Vasculhando um site de leilões, o empresário Gabriel Baggio Thomaz, de 29 anos, diz ter encontrado o domínio www.bolsonaro.com.br entre os que não tiveram o pagamento renovado e estavam disponíveis para venda.
Em entrevista à BBC News Brasil, ele afirma que isso aconteceu ainda no ano passado, mas que só em 2022 produziu conteúdo e o publicou.
O site se tornou um dos assuntos mais comentados nas redes sociais nesta quarta-feira (31/08). Isso ocorreu porque o domínio tem o sobrenome do presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), mas o conteúdo é justamente todo contra ele. Há até um desenho que associa o presidente ao nazismo.
Na tarde de sexta-feira (2/9), o site estava fora do ar. No entanto, não ficou claro se a queda foi causada pelo alto número de acessos, um ataque hacker, uma decisão da Justiça ou até mesmo se foi retirado pelo próprio Gabriel.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, disse que pediu ao diretor-geral da Polícia Federal "a instauração imediata de inquérito policial, para a devida apuração dos fatos".
Questionado, Gabriel não disse quanto custou o domínio. "Acho que isso pode distrair", diz. Mas relatou como teria sido o processo para comprá-lo.
"Foi algo muito inusitado. Eu estava com vontade de empreender e vasculhei o site para saber se tinha algum domínio interessante. Mas você não espera que uma coisa dessas vá aparecer. Eu apenas estava olhando uma lista com milhares de nomes. Eu era assíduo", diz Gabriel em entrevista à BBC News Brasil.
Ele afirma que não tem certeza de como encontrou o domínio, mas que costumava listar no Excel os disponíveis para filtrá-los com mais precisão.
"No começo, eu pensei que alguém tinha vacilado e desconfiei se aquela oportunidade era real. Fiquei quieto para não espalhar a ideia. Me cadastrei para participar do leilão e defini um valor máximo que eu poderia pagar por aquele domínio. Depois, teve um processo de pensar o que essa compra implicaria", afirma.
Segundo ele, o primeiro leilão do domínio ocorreu em dezembro, mas que outra pessoa deu o maior lance e teve a oportunidade de adquiri-lo. Mas essa pessoa, diz o empresário, não pagou.
"Logo depois, o site Registro.br me convidou, por ter sido o segundo colocado, para uma nova oportunidade de compra. Eu comprei por muito menos do que eu pensei que pagaria. Confesso que achei que eu não teria dinheiro. Posso dizer que o que eu gastei foi irrisório", diz ele sem revelar o valor.
Ele conta, porém, que um domínio simples custa cerca de R$ 400 num leilão, mas que um que contenha uma palavra importante pode custar alguns milhares de reais. Alguns internacionais chegam a atingir a cifra dos milhões de dólares.
Advogada especialista em propriedade industrial do escritório Camelier Advogados Associados, Beatriz Marques Rangel diz que o Sistema Administrativo de Conflitos de Internet (Saci) prevê que o dono do domínio siga algumas regras.
"A pessoa não pode requerer um registro de domínio que vá atacar a imagem de alguém. Estamos falando de danos morais, porque o site está vinculando a pessoa Bolsonaro com ações nazistas. Além disso, Bolsonaro é o nome de uma família e ele também está atingindo a honra de todas as pessoas com esse sobrenome", afirmou.
Rangel diz que o contrato do Registro.br prevê que o dono do site escolha adequadamente o nome de domínio a ser registrado de maneira que ele não desrespeite a legislação.
"Ele não pode induzir terceiros a erro, muito menos violar direitos de terceiros. Também não pode usar palavras de baixo calão ou termos abusivos com o nome de domínio", diz a especialista.
Produção e liberdade de expressão
Gabriel diz que, assim que ele comprou o domínio, passou a planejar o que fazer com ele.
"Eu li leis, pensei em propostas de arte e, aos poucos, fui materializando a ideia de ter uma galeria de arte, porque é algo que eu gosto. Teve um tempo em que pensei que eu não fosse fazer nada, mas num dia eu me determinei a fazer e saiu meio rápido", afirmou.
