Como a disputa eleitoral está sendo vivida no centro financeiro do país, a avenida Faria Lima, em São Paulo?
Os executivos do mercado financeiro que votaram em Jair Bolsonaro em 2018 seguem apoiando o governo? E o que define o voto dos "faria limers", como são chamadas as pessoas que trabalham no setor?
As questões são tratadas no terceiro episódio de Brasil Partido, um podcast da BBC News Brasil, veiculado nesta quarta-feira (27/09) no site da BBC, no canal da emissora no YouTube e em plataformas de áudio como Spotify e Apple Podcasts.
No episódio, são entrevistadas pessoas que tornam a Faria Lima, uma avenida com menos de 5 quilômetros de extensão, uma das maiores forças no mundo político brasileiro.
Apresentado pelo repórter João Fellet, o podcast aborda como pessoas de diferentes grupos sociais — como evangélicas, agricultores e brasileiros que se identificam como pardos — se posicionam diante de conflitos políticos atuais.
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De Lula a Bolsonaro
"Eu não tenho a menor dúvida que 80% da Folha Lima votaria no Bolsonaro", disse o economista Renato Breia, um dos entrevistados no episódio.
Breia é sócio fundador da Nord Research, uma empresa com 70 funcionários que orienta investidores sobre onde colocar seu dinheiro.
Breia trabalha no setor há 17 anos e, ao longo de quase toda a vida, morou, estudou e trabalhou nos arredores da avenida Faria Lima.
Quando ele começou na profissão, o Brasil era presidido por Luiz Inácio Lula da Silva.
Breia conta que muita gente na Faria Lima ficou preocupada quando Lula se elegeu, em 2002. Afinal, Lula se projetou na política nas décadas anteriores com um discurso bastante crítico aos banqueiros e a promessa de, se eleito, tirar dos ricos para dar aos pobres.
Mas o Lula que assumiu a Presidência se mostrou bem diferente, diz Breia.
"Quando ele sinaliza que vai trabalhar também pro que o mercado quer ouvir, a bolsa dispara, o juro cai e o mercado financeiro, de alguma forma, se encanta com essa história", lembra o economista.
Na época, o Brasil vivia um momento favorável no mercado internacional: o apetite da China elevou os preços de matérias-primas que o Brasil exporta em grande quantidade, como a soja e o minério de ferro.
O crescimento da economia e o equilíbrio das contas públicas fez com que, em 2008, o Brasil ganhasse o status de investment grade pela primeira vez na história. Essa é uma classificação dada por agências financeiras aos países que elas julguem apresentar risco quase zero de dar calote em investidores.
Apesar disso tudo, Breia diz que algo na postura econômica do governo não cheirava bem pra ele.
"A estratégia do governo foi eleger os campeões nacionais e botar dinheiro nas grandes e principais empresas, pra isso fazer um efeito em cadeia, de investimentos", afirma.
A política das campeãs nacionais foi uma das marcas do governo Lula e deixou sob os holofotes o BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social). Naqueles anos o banco aumentou bastante seus empréstimos a grandes empresas nacionais, que com esses recursos conseguiram comprar companhias rivais e dominar seus setores.
O BNDES também ampliou seus financiamentos para que empreiteiras brasileiras fizessem obras no exterior.
O governo dizia que essas ações buscavam injetar recursos na economia brasileira e fortalecer companhias nacionais pra que elas fossem capazes de competir com grandes empresas estrangeiras. Mas houve questionamentos sobre o porquê de algumas empresas, e não outras, terem sido escolhidas pra receber os empréstimos. Também surgiram críticas de que essa política estaria causando desequilíbrios no mercado.
O papel turbinado do BNDES na economia e as denúncias investigadas pela Lava Jato foram azedando a relação do mercado com o governo do PT. E essa relação pioraria ainda mais no governo de Dilma Rousseff.
"O ambiente para o mercado financeiro durante o período da Dilma foi muito ruim: você pode pegar a performance da bolsa, foi péssima, emissões de renda fixa, vários negócios, grandes empresas quebraram ou desapareceram, foram compradas por nada", afirma.
Para Breia, a lembrança do governo Dilma é um dos fatores que levam executivos do mercado financeiro a optar por Bolsonaro nesta eleição.
Ainda assim, ele diz que a maior parte da Faria Lima vai votar no Bolsonaro não porque esteja totalmente alinhada com o presidente, mas sim por achar que ele é menos ruim do que o Lula.
"Não é assim: 'eu vou votar porque esse governo foi muito bem'. Não, ele é a melhor opção, dadas as opções", afirma.
Para Breia, um novo governo Bolsonaro tende a ser melhor para a economia do que um retorno de Lula.
Discurso conservador
Mas nem todos na Faria Lima acham que a economia é o principal fator por trás dos votos que Bolsonaro recebe entre os executivos do mercado.
"Existe um discurso muito conservador na Faria Lima que saiu da toca. Esse discurso do Bolsonaro de 'fuzilar a petralhada', esse discurso homofóbico, misógino, sobre a família", diz César (nome fictício), um alto executivo que preferiu não ser identificado. Ele diz que já teve problemas por anunciar que votaria em Lula nesta eleição.
"Teve gente que falou: 'Como você pode cuidar do dinheiro das pessoas se você vota num partido da esquerda?'", ele conta.
Para César, "o mercado é um ambiente essencialmente masculino, o mercado é um ambiente de elite", e esses fatores ajudam a explicar o apoio a Bolsonaro no setor.
Ele conta que, no início da campanha eleitoral de 2018, a Faria Lima estava apoiando o então candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin — que hoje está no PSB e é vice na chapa encabeçada por Lula.
A Faria Lima passou a apoiar Bolsonaro quando ele crescia nas pesquisas e depois de ele anunciar que um executivo do mercado financeiro, o economista liberal Paulo Guedes, seria o chefe de sua equipe econômica.
"Eu acho que o mercado ignorou e fingiu que acreditava no discurso do Bolsonaro. Você tem que ser muito inocente para acreditar que o Bolsonaro tem ideais liberais ou que o Paulo Paulo Guedes vai tomar conta", diz.
O economista tem várias críticas ao PT, mas acha que Bolsonaro representa um risco bem maior ao país.
"O que me afasta do Bolsonaro inicialmente é a ameaça à democracia, que eu sempre enxerguei, desde 2018. Mas não é só isso: Bolsonaro representa tudo que eu desprezo", afirma.
Mas César diz que a maioria das pessoas na Faria Lima não considera que Bolsonaro ponha em risco a democracia no Brasil.
E mesmo se houvesse um golpe de Estado, ele afirma que o mercado reagiria mal inicialmente, mas acabaria se adaptando ao novo cenário.
"Se o investidor local, brasileiro, está ganhando dinheiro, está tudo certo", afirma.
"Essa caricatura de que 'se meu dinheiro tá tranquilo, dane-se o resto', ela é bem verdadeira. É bem por aí mesmo", afirma.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63016047
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