A decisão do presidente Jair Bolsonaro (PL) de comparecer ao funeral de Estado da rainha Elizabeth 2ª em Londres e à Assembleia-Geral da ONU em Nova York na próxima semana faz parte de uma estratégia utilizada com frequência por líderes mundiais para fortalecer sua imagem como estadistas antes de eleições, afirma Christopher Sabatini, do instituto independente de política Chatham House.
Mas segundo o pesquisador do Programa para a América Latina, EUA e Américas do think tank sediado em Londres, as viagens também podem prejudicar o mandatário e candidato à reeleição caso ele diga ou faça algo que perturbe sua imagem a menos de um mês do primeiro turno das eleições presidenciais.
"Em meio a uma campanha dura e difamatória, Bolsonaro está tentando projetar uma imagem de estadista sério com essas viagens, tanto domesticamente como internacionalmente", afirmou Christopher Sabatini à BBC News Brasil.
"É muito comum que chefes de Estado compareçam a cerimônias formais e encontros multilaterais como forma de impulsionar sua imagem."
"Mas o efeito na eleição deve depender das suas declarações durante as viagens", diz o especialista em Relações Internacionais. "Especialmente nas Nações Unidas, se ele fizer um discurso destemperado, pode acabar se prejudicando."
"Mas, de forma geral, viagens ao exterior tendem a ajudar líderes mundiais durante eventos complexos, projetando uma imagem de alguém que está acima de qualquer controvérsia."
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Bolsonaro pediu ao Ministério das Relações Exteriores para confirmar sua ida à Inglaterra ao lado de sua esposa, Michelle Bolsonaro, para prestar homenagem à rainha Elizabeth 2ª durante seu funeral de Estado, segundo informações divulgadas pelo G1.
Chefes de Estado de todo o mundo foram convidados a se juntar aos membros da Família Real na abadia de Westminster, em Londres, para o evento marcado para segunda-feira (19/9).
Na terça-feira (20/9), dia seguinte ao funeral, Bolsonaro discursará em Nova York, na abertura da Assembleia-Geral das Nações Unidas.
Para Peter Hakim, presidente emérito do think tank Diálogo Interamericano, com sede em Washington, o presidente pode se beneficiar da atenção que receberá durante as viagens.
"Ele provavelmente vai receber mais atenção indo para o Reino Unido e discursando na ONU do que ele receberia ficando no Brasil", diz o especialista em política latino-americana.
"Seu discurso na Assembleia-Geral também pode alcançar uma audiência mais diversificada do que outros pronunciamentos, atingindo pessoas que não estão atentas aos seus posts nas redes sociais, por exemplo."
Hakim também acredita que declarações ou ações controversas do presidente podem prejudicar sua imagem a poucas semanas das eleições, mas afirma que por se tratarem de cerimônias muito protocolares, os riscos são menores.
"Os procedimentos formais e cerimoniais do funeral da rainha e da Assembleia-Geral da ONU tornam qualquer declaração ou ação que possa prejudicar sua imagem improvável", afirmou à BBC News Brasil.
'Bolsonaro gostaria de ser rei'
Jair Bolsonaro discursou na ONU em 2019, 2020 e 2021 — por tradição, o chefe de Estado brasileiro é o primeiro na lista de governantes a discursar na Assembleia-Geral.
Essa, porém, será sua primeira viagem oficial ao Reino Unido.
O presidente brasileiro já se encontrou com o agora Rei Charles 3°, filho mais velho e sucessor da rainha Elizabeth.
Os dois tiveram um encontro bilateral no Japão, em meio a uma viagem de dez dias que o titular do Palácio do Planalto fez por países asiáticos em outubro de 2019. Na conversa, os dois discutiram o desenvolvimento da Amazônia.
O príncipe Charles é um "homem simpático", mas, "como o resto do mundo, está equivocado sobre a Amazônia", disse Bolsonaro após o encontro.
Em outubro de 2021, durante uma viagem a Roma para a reunião do G20 que ficou marcada pelo isolamento do presidente brasileiro, Bolsonaro não ouviu o discurso do então príncipe Charles aos chefes de Estado presentes ao evento.
O chefe de Estado saiu para caminhar pelas ruas da cidade, acompanhado por alguns integrantes de sua equipe e seguido por apoiadores, e enviou o ministro das Relações Exteriores, Carlos França, para lhe representar durante o discurso.
Mas para Peter Hakim, Bolsonaro vê como positiva sua associação à rainha Elizabeth 2ª e aos valores da família real britânica e, por isso, pode ter decidido fazer a viagem a Londres mesmo às vésperas da eleição presidencial.
"Os veículos de comunicação têm coberto extensivamente a morte da rainha Elizabeth 2ª, noticiado todas as formalidades e falado sobre as questões morais que envolvem a família real", diz o presidente emérito do Diálogo Interamericano.
"Essa pode ser vista como uma oportunidade de Bolsonaro se associar a tudo isso, dizer que foi convidado e ser fotografado lá."
"A ideia de monarquia parece agradar Bolsonaro, independentemente de seu poder real. Ele certamente gostaria de ser rei."
"Também pode ser parte de um esforço para mostrar que ele é capaz de celebrar uma mulher poderosa e reconhecer suas realizações, como uma forma de atrair o voto feminino", completa Hakim.
Christopher Sabatini afirma que todo o cerimonial e a pompa de um funeral de Estado da família real também podem ter motivado o presidente a comparecer.
"A rainha Elizabeth 2ª está sendo classificada e lembrada como uma figura imponente, que atraía certo consenso internacional. Se associar a essa ideia certamente o beneficia", diz o pesquisador da Chatham House.
"Mas, de forma geral, acredito que a maior motivação neste momento seja ser fotografado e estar ao lado de outros chefes de Estado, seja do Reino Unido, de outros países da Europa ou dos EUA, e de membros da família real. Isso vai fortalecer sua imagem como estadista e chefe de Estado."
'Reforçar alianças internacionais'
Para Sabatini, a viagem a Nova York para a Assembleia-Geral da ONU também pode ser vista como uma oportunidade para Bolsonaro fortalecer suas alianças internacionais com encontros bilaterais e contatos informais antes de uma eleição marcada por alegações infundadas de fraude.
O presidente disse em várias ocasiões que as urnas eletrônicas não são confiáveis e insinuou que pode não aceitar o resultado do pleito em outubro.
"Ele pode tentar reforçar suas alianças internacionais para evitar potenciais críticas negativas caso tente alegar fraude eleitoral ou haja alguma agitação política", diz o pesquisador da Chatham House.
"Seria uma tentativa de fazer algo similar ao que aconteceu naquela reunião com os embaixadores em Brasília. Mas agora em um evento mundial."
Em julho, em uma reunião com embaixadores estrangeiros, o presidente repetiu suspeitas já desmentidas por órgãos oficiais sobre a credibilidade das eleições de 2018 e a segurança das urnas eletrônicas.
- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62884548
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