Ele disse que todos os textos foram feitos por ele, mas que as artes foram produzidas por outras pessoas, sem revelar quem.
"Os textos são frutos de um acúmulo de quatro anos absorvendo asneira do presidente. Eu falei o que estava dentro do meu coração. Escrevi e montei o site com o que estava guardado no meu coração. Depois, só procurei notícias e vídeos que corroborassem com o que está escrito. Foi fácil. Foi uma catarse emocional", afirma o empresário por telefone.
Gabriel diz que tentou construir os textos de uma maneira menos emocional e que se resguarda no direito dele à liberdade de expressão garantida pela Constituição. Questionado sobre a declaração do governo Bolsonaro de que vai entrar com uma ação contra ele, Gabriel se diz surpreso e chateado.
"É muito triste isso partir do pessoal que se diz em prol da liberdade de expressão. Eles se vendem como defensores da liberdade, mas na prática estão querendo cercear o direito de expressão e a minha liberdade privada. O site é meu, não sou político. Perdi um parente nessa onda de covid e agora todo mundo tem tudo a perder. Estão indo atrás da minha empresa, da minha família. Vamos ver se eu tenho direito à liberdade de imprensa mesmo", afirmou.
Mas até que ponto alguém pode usar a liberdade de expressão para se manifestar?
A professora de direito eleitoral da FGV Rio Silvana Batini disse que essa é uma pergunta muito complexa e que não dá para afirmar ainda quem está certo no caso do site.
"Eu não posso dizer se ele está resguardado ou não. De maneira genérica, a lei eleitoral e uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) garantem a livre manifestação do pensamento da pessoa e do eleitor identificável. Isso garante uma liberdade muito grande de pensamento, mas não pode ser pessoa jurídica", afirmou.
No entanto, a professora da FGV diz que esse limite é a ofensa à honra ou divulgação de fatos inverídicos, mais conhecida hoje como fake news. No entanto, ela diz que a jurisprudência costuma favorecer o eleitor, mesmo em caso de críticas severas e até mesmo uso de charges.
"Tem que olhar o conteúdo e ver se tem algo ofensivo à honra, que é onde há margem para a subjetividade. Mas durante o período eleitoral, especialmente em relação aos políticos no exercício de mandato (como Bolsonaro), essas pessoas públicas estão mais sujeitas a críticas ácidas. Casos como esse costumam ser investigados e depois arquivados", afirmou.
Ameaças
Assim que o site viralizou nas redes sociais, Gabriel disse que recebeu uma enxurrada de pedidos de entrevistas. Mas, em meio a essas mensagens, também vieram insultos e até ameaças.
"Eu não esperava que haveria jornais me procurando. Também teve gente me chamando de petista ladrão. Sei que vão vir perseguir. Já teve tentativa de acesso hacker nas minhas contas e tem email que não consigo acessar mais. Disseram que vão me torturar. Eu sabia que eles iam latir. É a covardia do anonimato. Tem gente propagando o ódio", afirmou.
A reportagem perguntou se Gabriel foi procurado por algum partido político. Ele negou e ainda pediu para que o evitem.
"Eu pediria para os partidos serem cautelosos. Aconselho a políticos e partidos a não entrar em contato comigo. Eu só quero me manifestar como indivíduo. Não quero falar com eles. Eu quero deixar o preto no branco. Não quero navegar nessa zona cinzenta para não dar argumento a quem quer me prejudicar. Eu fiz tudo do meu cérebro e do meu bolso. Se vier uma enxurrada de processos, depois eu peço ajuda financeira para me defender", afirma.
Durante a entrevista, o empresário disse que não usa as redes sociais e só quer aproveitar o site que ele criou para se manifestar.
"Se eu puder voltar às escuras depois, até prefiro. Fico feliz que tenha mais gente se manifestando sobre isso. Nossa sociedade depende da gente se manifestando sobre o que pensa", afirmou.
- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62747114
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