguiu se sair bem ao longo da campanha. Ela obteve 0,51% dos votos válidos, com um total de pouco mais de 600 mil votos.
"Ela fez uma jogada arriscada e que deu certo: tornar-se visível pela lacração. Mas ela não é igual a candidatos como o Padre Kelmon [PTB] ou outros políticos que já vimos. Ela definiu o seu território e construiu uma marca em torno de uma proposta [a do imposto único]. Independentemente de quem ganhar, ela sairá maior do que entrou", diz Deysi Cioccari.
Marco Antônio Teixeira, da FGV-SP, pontua que Soraya conseguiu alguma projeção nacional, mas em menor grau que a obtida por Simone Tebet. Ele avalia que a campanha teria sido um sucesso para ela e para o União Brasil.
"Para ela e para o partido, foi um ótimo negócio. Ela ganhou projeção nacional e o União Brasil ganhou uma liderança, um rosto forte que pode liderar o partido", avaliou.
Fernando Azevedo sustenta que a candidatura de Soraya teve o objetivo de manter o União Brasil neutro na disputa entre Lula e Bolsonaro e que o desempenho da senadora deverá cacifá-la para projetos regionais no estado de Mato Grosso do Sul.
"Provavelmente, ganhe quem ganhar, o partido [União Brasil] deverá apoiar pragmaticamente o próximo presidente exercendo o papel de um Centrão do B. Essa visibilidade que ela alcançou vai reforçar o seu nome para projetos eleitorais no seu estado", disse Azevedo.
Ciro Gomes: principal derrotado
Após sua terceira tentativa frustrada de se tornar presidente da República, Ciro Gomes é, segundo os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, o principal derrotado da terceira via. Ele obteve 3,04% dos votos válidos, com um total de quase 3,4 milhões.
A avaliação tem como base tanto a expectativa que havia em torno do seu nome no início da campanha, quanto pela forma turbulenta com a qual ele teria conduzido sua candidatura.
Ciro chegou às eleições de 2022 após obter 12,47% dos votos em 2018. Cultivando uma imagem de estudioso dos problemas do país e defendendo ser uma alternativa à suposta polarização entre Lula e Bolsonaro, Ciro fez críticas pesadas tanto a Bolsonaro quanto a Lula.
Seu comportamento é um dos pontos que fez com que os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliem que suas chances de alçar voos nacionais no futuro são limitadas.
"Ciro disse que desistiria da presidência se perdesse essa eleição. Eu acho difícil ele desistir. Mas o fato de ele não ter conseguido estabelecer diálogo com ninguém ao longo da campanha faz com que a possibilidade de um projeto nacional fique comprometida", disse Deysi Cioccari.
"O futuro dele no curto prazo é complicado. Não vejo ele conseguindo compor ou se juntando a Lula ou a Bolsonaro no segundo turno. Ele ficou isolado", diz a especialista.
"Ciro saiu muito menor do que entrou. Sua candidatura desidratou com campanha pelo voto útil do PT. Mas para além disso, tem o seu comportamento. Ele se isolou de tal forma que perdeu até o apoio dos irmãos em seu estado, o Ceará. Ele ainda tem estatura para projetos políticos, mas para voos maiores, ele precisará mudar totalmente o seu comportamento", avalia Marco Antônio Teixeira.
Para Fernando Azevedo, se Lula vencer as eleições, Ciro poderá ser relegado ao "ostracismo".
"A estratégia adotada por Ciro de criticar duramente o Lula não funcionou e ele sai da eleição provavelmente menor do que o seu tamanho político e eleitoral em 2018. Sua presença na cena nacional deverá ser esmaecida e, em caso de vitória de Lula cairá no ostracismo", disse o professor.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63105325
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