Lisboa — Os brasileiros que moram no exterior foram às urnas nas eleições de ontem. Rompendo um histórico de baixa adesão ao pleito brasileiro, em várias cidades do mundo, os eleitores não se incomodaram de enfrentar filas de até quatro horas, chuva, sol e frio para cravar o voto nas urnas. Até o fechamento desta edição, às 2h10, com 99,15% das seções totalizadas, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o vencedor da disputa foi o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, que teve mais de 47,13% dos votos válidos (137.643) contra 41,63% (121.591) para Jair Bolsonaro, do PL. Em 2018, o presidente do Brasil, que tenta a reeleição, teve uma vantagem de 77 mil votos sobre o petista Fernando Haddad.
Os melhores desempenhos de Lula foram registrados na Europa, que se afastou muito do Brasil no atual governo. O ex-presidente venceu nos dois principais colégios de Portugal (Lisboa e Porto), em Paris, em Londres, em Berlim e até na Hungria, governada por Viktor Urbán, extremista de direita. O melhor desempenho de Bolsonaro se deu em Tóquio, no Japão. Para especialistas, a mudança de rota no humor dos eleitores que moram fora do Brasil se deu, sobretudo, por causa da pandemia da covid-19. A forma como Bolsonaro lidou com a doença foi criticada no mundo inteiro.
Apoiadores dos dois principais candidatos não se intimidaram em ir às ruas. Em Lisboa, que reúne o maior grupo de brasileiros aptos a votar para presidente (45.273), bolsonaristas e lulistas trocaram farpas em frente ao local de votação, a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, mas não houve violência. Com gritos de "Lula, ladrão, seu lugar é na prisão", defensores de Bolsonaro se contrapunham aos cânticos dos apoiadores de Lula: "Lula, ladrão, roubou meu coração. Lula, Lula". Tudo sob o olhar da Polícia de Segurança Pública (PSP), que montou um esquema reforçado para evitar violência.
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Confronto
Eleitora de Lula, Ivonete Castro Santana, 49 anos, se disse comovida com o grande número de votantes em Lisboa. "É muito importante que todos expressem a sua posição política por meio do voto. Agora, isso não combina com apoiadores de Bolsonaro, por defenderem a ditadura, que retira dos cidadãos o direito básico de escolherem seus representantes nos governos e no Congresso." No entender dela, é preciso ter, no comando do Brasil, uma pessoa que represente os movimentos sociais e que resgate os símbolos nacionais, como a bandeira verde e amarela, apropriados por bolsonaristas.
Segundo João Pedro Delgado, 20, que participou pela primeira vez das eleições, além de extremamente importante, o voto é o caminho que os cidadãos têm para garantir um país melhor. "As pessoas lutaram bastante para conquistarmos esse direito. Então, como cidadão de bem que sou, só me resta votar, fazer a minha parte e escolher a pessoa que considero a mais correta para conduzir o país, na minha opinião", disse. Para Patrícia Cavalcanti, 46, "nada melhor do que exercer a cidadania, para transformarmos o nosso país".
João Santiago, 61, bolsonarista convicto, não se furtou em se meter entre os grupos que defendem Lula para dizer por que o seu candidato merecia o seu voto. "Em quatro anos de governo não houve nenhum caso de corrupção", bradava, sob vaias de oponentes. Priscila Alves, 35, disse que, com Bolsonaro, o Brasil pode saber o que era exatamente esquerda e direita e descobrir o que fazem o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). "Além disso, fez um governo para as famílias, sem corrupção, para os mais pobres", destacou, ressaltando que "tudo o que dizem sobre a covid-19 é mentira, inclusive no Amazonas", de onde ela é.
Marilda Batista, 55, afirmou que, "se votasse 10 vezes, votaria em Bolsonaro, porque ele está com Deus". Na opinião dela, os brasileiros devem usar os votos nas urnas para garantir a continuidade das mudanças que o presidente vem fazendo desde que chegou ao poder. "Não queremos mais governos de esquerda, que são corruptos. Precisamos valorizar a família. É nisso que eu acredito", assinalou.
Fraudes
Foram poucos os incidentes nas seções eleitorais espalhadas por 181 cidades de vários países. Um dos que mais chamaram a atenção ocorreu em Lisboa. Um homem tentou fraudar uma das urnas eletrônicas. Ele já havia votado de forma impressa e furou a fila para registrar novamente o voto eletronicamente. A urna, da seção 541, teve de ser impugnada e 59 votos foram cancelados. Foi feito um boletim de ocorrência junto à adida da Polícia Federal, vinculada ao Consulado-Geral do Brasil na capital portuguesa.
O homem, identificado como Fábio Félix dos Santos, de aproximadamente 50 anos, disse aos fiscais ter votado em Bolsonaro. Ele foi retirado do recinto e responderá por crime eleitoral no Brasil. Na sala em que Félix dos Santos estava, havia duas urnas — uma eletrônica, outra, de lona, que tinha substituído um equipamento com defeito detectado logo pela manhã. Depois de colocar o voto na urna de lona, ele correu na frente de outro eleitor que tinha sido liberado pelo mesário para votar e registrou o número do candidato de sua preferência. No caso da pessoa que o fraudador roubou o lugar, ao furar a fila, foi dado o direito de exercer seu direito por meio de voto impresso.
Diante de tanta confusão, um grupo de eleitores mais exaltados quis colocar a votação sob suspeita. Mas o Cartório Eleitoral autorizou a continuidade do processo pelo voto impresso. Depois desse fato, a atenção dos mesários aumentou, de forma a evitar a repetição de outros crimes. A segurança foi reforçada nas seções. Pedro Prola, fiscal do PT que acompanhou as votações na Faculdade de Direito, afirmou que a tentativa de fraude foi um caso isolado. "No geral, as eleições transcorreram de forma tranquila, apesar do número maior de eleitores e das filas para votação", assinalou.
Logo na abertura das votações, duas urnas eletrônicas falharam e foram substituídas por urnas de lonas, com votos impressos. Segundo o cônsul-geral do Brasil em Lisboa, Wladimir Valler Filho, as falhas nessas duas urnas foram comunicadas imediatamente ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que autorizou a substituição dos equipamentos. No total, 58 urnas eletrônicas foram enviadas para Lisboa.
Em Londres, uma mesária foi retirada do local de votação, o ginásio do West London College, acusada de fazer boca de urna, o que é proibido pelo TSE. A denúncia foi feita por uma eleitora. Elda Cardoso disse ter visto a mesária tentando convencer os votantes registrarem o número de Bolsonaro. "Uma senhora estava informando e auxiliando as pessoas no sentido de votar no presidente", afirmou.
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"Democracia está sendo cumprida", afirma OEA
"O sentimento é de que a democracia está sendo cumprida. Essa eleição é muito importante, não somente para o Brasil, mas para a América Latina em geral. Convocamos todos os brasileiros às urnas, (...) para que a missão democrática seja realizada", disse Rúben Ramirez, chefe da Missão de Observação Eleitoral (MOE) da Organização dos Estados Americanos (OEA), durante a fiscalização das urnas, em Brasília.
Formada por 55 observadores de 17 países, a MOE acompanhou a votação em 15 estados e no Distrito Federal, além de cidades no exterior, como o Porto, em Portugal; e Miami e Washington, nos Estados Unidos.
Na capital, a diretoria da missão visitou uma seção eleitoral no Colégio Marista, na Asa Sul. O grupo, composto por quatro pessoas, fez vistorias em três urnas e conversou com alguns eleitores nos corredores do local. O que se ouvia eram pedidos de paz nas eleições em prol da democracia.
Na ocasião, Ramirez destacou o papel da fiscalização para assegurar a legitimidade do sistema nacional. Segundo ele, até aquele momento, as urnas brasileiras funcionavam em "completa normalidade". No entanto, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) informou que 3.222 urnas precisaram ser substituídas em todo o país. O planejamento da organização prevê a entrega de um relatório ao TSE com os pontos de destaque nas eleições. O documento será enviado ainda hoje.
Segurança eleitoral
Ao longo da semana que antecedeu as eleições, 87 observadores internacionais de 26 nações, incluindo a MOE e integrantes do Parlamento do Mercosul (MOE), foram recebidos pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG); pelo TSE e pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Somados a outros representantes, chega a 200 o total de observadores que monitoraram as eleições de ontem.
"A urna eletrônica, juntamente com outros mecanismos desenvolvidos pela Justiça Eleitoral, constitui um pilar da democracia brasileira. E repito: é motivo de grande orgulho nacional", disse Pacheco. Durante recepção ao grupo no Senado — evento que envolveu palestras de funcionários da Casa sobre as eleições gerais —, Pacheco exaltou o sistema eletrônico de votação e a Justiça Eleitoral, a exemplo das demais manifestações institucionais. Além disso, afirmou que a sociedade brasileira tem um "compromisso inexpugnável" com o aprimoramento da democracia.
"O voto eletrônico viabilizou uma apuração rigorosa, transparente e rápida, essencial para que as eleições tenham resultados incontestes. A urna eletrônica, com outros mecanismos desenvolvidos pela Justiça Eleitoral, constitui um pilar da democracia brasileira. E repito: é motivo de grande orgulho nacional", destacou o presidente.
O "motivo de orgulho", segundo Pacheco, se deve ao voto eletrônico, introduzido no Brasil no fim da década de 1990, a qual ele classificou como um passo fundamental para "a concretização do voto secreto e universal, além de tornar as eleições brasileiras mais ágeis e confiáveis". Ele citou a Justiça Eleitoral fortalecida e atuante, que permitiu ao Brasil superar vícios antigos que comprometem a saúde da democracia nacional.
"Nosso país tem proporções continentais, com todos os desafios de governança que essa condição supõe. Práticas eleitoreiras escusas eram costumes comuns no interior. A Justiça Eleitoral, desde sua fundação, em 1932, surgiu para romper com essas práticas. Sua atuação em favor da lisura das eleições, seguindo normas de devido processo legal, é imprescindível para que haja verdadeira democracia no país", afirmou Pacheco.
* Estagiário sob a supervisão de Rodrigo Craveiro